O Brasil real não conheceu nenhuma obra notável concluída pela ministra. O país registrado em cartório por Lula e Dilma inaugurou um deslumbramento por mês
16 maio 2017, 14h58
- Atualizado em 16 maio 2017, 15h44
Num dos incontáveis comícios promovidos para celebrar o bom ritmo de obras que nunca ficam prontas, o presidente Lula informou que o trem-bala prometido para aquele ano teria de esperar um pouco mais. “É uma coisa muito grande, mas está tudo mais ou menos encaminhado e a licitação vai ser feita em outubro”, avisou em 26 de abril de 2008.
De onde viriam os R$ 9 bilhões que serão engolidos pela maravilha ferroviária ligando o Rio a São Paulo e Campinas? Lula replicou com um sorriso superior e outra bazófia: “Neste momento, a companheira Dilma está no Japão e na Coreia mostrando o projeto para países mais ricos e empresas que têm tecnologia, a fim de participarem junto do consórcio de empresas brasileiras”. Era esperar pela viagem de volta e correr para o abraço.
A licitação prometida para outubro, que permitiria ouvir o apito na curva até o fim de 2012, já completou nove anos de inexistência. Em 4 de dezembro de 2009, Dilma baixou em Berlim para prosseguir a missão iniciada no Japão e na Coreia. Pronta para embarcar num trem-bala alemão, transferiu a viagem inaugural do similar brasileiro para 2014. “Antes da Copa do Mundo do Brasil”, animou-se.
A coisa demoraria, mas em compensação ficaria maior, soube o país na continuação da discurseira: “A gente exige transferência de tecnologia, porque esse é o primeiro trem. Você tem outras possibilidades de construção de trens de alta velocidade no país”. Em seguida, Dilma presenteou com trens-balas também os eleitores de Curitiba, Brasília e Belo Horizonte.
O Brasil real não conheceu nenhuma obra notável concluída pela ministra. O Brasil registrado em cartório por Lula e herdado por Dilma inaugurou um deslumbramento por mês. Lá a vida é uma beleza. Lá se vive como rei. Lá a pobreza é uma lembrança tão longínqua, tão remota que os pobres já nem se lembram dos tempos em que faltava dinheiro para comprar passagens de avião. Lá há aeroportos de sobra, e só São Paulo tem três.
O terceiro começou a tomar forma em 20 de julho de 2007, quando Dilma descobriu como acabar com apagões e desastres. “Determinamos a construção de um novo aeroporto e os estudos ficarão prontos em 90 dias”, pisou fundo já na largada da entrevista coletiva, caprichando no plural majestático. “Estamos determinando que a vocação de Congonhas seja de voos diretos, ponto a ponto”.
Como conexões e voos internacionais seriam banidos de Congonhas “em 60 dias”, não havia tempo a perder. Nenhum detalhe escapara à astúcia da Mãe do PAC. “Tivemos de tomar precauções sobre a área de segurança ao redor do aeroporto”, exemplificou. Onde seria construído o mais confortável e mais seguro aeroporto do planeta?, excitaram-se os jornalistas. “Não sabemos onde será e, se soubéssemos, não diríamos”, ensinou a superexecutiva a serviço da pátria. “Jamais iríamos dizer isso para não sermos fontes de especulação imobiliária”.
Dilma Rousseff trucida a realidade com tanta aplicação que parece mais convincente mentindo do que dizendo a verdade. No começo de julho de 2008, por exemplo, declarou com a convicção ensaiada de uma espiã de cinema que nada teve a ver com a venda da Variglog a um fundo americano e três sócios brasileiros. Claro que teve, insistiu a ex-diretora da Anac Denize Abreu.
Segundo Denize, Dilma havia interferido nas negociações em favor do corretor de luxo Roberto Teixeira, primeiro-compadre e especialista em ganhar muito dinheiro no céu com transações subterrâneas. Denize mentiu, cortou a ministra. O amigo do presidente jamais dera as caras na Casa Civil. Só em 26 de julho, depois de resistir por 20 dias à procissão de evidências, provas e testemunhos, admitiu que haviam ocorrido dois encontros fora da agenda.
“Mas não conversamos sobre a venda da Variglog”, ressalvou. Do que haviam tratado, então? Dilma safou-se da zona de sombra tirando da bolsa a frase da moda no Planalto: “Isso é a escandalização do nada”.
