terça-feira, 19 de junho de 2012

Bolsa Família e violência: economista CONFESSA (não percam!) como fez sua pesquisa e acha que, se me agredir e me xingar, vai provar que está certo. Ele explica quase tudo, menos o essencial

Ai, ai, com tanta coisa sobre a qual falar, dedico uma parte do meu tempo ao senhor, como é mesmo?, ah, sim: João Manoel Pinho de Mello. Se fosse importante, a esta altura, eu já teria ouvido falar. Mas ele se tem em altíssima conta e acha que caio em alguns truques. O Manoel, que não tem três penas no chapéu, integra um grupo de economistas da PUC do Rio que decidiu mensurar os efeitos do Bolsa Família na queda da violência em São Paulo. Compararam os índices antes e depois de 2008 e chegaram à conclusão de que o programa foi responsável por 21% — encantadora essa precisão! — do total da queda da criminalidade. Huuummm… Escrevi um post a respeito fazendo algumas indagações. João Manoel ficou zangado, escreveu uma catilinária imensa me desqualificando e, pasmem!, acusando-me de agressivo. Mentira! Não o agredi, não! Chamei as conclusões do estudo de “bobajada”. No mais, destaquei evidências que caminham no sentido contrário ao de suas conclusões. Só isso. Ele enviou o texto ao blog. Só não publiquei ontem porque, obviamente, requer resposta. O rapaz saiu divulgando o texto por aí e me enviou mais alguns comentários — mobilizou também alguns amigos, parece — me acusando de estar com medo de publicar a sua resposta ou algo assim. Eu nunca tinha ouvido falar dele e desconfio que a recíproca é verdadeira, ou não viria com essa tolice. Vamos lá. Ele segue em vermelho. Eu em azul.
Sr. Reinaldo Azevedo,
Escreve João Manoel Pinho de Mello, professor associado do Departamento de Economia da PUC-Rio e PhD em economia pela Stanford University (2005). Sou um dos autores do estudo sobre Bolsa Família e crime a respeito do qual você fez comentários em seu blog. Resolvi respondê-los. A maioria de meus comentários se refere à ciência do artigo supracitado e à “ciência” dos seus comentários. Mas confesso que alguns poucos refletem minha indignação com sua agressividade e sua arrogância. Peço perdão aos leitores interessados apenas na ciência da mensuração do efeito do Bolsa Família sobre o crime. Infelizmente receio que sejam poucos.
Ele começa me tratando de “Sr.” como quem diz: “Seu filho da mãe” na versão não publicável em blogs de família. Em seguida, tenta me intimidar com o seu currículo. Respeito competências e títulos, claro!, mas não me assustam. Uma bobagem é uma bobagem é uma bobagem, não importa o pedigree de quem a pronuncie. Todo o parágrafo, na verdade, vale por um “sabe com quem está falando?”. Agora sei. E daí? O Mané de Stanford não está habituado ao confronto de ideias e ao debate. Ao acusar a minha “agressividade e arrogância” — leiam o texto original e verão que não —, diz, humilde que é, que vai responder (eu poderia enroscar com a regência do verbo “responder” em seu texto tão douto, mas deixo pra lá…) com a ciência (sem aspas) para se contrapor à “ciência”, com aspas, do meu comentário. Logo, ele é um cientista pronto a humilhar este pobre leigo! Atenção para o que vem agora. A coisa começa a esquentar.
Normalmente não escreveria este comentário. Não é muito útil debater assuntos de natureza técnica com interlocutores ideológicos (à esquerda e à direita). Mas há pessoas que eu respeito intelectualmente e admiram o que você escreve. Por isso resolvi tomar meu tempo para corrigir seus erros. Não acho que seja vigarice. Apenas viés ideológico ao discutir um assunto que, de fato, é difícil. A maioria das pessoas educadas e inteligentes, mas sem treinamento científico, tem dificuldade em distinguir correlação e causa. Não se sinta diminuído por isso, blogueiro.
