terça-feira, 10 de outubro de 2017

AGU, Câmara e Senado se desdizem em processo que pode favorecer Aécio Neves

Josias de Souza
O processo sobre medidas cautelares a que estão sujeitos os congressistas que respondem a inquéritos criminais tornou-se um manancial de contradições. Foram anexados aos autos pareceres antagônicos da Advocacia-Geral da União e das assessorias jurídicas da Câmara e do Senado. A encrenca será julgada nesta quarta-feira pelo Supremo Tribunal Federal. O resultado terá influência direta sobre o caso do tucano Aécio Neves, afastado do mandato e proibido de sair de casa à noite.
Em textos encaminhados ao Supremo no ano passado, AGU, Câmara e Senado reconheceram que congressistas sob investigação criminal poderiam, sim, sofrer sanções cautelares. Em novos pareceres, anexados aos autos na semana passada, os três órgãos dão um cavalo de pau jurídico. Sustentam agora que punições cautelares alternativas à prisão, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, simplesmente não podem ser aplicadas contra deputados e senadores.
Determinada por Michel Temer, a meia-volta é mais radical no caso da AGU. No primeiro parecer, de junho de 2016, a Advocacia-Geral da União não só reconhecia os poderes do Supremo para punir cautelarmente congressistas, como dizia que tais punições não dependiam do aval do Congresso. As assessorias jurídicas da Câmara e do Senado sustentatavam naquela ocasião que as sanções previstas no Código Penal, quando aplicadas contra deputados e senadores, teriam de ser submetidas em 24 horas ao plenário da respectiva Casa legislativa, que poderia manter ou rever a punição.
O processo em que a AGU, a Câmara e o Senado se desdizem escancaradamente nasceu de uma ação direta de inconstitucionalidade movida por três partidos: PP, PSC e SD. A ação foi ajuizada em maio de 2016, dias depois de o plenário do Supremo ter aprovado, por unanimidade, a suspensão do mandato do então deputado Eduardo Cunha e o consequente afastamento dele da Presidência da Câmara. Aliados de Cunha, os partidos pediam que o Supremo reconhecesse que as punições cautelares contra parlamentares precisam ser obrigatoriamente submetidas à Câmara ou ao Senado.
Relator do processo, o ministro Edson Fachin o mantinha na gaveta até a semana passada. Ali permaneceu por um ano e quatro meses. Foi içado à pauta de julgamento a pedido da presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia. Ressurgiu em meio a uma pressão do Senado, que ameaça descumprir a decisão da Primeira Turma do Supremo que determinou, por 3 votos a 2, a suspensão do mandato de Aécio Neves, a entrega do seu passaporte, a proibição de falar com outros investigados e o recolhimento domiciliar noturno.
A ação que o Supremo julgará nesta quarta não trata especificamente do caso de Aécio. O grão-tucano ainda não havia sido alvejado pelas delações da JBS. Mas o processo só saiu da gaveta por causa de Aécio. Punido, o senador tucano ganhou a solidariedade instantânea de outros clientes de caderneta da Lava Jato —entre eles Renan Calheiros, Romero Jucá, Jader Barbalho e Fernando Collor. Dependendo do resultado do julgamento desta quarta, o plenário do Supremo pode desautorizar a punição imposta a Aécio pela Primeira Turma da Corte.
Para salvar Aécio, o Supremo terá de fazer uma ginástica interpretativa semelhante à que foi feita pela AGU, pela Câmara pelo Senado. De saída, os ministros teriam de explicar por que abrirão mão agora de um poder que exerceram em sua plenitude em maio do ano passado, ao afastar Eduardo Cunha do mandato num julgamento unânime. Há quatro meses, o próprio Aécio já tivera o mandato suspenso por meio de decisão monocrática (individual) do ministro Edson Fachin.
O processo contra Aécio foi redistribuído para outro ministro: Marco Aurélio Mello. Em decisão liminar (provisória), Marco Aurélio cancelara as punições a Aécio, restituindo-lhe o mandato. Submetida ao colegiado da Primeira Turma, composto de cinco ministros, a liminar foi revista. Por 3 votos a 2, os magistrados ressuscitaram as punições contra Aécio, adicionando a elas o recolhimento noturno, também previsto no rol de sanções alternativas à prisão anotadas no artigo 319 do Código Penal.
Apinhado de investigados, o Senado tomou as dores de Aécio. E ameaçou derrubar as punições sofridas pelo colega tucano. Sob atmosfera de curto-circuito institucional, Cármen Lúcia, a presidente do Supremo, levou a ação dos partidos aliados de Cunha à pauta. Fez isso para oferecer aos seus colegas de tribunal um pretexto para se reposicionar em cena. É contra esse pano tisnado pelo oba-oba pró-investigados que AGU, Câmara e Senado anexaram ao processo pareceres em que subvertem até o brocardo: em vez de ‘Dura Lex, sed lex’ (a lei é dura, mas é lei), agarram-se ao ‘Dura Lex, sed latex’ (a lei é dura, mas estica).

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