Em agosto de 2009, foi a vez de Lina Vieira, ex-secretária da Receita Federal, enxergar um escândalo onde Dilma Rousseff não viu nada. Demitida do cargo por acreditar que a lei valia também para a família Sarney, Lina contou que foi convidada para um encontro com Dilma na Casa Civil. A secretária-executiva Erenice Guerra transmitiu pessoalmente o convite a Iraneth Weller, chefe de gabinete da Secretaria da Receita Federal.
“Foi uma conversa muito rápida, não durou dez minutos”, resumiu Lina. “Falamos sobre algumas amenidades e, então, Dilma me perguntou se eu podia agilizar a fiscalização do filho de Sarney”. Dilma seguiu jurando que o encontro não existiu. Erenice jurou que o convite não foi feito. Iraneth disse o contrário. Ouvida no Senado, Lina deu todos os indícios de que tinha razão.
Contou que foi até a reunião no carro dirigido por um motorista do Ministério da Fazenda, seu nome foi anotado na garagem, subiu pelo elevador, passou por dois funcionários da Casa Civil quando caminhava rumo ao gabinete de Dilma. “Não sou fantasma”, alertou, lembrando que o circuito interno de imagens podia comprovar o encontro.
Não podia, descobriu-se depois. Em nota oficial, o Gabinete de Segurança Institucional explicou que, “conforme as especificações do edital assinado em 2004, o período médio de armazenamento das imagens varia em torno de 30 dias”, garantiu o texto. Ao obter uma cópia do edital, o site Contas Abertas comprovou a farsa. De acordo com o documento, ficou estabelecido que os registros de acesso de pessoas e veículos ao Palácio do Planalto seriam guardados “em um banco de dados específico, com capacidade de armazenamento por um período mínimo de seis meses” ─ e depois “transferidos definitivamente para uma unidade de backup”.
Dois meses depois, a ex-secretária localizou a agenda que apontava a data exata do encontro, 9 de outubro de 2008, com o seguinte comentário: “Dar retorno à ministra sobre família Sarney”. Dilma continuou rebatendo a declaração de Lina, e o encontro nunca foi provado. Em julho de 2010, um ex-funcionário do Planalto afirmou a Veja que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República escondeu imagens das câmaras de segurança que comprovariam a reunião.
A passagem de Dilma pela Casa Civil já havia produzido outros momentos abjetos. Em março de 2008, por exemplo, instruída para livrar o governo da enrascada em que se metera com a gastança dos cartões corporativos usados por ministros do governo Lula com fins nada republicanos, Dilma produziu um papelório que tentava reduzir Fernando Henrique e Ruth Cardoso a perdulários incuráveis, uma dupla decidida a desperdiçar o dinheiro da nação em vinhos caros e futilidades gastronômicas. O dossiê foi produzido a mando de Erenice Guerra, secretária-executiva da Casa Civil e braço direito da então ministra. Diante da repercussão negativa do episódio até entre os maiores inimigos de FHC, Dilma, que sempre preferiu se referir ao material como “banco de dados”, ligou pessoalmente para pedir desculpas a Ruth Cardoso.
Em setembro de 2010, Erenice Guerra voltou às manchetes político-policiais depois que outra reportagem de Veja revelou uma rede de negociatas funcionando dentro da Casa Civil, sob a tutela de seu filho, Israel Guerra, e outros sócios. Segundo a denúncia, o bando usava a influência de Erenice, que havia assumido a pasta em abril daquele ano, para favorecer empresários em troca de uma “taxa de sucesso”. O que não ia para o bolso dos lobistas de araque, seguia para os cofres do PT. A ministra também aproveitou o cargo para favorecer os negócios do marido e de irmãos. Diante do escândalo, a melhor amiga de Dilma Rousseff foi despejada do emprego cinco meses depois de empossada.
Sem saber atirar, Dilma Rousseff virou modelo de guerrilheira. Sem passar pela Assembleia Legislativa, virou secretária de Estado. Sem estagiar no Congresso, virou ministra. Sem ter inaugurado nada de relevante, virou supergerente e mãe do PAC. Sem saber juntar sujeito e predicado, virou estrela de palanque. Sem ter disputado sequer uma eleição de síndico, virou presidente da República.
Leia o primeiro (O histórico da guerrilheira tem mais codinomes que tiroteios), o segundo (Brizola confessou que nunca entendeu direito o que dizia aquela mineira que trocou o PDT por uma secretaria no governo do PT), e o terceiro capítulo da série (A secretaria do governo gaúcho que pouco entende de minas e energia virou ministra por que Lula entende menos ainda)
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