Então comecemos por uma boa diferença entre nós. Há um monte de pessoas que respeito intelectualmente que não o admiram porque nunca ouviram falar de você. Lamento que o contrário seja verdade. Fazer o quê? Tente doutriná-las e provar que estão erradas. Não, eu não me sinto diminuído por ser chamado de “blogueiro”. Afinal, por que tanta preocupação em responder a alguém tão desprezível, Mané de Stanford? Quanto a você desprezar “interlocutores ideológicos à esquerda e à direita”, dizer o quê? Geralmente os que negam a ideologia com esse vigor em nome de uma suposta neutralidade científica — especialmente no terreno das ciências humanas — são apenas candidatos a pensadores do regime, seja ele de direita ou de esquerda. Entendeu ou pequei por excesso de sutileza?
Vou me referir a você como “blogueiro”, pois afinal esse é seu título, não?
Não, não é meu título. Você comete um primeiro pecado para um candidato a polemista: desconhece o sentido preciso das palavras. Se quiser, pode chamar de atividade, profissão, ocupação até. “Título” é outra coisa. Eu sou um “destitulado”.
O blogueiro reclama, quase sempre com razão, dos métodos de argumentação do Luis Nassif. Pois bem: ele se comportou como o Nassif. Falou sobre o que não entende com um misto de arrogância e primitivismo. Não gosto muito de adjetivação, mas parece ser o estilo do blogueiro. Por isso me permitirei essa pequena indulgência (não é muito grave; é quase como comer uma caixa inteira de Sonho de Valsa).
Mané está com informações falsas a meu respeito. Há muito tempo, como sabem os leitores, Luís Nassif foi banido deste blog. Quanto a “comer a caixa inteira de Sonho de Valsa” como quem se entrega a uma compulsão depois de um período de repressão, huuummm… Cuidado, Manoel! Certas imagens revelam mais do que o autor pode desejar. Deve ser torturante viver com vontade de cair de boca no Sonho de Valsa, mas ter de se reprimir com medo da reprovação social, né?
Sobre arrogância tenho pouco a falar por ser autoevidente. Mas, a título de ilustração, o blogueiro comenta um artigo científico que, pela natureza de seus comentários, não leu (ou não entendeu), e acha que pode rebatê-lo com uma mirada superficial nos dados do mapa da violência. Para esclarecimento, o artigo cujo conteúdo desagrada tanto ao blogueiro está em processo de revisão para re-submissão para publicação no American Economic Journal, Economic Policy (da American Economic Association), uma das 20 publicações científicas mais prestigiosas do mundo em economia.
Até agora, Manoel, o fortão do Bairro Peixoto, não respondeu à minha crítica (sim, queridos, eu vou relembrá-la aqui). Ele já me chamou de “arrogante”, “agressivo” e “blogueiro”, já expôs o seu currículo e agora diz que seu artigo pode ir parar numa publicação de prestígio. Atenção, senhores! Até agora, ele está certo, e eu, errado, porque:
a) é economista, e eu não;
b) porque é Ph.D. por Stanford, e eu não;
c) porque eu sou arrogante e agressivo, e ele não (como se vê…);
d) porque seu artigo pode ser acolhido numa publicação de prestígio.
Sobre primitivismo tenho mais a falar, pois se trata de conteúdo. Começo com uma observação simples. Consideremos o Nordeste, o contraexemplo preferido. É possível, na realidade provável, que o crime tivesse aumentado ainda mais no Nordeste na ausência do Bolsa Família, mas não temos como saber. Em linguagem científica isso se chama contrafactual. É um raciocínio que requer alguma sutileza intelectual. Mas suponho (?) que o blogueiro conseguirá perceber.
Vamos aqui recuperar a natureza da polêmica, que este bobalhão arrogante tenta esconder com sua pseudociência. Este senhor assina um trabalho afirmando que o Bolsa Família, que tem menos importância na cidade de São Paulo do que em qualquer capital do Norte ou Nordeste, responde por 21% da queda de criminalidade, comparando-se os dados anteriores e posteriores a 2008. E por que se escolheu esse divisor? É quando o Bolsa Família começa a atender os jovens de 16 e 17 anos. A redução da desigualdade teria tido, pois, um grande impacto na queda da violência (ele próprio exporá seu método mais adiante).
