O procurador Carlos Fernando diz que a medida que dá poderes ao BC para fechar delações com bancos pode redundar em acordos irrisórios
DIEGO ESCOSTEGUY
09/06/2017 - 17h05 - Atualizado 09/06/2017 17h30
O procurador da República Carlos Fernando Lima, um dos líderes da Lava Jato em Curitiba, disse a ÉPOCA ser “preocupante” e “surpreendente” a Medida Provisória editada nesta quinta-feira (8) pelo governo Temer, que concede poderes ao Banco Central para fechar acordos de leniência e de colaboração premiada secretos com bancos e instituições financeiras. Carlos Fernando critica tanto a forma (uso de MP, um instrumento unilateral e de urgência do governo) quanto o teor da medida. Questiona, especialmente, o momento em que ela foi publicada: precisamente quando o petista Antonio Palocci negocia com a Lava Jato, em estágio avançado, uma delação em que se compromete a entregar fatos criminosos envolvendo, ao menos, três grandes bancos brasileiros. A MP tem o potencial de proteger, em larga medida, os bancos porventura acusados – não somente por Palocci, mas por outras delações correlatas, sobre crimes contra o sistema financeiro.
1) A forma e o momento. O governo Temer concedeu esses poderes ao BC por meio de MP, um instrumento legal que exige urgência e relevância. Em vez de mandar um Projeto de Lei ao Congresso, para amplo debate, usou a prerrogativa da urgência constitucional. “Qual a urgência nesse caso? A não ser solucionar um problema específico daqueles que têm o que temer e proteger interesses próprios”, diz o procurador. “O senso de urgência parece decorrer do noticiário sobre possíveis delações.”
2) A leniência leniente demais. Os termos da MP preveem a confissão dos bancos, e não um acordo de leniência. Na leniência, por definição, a empresa obriga-se a entregar outras empresas e pessoas que participaram de uma organização criminosa. A confissão é meramente o reconhecimento de culpa. O texto da MP, na interpretação do procurador, admite, na prática, a confissão – em vez de exigir a verdadeira leniência ou colaboração, em que outros envolvidos nos crimes são entregues. “Isso subverte a natureza da própria leniência”, diz Carlos Fernando. “Qual é a real motivação por trás disso?”
3) O sigilo absoluto. A MP, ainda na interpretação do procurador líder da Lava Jato, permite que o BC mantenha em sigilo a própria existência do acordo de leniência ou de colaboração – e não somente do teor dos acordos. Dessa maneira, outros órgãos, como o MPF, a PF, o TCU, não seriam informados de possíveis acordos, impedindo a reparação criminal do que tenha sido revelado pela instituição financeira. O público também nunca saberia dos crimes confessados.
>> A condenação do caixa um
A combinação dessas falhas na MP, intencionais ou não, resultaria na seguinte situação hipotética: um banco que tenha lucrado bilhões com crimes financeiros (e não só financeiros) poderia procurar o BC, admitir sua culpa, pagar uma multa irrisória – e ninguém nunca ficaria sabendo disso. O exemplo demonstra quão generosos podem ser os benefícios para os bancos que estão alarmados com a delação de Palocci. “No geral, o acordo poderia chegar a nada, ainda mais para uma instituição financeira”, alerta Carlos Fernando. “Há coincidências no mundo. Mas coincidências demais nos fazem desconfiar do que está por atrás de tudo isso.”
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