terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

STF faz punição de crimes parecer antinatural


Costuma-se dizer que o crime não compensa. As estatísticas da Lava Jato revelam que a coisa não é bem assim. A questão é que, quando compensa, o crime muda de nome. Chama-se foro privilegiado. Na atmosfera fluida do Supremo Tribunal Federal, em vez de conduzir os processos ao seu desfecho natural, o meio os absorve, esconde, engaveta… No limite, mata.
Foi o que aconteceu com um caso protagonizado por Romero Jucá. Investigado por suspeita de desviar verbas federais em obras de creches e poços artesianos numa cidade de Roraima, o líder de Michel Temer no Senado livrou-se da punição porque o crime, cometido há 16 anos, prescreveu nos escaninhos do STF.
A própria procuradora-geral da República Raquel Dodge requisitou o arquivamento. Foi atendida pelo ministro-relator Marco Aurélio Mello. A prescrição foi obra coletiva. A Polícia Federal e o Ministério Público forneceram parte da lenha que assou a pizza.
Corta para a Lava Jato. Deflagrada há quase quatro anos, a operação constrange a Suprema Corte. Na primeira instância, onde ardem os larápios sem mandato, o petrolão já resultou na condenação de 133 pessoas. Entre elas réus graúdos como Lula, Eduardo Cunha e Marcelo Odebrecht. O número de veredictos chega a 177, pois alguns encrencados carregam mais de uma sentença. Vários julgamentos já foram confirmados pela segunda instância. Noves fora as multas, as penas somam notáveis 1.753 anos e 7 meses de cadeia.
No Supremo Tribunal Federal, correm 193 inquéritos, 36 denúncias e 7 ações penais relacionadas à Lava Jato. O número de condenados é zero. Repetindo: a última instância do Judiciário não sentenciou um mísero colarinho branco protegido no interior da bolha do foro especial.
Sete dos 11 ministros do Supremo já votaram a favor da redução da abrangência do foro privilegiado. O escudo só valeria para os crimes cometidos durante o mandato, se tiverem alguma relação com o exercício da função pública. Mas o ministro Dias Toffoli pediu vista do processo, retardando o encontro de criminosos do poder com o mármore quente do primeiro grau.
Em vez de agir para que o crime deixe de compensar acima de um certo nível de renda e de poder, uma banda do Supremo flerta com a ideia de livrar Lula da cadeia. Fica-se com a impressão de que República não signica mais coisa pública, mas cosa nostra. Enquanto a lei não valer para todo mundo, a democracia brasileira será sempre relativa. E a corrupção continuará sendo absoluta.
A impunidade proporcionada pelo Supremo chegou a tal ponto que a investigação completa e a punição dos envolvidos parecem coisas meio, digamos, antinaturais. Romero Jucá ainda responde a uma dezena de processos criminais na Suprema Corte. ''Todos serão arquivados'', vaticina o senador, com a hedionda naturalidade. Como questionar um especialista?
Josias de Souza

Nenhum comentário:

Postar um comentário