Qual foi a objeção levantada por este desprezível “blogueiro” — que não cai de boca no Sonho de Valsa — e que deixou o Ph.D. de Stanford tão furioso? A violência no Nordeste, com algumas exceções, cresceu, em vez de diminuir, nesse período. Na Bahia, em Salvador especialmente, assume contornos explosivos, dramáticos. Aí ele resolveu adotar o mesmo método de argumentação dos cientistas que faziam terrorismo com o aquecimento global: se ele não pode provar que está certo, pede, de modo enviesado, que eu prove que ele está errado. Mas não me furto, não! Desde logo, coloca-se uma questão evidente: por que o tal programa teria tido um impacto tão forte em São Paulo, mas não no Nordeste?
Ocorre que a suposta ciência do Mané de Stanford nasce de um preconceito, que ele não se intimida em enunciar: “É possível, na realidade provável, que o crime tivesse aumentado ainda mais no Nordeste na ausência do Bolsa Família, mas não temos como saber”. É evidente que a hipótese de seu trabalho é esta: “O Bolsa Família diminuiu a violência”. Aí ele fez o que faz muita gente — em especial a turma do aquecimento global: resolveu torturar os dados até que confessassem o que estava buscando. Como sua tese se afina com a metafísica influente, tudo ficou mais fácil. No parágrafo seguinte, quando ele decide, definitivamente, me humilhar, ele se estrepa.
Agora para as considerações um pouco mais intrincadas. É muito difícil estabelecer relações de causa e efeito em ciências sociais. A razão é simples: diferentemente das ciências duras, em geral não é possível fazer experimentos aleatorizados em criminologia (em ciências sociais em geral, na verdade).
Certo! Ciências sociais permitem muitos chutes. Não me diga! Logo, Manoel está admitindo que as conclusões têm muito de gosto, arbitrariedade, ideologia, escolhas. Ou com ele seria diferente?
Por isso a análise superficial com os dados do mapa da violência é um exercício fútil na melhor das hipóteses. Perigoso e, portanto, leviano na pior delas. Recife é mais pobre, mais desigual e violento do que Blumenau. Isso prova que pobreza e desigualdade causam crime? Não. Mostra tão somente que essas três variáveis andam juntas. Não estabelece nenhuma relação de causa e efeito. Afinal, outros fatores podem causar tanto pobreza e desigualdade como crime. Por exemplo, debilidade institucional. Estado fraco causa polícia fraca e pobreza. É essa a verdadeira causa? Não sei. O argumento é feito somente para ilustrar por que não se deve inferir absolutamente nada com a comparação simples entre estados.
Evitei a palavra até agora, mas não dá mais! Trata-se de um truque intelectualmente vigarista, ainda que Manoel seja um gênio. Em primeiro lugar, por amor à precisão, destaco o aspecto em que estamos de acordo: são muitas as variáveis que resultam em mais ou menos violência — E, PORTANTO, NA REDUÇÃO DA VIOLÊNCIA TAMBÉM.
Onde está a vigarice? O texto de Manoel mente ao afirmar que argumento comparando estados distintos. Não! Eu me referi a estados e cidades na comparação consigo mesmos, Manoel! Não engane seus eventuais leitores! Não tente enganar os meus! Eu vou comparar, rapaz, São Paulo com São Paulo. Os números negam de forma tão escandalosa a hipótese — e o estudo dele não passa disso, ainda que aspire à condição de teoria ou teologia — que fico até um tantinho constrangido em exibi-los. Em 2000, a região metropolitana de São Paulo, senhores leitores, tinha 63,3 homicídios por 100 mil habitantes. Chegou a 2010 com 15,4 (hoje está em torno de 10), com redução de 75,6%. Queda abrupta? Não! Vejam a evolução dos dados de 2000 a 2010.
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O estudo do companheiro que repudia a direita e a esquerda — nada como se declarar “de centro” para poder aspirar à santidade e à, como direi?, inimputabilidade científica — compara dados anteriores a 2008 com dados posteriores. Sei. Os mortos por 100 mil na região metropolitana de São Paulo já haviam caído 69,8% entre 2000 (63,3) e 2007 (19,1). “Ah, mas poderiam ter caído menos a partir de 2008 não fosse o Bolsa Família.” Nada posso fazer com a crença das pessoas.
Agora vejam o que acontece com o índice de homicídios, sempre segundo dados do Mapa da Violência, nas regiões metropolitanas de Maceió, João Pessoa, Belém, Vitória, Salvador, Curitiba, Recife e São Luís .
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Não é preciso comparar os números de São Paulo com os de Salvador, senhor Manoel sem penas no chapéu. Basta comparar Salvador consigo mesma. O Bolsa Família, no atual formato, foi criado em 2003, começou a ser aplicado ainda timidamente em 2004 e foi se expandindo. O estudo dele faz um corte entre antes e depois de 2008? Pois bem. Serve esse cotejo. “Ah, mas a capital baiana é mais desigual do que Curitiba.” É? Pois bem: vejam os dados dramáticos da região metropolitana da rica capital paranaense. Em Recife, já se nota uma queda, embora os números sejam ainda alarmantes. O noticiário nos informa de que estão em curso medidas virtuosas de reforma da polícia pernambucana — ainda no começo. E esse mesmo noticiário dá conta de que, na polícia baiana, ocorre o contrário. Jaques Wagner conseguiu piorar o que já era ruim. Os números estão aí. Manoel achou — com todo respeito, viu, doutor Ph.D. — que ainda não tinha trapaceado intelectualmente o bastante e escreve o seguinte.
Mutatis mutandis, o aumento da criminalidade no Nordeste ao mesmo tempo em que o Bolsa Família lá se expandiu não demonstra que o Bolsa Família não ajudou a diminuir o crime. Nem que ajudou a aumentar. De fato, pouco se sabe sobre as causas do aumento da criminalidade em alguns estados do Nordeste (principalmente BAHIA e ALAGOAS, não, não foi generalizada no Nordeste). Quero dizer, pouco se sabe cientificamente. Achismo há de monte. O blogueiro, por exemplo, dever ter uma porção deles.
De saída: você não sabe empregar “mutatis mutandis”. Estude latim ou seja menos pretensioso. Ou faça as duas coisas. A expressão não cabe aí. Adiante. Não lido com achismo nenhum, mas com dados! Quem foi achar o que já tinha encontrado foi o sedizente cientista. Entre 2000 e 2010 ou entre 2008 e 2010, o único estado nordestino que não teve um aumento escandaloso de homicídios foi Pernambuco (embora o número seja elevadíssimo). Eu pratico achismo? Faltar com a verdade é certamente coisa bem mais feia.
Coloco alguns fatos científicos e algumas especulações, feitas com base em evidências anedóticas. Esclareço que algumas são especulativas, ou seja, o mesmo que o blogueiro faz com sua mirada superficial sobre o mapa da violência. A diferença é que o blogueiro tem a arrogância dos apedeutas. Acha que faz alguma inferência estatística válida. Blogueiro, deve doer quando um termo tão caro é usado contra você, não?
Nossa! Você não sabe como padeço! Se eu fosse do tipo, hoje me acabaria no Sonho de Valsa!!!
Primeiro o fato científico. Houve mudanças adversas na composição demográfica em alguns estados do Nordeste nos últimos anos. Aumentou a proporção de jovens entre 15 e 30 anos em alguns deles, um fator criminogênico importante já fartamente documentado na literatura em criminologia. Demonstro isso em um artigo em revisão para resubmissão ao Economic Development and Cultural Change, um dos principais periódicos CIENTÍFICOS em desenvolvimento econômico no MUNDO. É editado na Universidade de Chicago por pessoas ligadas ao departamento de economia. Credenciais liberais (no sentido britânico da palavra) irreparáveis. Ou seja, pessoas com as quais você se identifica ideologicamente, blogueiro.
Andou comendo muito bombom. Pouco me importa se você é liberal ou não! Quem disse que picaretagem é monopólio da esquerda? Não é, não! Está em curso no país, por exemplo, uma grotesca mistificação sobre a “classe média brasileira” que poderia, em outros tempos, ser considerada coisa da direita. Mas não passa de adesismo e derivação teratológica da “economia da pobreza” transformada em pobreza da economia.
Outros fatores são mais especulativos. Um deles que considero é perda de controle sobre a segurança pública, de novo principalmente na Bahia e em Alagoas. Há bastante evidência anedótica de que a policiamento pirou muito em alguns estados (repito, evidência anedótica, não ciência). E a literatura em Economia do Crime e Criminologia já estabeleceu há anos a importância da solidez da segurança pública. Se quiser se educar a respeito, querido blogueiro, veja Di Tella e Schargrodsky, American Economic Review, 2004 e as referências lá citadas. Mas não é claro que você queira, ou tenha treino, para se informar na literatura científica.
Evidência anedótica? Não! Há fatos mesmo. Como é fato o crescimento do investimento em segurança pública em São Paulo. Como é fato que o estado tem 22% da população, mas concentra 40% dos presos. Como é fato que há menos homicídios nos estados que mais prendem bandidos. Os dados estão no primeiro texto que escrevi a respeito.
Em suma, pouco se sabe sobre a dinâmica recente da criminalidade no Nordeste. Vale muito investigar. Vale bem menos analisar de forma superficial com intuito único de confirmar o viés ideológico apriorístico. Blogueiro, acho que você diria que isso é coisa de petista.
Você é mais fraco de que eu imaginava, com sua exibição de currículo e suas demonstrações de apuro acadêmico que mal escondem o chute de sua pesquisa. Pouco me importa se você é petista ou não. Nem acho que seja! É um tipo pior, disposto a servir, pouco importa o poder de turno. Meu desprezo por gente assim é bem maior. Os petistas, aos menos, não procuram se esconder numa pretensa neutralidade. O índice de homicídios cresceu em 8 dos 9 estados nordestinos entre 2000 e 2010 e, se quiser, entre 2008 e 2010. Nesses estados, o Bolsa Família tem muito mais importância do que em São Paulo, onde a queda na criminalidade é contínua e consistente há 12 anos. Ainda que você tivesse encontrado, vá lá, uma correlação entre o programa e os números, estaria obrigado a explicar por que ela se deu em São Paulo. Vejam os homicídios por 100 mil nos estados nordestinos entre 2000 e 2010.
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Agora sobre Bolsa Família e crime em São Paulo. A maneira ideal de estabelecer se o Bolsa Família teve algum efeito sobre a criminalidade é um experimento aleatorizado controlado. Ou seja, decidir no cara-e-corôa as cidades que recebem e que não recebem o Bolsa Família. Assim, garantir-se-ia que as cidades que recebem (Grupo de Tratamento) e que não recebem Bolsa Família (Grupo de Controle) terão, em média, características iguais. Infelizmente não temos acesso a tal experimento.
O professor Raimundo das pesquisas resolveu dar uma aulinha. Muito bem! Como ele não conseguiu as circunstâncias ideais, vamos ver como agiu.
Por isso usamos um procedimento que tenta imitá-lo. Em 2007 o programa passou a contemplar adolescentes de 16 e 17 anos. Como há escolas com mais e com menos adolescentes nessa faixa etária, o Bolsa Família se expande mais fortemente nos arredores de escolas com mais adolescente de 16 e 17 anos (mostramos isso empiricamente). Como as diferenças de distribuição etária entre as escolas de SP em 2006 nada tem a ver com a decisão de expandir o Bolsa Família, é “como se fosse aleatória” a expansão mais forte no entorno das escolas com mais alunos entre 16 e 17 anos. Por isso, quaisquer aumentos de crime mais fortes (ou mais fracos) no entorno dessas escolas podem ser interpretados como o efeito causal do Bolsa Família diminuindo (ou aumentando) o crime. Encontramos que o crime caiu mais fortemente no entorno das escolas com mais alunos de 16 e 17 anos. Por isso a inferência de que o Bolsa Família causou queda na criminalidade em SP. Se tivesse aumentando a inferência seria inversa: o Bolsa Família seria crimininogênico (perdão pelo anglicismo). Blogueiro, cientista é assim: aceita o que os dados dizem.
Esse tipo de raciocínio estatístico pode ser estonteante quando o vemos pela primeira vez. Blogueiro, eu doaria umas três horas do meu tempo para educá-lo com mais detalhe, se achasse que você estivesse disposto a aprender. Mas você hoje demonstrou que só se interessa por proselitismo ideológico. Como dizia minha avó portuguesa, tali e quali o Nassif.

Não culpe a sua avó portuguesa por sua arrogância e por sua tolice. Aliás, cientistas sociais acabaram de ficar espantados com o seu método. A sua pesquisa, explicada por você mesmo, é mais picareta do que eu imaginava. As conclusões são ainda mais arbitrárias do que eu supunha. E a razão é simples. Consulte as autoridades de segurança pública de São Paulo, seu Zé Mané, e você saberá que os jovens infratores não costumam cometer crimes nos bairros onde moram — a exceção são as brigas de gangue. A exposição de seu método é a confissão de um chute fabuloso.
Mas o que foi que Manoel afirmou mesmo? Isto: “Houve mudanças adversas na composição demográfica em alguns estados do Nordeste nos últimos anos. Aumentou a proporção de jovens entre 15 e 30 anos em alguns deles, um fator criminogênico importante já fartamente documentado na literatura em criminologia”. Certo! Em São Paulo, no entanto, ele afirma: “Encontramos que o crime caiu mais fortemente no entorno das escolas com mais alunos de 16 e 17 anos”. Mas os jovens não estão recebendo Bolsa Família no Nordeste em São Paulo? Manoel é um cientista rigoroso: ele concluiu que a violência aumentou no Nordeste por causa do aumento dos jovens e caiu em São Paulo em lugares com maior concentração de jovens. ENTENDERAM? A sua avó portuguesa merece mais respeito. O problema é o neto dela.
Num dado momento de seu texto, Manoel afirma que as pessoas têm dificuldades de entender a diferença entre correlação e causa. É o caso dele. Comete um erro de lógica elementar, definido por uma expressão latina: “post hoc, ergo propter hoc” — ou: “depois disso, logo por causa disso”. A minha piada para esse tipo de raciocínio é a seguinte: como sempre amanhece depois que o galo canta, há quem acredite que, caso se matem todos os galos do mundo, teremos a noite eterna…  Como Mané constatou que a violência caiu mais nos grupos com maior concentração de jovens de 16 e 17 anos e como eles passaram a receber bolsa-família em 2007, então só pode ser por isso, certo?
Só uma coisa: “crimininogenico”, como você escreveu, não é anglicismo, não! É só erro de digitação. E “criminogênico”, bobão, não é anglicismo. O “criminogenic” é que é uma palavra formada de duas outras: uma de raiz latina e outra grega. Não tente fazer graça porque falta estofo. Você já é engraçado o bastante tentando ser sério.

Ah, sim: vá falar mal do Nassif lá no blog dele. Nem todo inimigo do meu inimigo é meu amigo, entendeu?
A criminalidade ter caído desde 1999 em SP é imaterial para esse raciocínio. Afinal, diferentes fatores podem ter causado a queda no começo e no final dos anos 2000. De fato, a queda do crime no começo dos anos 2000 pode ser consequência de sua subida no final dos anos 1990. Mas para um proselitista como você isso não interessa, não é blogueiro?
Ai, ai… Uma queda de mais de 70% no índice de homicídios em 10 anos, que não pode ser explicada pelo seu achismo, só pode ser explicada por “diferentes fatores”. É… Vai ver eles explicam mesmo!
Pergunta justa: por que SP? Não dava para fazer para outros lugares? O Nordeste, por exemplo, onde o Bolsa Família importa muito mais? A resposta é negativa, infelizmente. SP é o único estado da Federação que tem dados de crime decentes georeferenciados desde o começo da década de 2000. Isso PELO ENORME ESFORÇO de política pública em segurança feito em SP. Esse esforço começou com o Alexandre Schneider, meu co-autor em artigos científicos (mais sobre isso abaixo), quando era secretário adjunto da SSS-SP. Adoraríamos fazer o mesmo em Salvador. Mas não há dados adequados. Viu blogueiro? Nem tudo é conspiração petista.
Repito: os petistas podem ser profissionais da tolice, mas não são seus monopolistas.
Algumas palavras sobre a impressionante queda na criminalidade que ocorreu no Estado de São Paulo nos anos 2000. Essa queda é objeto de minha pesquisa científica desde 2004. Primeiro uma constatação. O crime cai tão fortemente a partir de 1999 porque subiu fortemente nos anos 1990, principalmente depois de 1993. É uma questão mecânica. Blogueiro, seria elegante que você também mencionasse isso. Afinal, os ladrões e assassinos são apartidários em geral.
Você estava comendo bombom quando escreveu isso? Quer dizer que a violência caiu bastante porque havia subido muito? Deve-se inferir que ela subiu muito em alguns estados porque não tinha crescido bastante? Trata-se de mera “questão mecânica”? Deve-se inferir, pois, que, qualquer que fosse a política de segurança pública adotada, o resultado teria sido o mesmo? Você não se envergonha nem um pouquinho? Foi estudar os efeitos do Bolsa Família na diminuição da violência em São Paulo, mas está convicto de que, independentemente das políticas públicas adotadas, o resultado seria o mesmo.
Em criminologia há algum consenso sobre o caráter multi-facetado de mudanças abruptas no crime (bom, tanto quanto há consenso em ciências sociais). Se você estiver realmente interessado em se educar, recomendo fortemente Zimiring (2007), The Great American Crime Decline, disponível em inglês como e-book. O caso mais citado é o dos EUA, e particularmente NYC, nos anos 1980 e 1990. Bogotá e Medellín são outros dois exemplos. O caso de São Paulo não deve ser diferente.
Não seja desonesto! Os dados estão acima! A queda da violência em São Paulo não foi “abrupta” coisa nenhuma! Ao contrário, foi se dando paulatinamente.
Em um capítulo de livro editado pelo National Bureau of Economic Research (NBER, dispensa introdução) e pela University of Chicago (olha aí os petistas de novo!), Alexandre Schneider, aquele que foi secretário de educação do Kassab, e eu mostramos a importância da transição demográfica em São Paulo, que começou antes do país como um todo. Ela responde por 60% do aumento no homicídio na década de 1990, e por 40% da queda nos anos 2000. Em um artigo publicado no Economic Journal (pesquise o status acadêmico desse periódico blogueiro, seja jornalista!), Alexandre Schneider, Ciro Biderman e eu mostramos que os homicídios caíram mais nas cidades que restringiram a venda de bebidas alcoólicas em bares depois das 23h (a velha lei seca). Para ser preciso, 10% mais do que na média da RMSP. Em sua tese de doutorado defendida no departamento de economia da PUC-Rio, Daniel Cerqueira, aquele que desmascarou as estatísticas de homicídio do Rio na era Cabral, mostrou que o estatuto do desarmamento explica outros 8% da queda em São Paulo. Tenho orgulho de dizer que a tese foi orientada por mim e pelo Professor Rodrigo Soares.
O Estatuto do Desarmamento? Seria aquele mesmo que, curiosamente, também só produziu efeitos em São Paulo, mas não no resto do Brasil? São Paulo é hoje a capital com menos homicídios no país por 100 mil habitantes sem restrição para o horário de funcionamento dos bares. E pare com essa bobagem de ficar elencando pessoas e instituições com as quais eu seria ideologicamente afinado. Isso é uma tentativa tosca de exibir a sua isenção ideológica, o que absolutamente não é do meu interesse.
Isso significa que os governos do PSDB não contribuíram em nada? Não! Ainda há pelo menos 50% da queda nos anos 2000 para ser explicada. Corresponde, aproximadamente, a quanto o crime caiu mais em SP do que no resto do país. Só não temos ciência para isso ainda. Entre os cientistas, blogueiro, só se fala com ênfase quando há evidência cientifica. Entre os apedeutas arrogantes, fala-se sempre com ênfase.
Você já expôs os caminhos de sua seriedade científica. Reproduziu, melhor do que eu faria, como chegou à conclusão de que o Bolsa Família responde por 21% na redução da violência. Só não consegue explicar por que o mesmo fenômeno não se repete nos outros estados. Esse é um arcano que guarda só para si mesmo. Afinal, é coisa complicada demais para ser compreendida por não cientistas e blogueiros…
Posso especular. De novo, ESPECULAÇÃO, para não fazer vigarice intelectual. O crime caiu mais acentuadamente em SP porque as condições eram favoráveis. Entre elas, policiamento e vontade de combater o crime. Suspeito, por exemplo, que o efeito pronunciado do estatuto do desarmamento em SP se deve ao fato de que o Estado já combatia a posse ilegal muito antes de dezembro de 2003. O estatuto legal melhorou o combate, provavelmente. Mas, de novo, não tenho ciência sobre isso. Apenas especulação.
Por fim, duas informações. A primeira por transparência. O estudo foi pago pelo Banco Mundial, uma instituição cheia de petistas (parafraseando um procurado pela Interpol que provavelmente se aliará ao PT em SP). Segunda informação: sou DOUTOR em economia pela Stanford University, esse bastião comunista. Entre a Hoover Tower e o Médio Gávea devo ter sido contaminado pelos petistas. Deve ter sido no Baixo Gávea, aquele antro de comunas. O Rodrigo Soares é DOUTOR em economia pela University of Chicago. Sem mais comentários. A Laura Chioda deve ser a espiã petista. Afinal, é DOUTORA em economia pela University of California, Berkeley, aquele antro de desviantes sociais (além de alguns prêmios Nobel, em economia e outras ciências menos controversas). De resto, você pode encontrar na minha página web os links para meu CV e para o artigo, caso você queira se importunar. É só colocar Joao Manoel Pinho de Mello no google.
Atenciosamente,
João Manoel Pinho de Mello
PhD em economia, Stanford University, 2005
Professor Associado, Departamento de Economia, PUC-Rio
Quem leu o primeiro texto que escrevi sabe que não inferi, em nenhum momento, que o Mané de Stanford fosse de esquerda, petista ou sei lá o quê. Até porque a PUC do Rio nem é o melhor lugar para prosperar com essas convicções. Os esquerdistas não têm, reitero, o monopólio do equívoco, não! Só os idiotas, diga-se, diriam que um programa como o Bolsa Família é coisa de esquerdistas.
Eis aí a resposta que o professor disse que eu estava com medo de publicar. Fala por si mesma. Como se pôde notar, arrogante e agressivo é Reinado Azevedo, não é? Ele dialoga com suavidade. Sugiro que os governos façam o seguinte: invistam em segurança pública, em policiamento preventivo, em policiamento comunitário, em ronda escolar, na prisão de bandidos etc. E também distribuam Toddynho para os jovens entre 15 e 30 anos. Aí o Mané de Stanford — sempre ciente de que outros fatores podem concorrer para a queda da violência — vai estudar a importância do Toddynho na queda da violência. Poucos chegaram ao fim do texto, sei disso. Lamento. Era necessário.
Eu não tenho dúvida de que ele é mais hábil comendo bombom do que pensando. Ah, sim, professor: peça a seus amigos que parem de pedir a minha cabeça à VEJA. Ao menos não tentem fazer isso no meu blog, né? QUE DESELEGANTE!!!
Água morro abaixo, fogo morro acima e liberal com vontade de bombom oficialista, queridos, ninguém segura!
E só pra arrematar: ao exibir as suas credenciais liberais, transformar em ciência o puxa-saquismo e ainda me acusar de ser obcecado pelo PT, o Mané de Stanford está cuidando da própria carreira. Cai nas graças do petismo, não fica mal com seus amigos liberais e ainda declara a independência da ciência. Ele já é meu candidato a uma diretoria qualquer no Ipea…
Por Reinaldo Azevedo
REV VEJA

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