Estranho esse projeto coletivo, que se resume à vontade intransigente de um homem.
O Estado de S.Paulo
Batendo cabeça na campanha municipal
paulistana, os petistas, que gostam de se ver como os únicos
representantes legítimos do povo, deveriam levar em conta o dito
popular: pau que nasce torto, não tem jeito, morre torto. Todo mundo
sabe que a candidatura de Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo foi
imposta, de modo imperial, pelo chefão do partido, o ex-presidente Lula,
à aspirante natural à posição, Marta Suplicy. Esta jamais engoliu a
decisão autoritária e deu a prova definitiva disso ao "peitar" Lula, não
comparecendo ao ato de lançamento oficial do candidato e justificando
sua ausência com uma lacônica nota que eloquentemente omitiu o nome do
ungido. Foi publicamente repreendida pelo presidente do PT paulista,
Edinho Araújo, para quem ela erra ao não levar em conta que ela própria
"é também fruto de um projeto coletivo chamado Partido dos
Trabalhadores". "Projeto coletivo" como o da imposição da candidatura
Haddad? Diante dessa gritante contradição entre o que o PT prega e o que
faz, desentortar o pau será tarefa desafiadora até para os superpoderes
de que Lula se julga possuidor.
Qualquer previsão, feita a
quatro meses do pleito, é arriscado exercício de futurologia. Mas a
candidatura Haddad tem tudo para se revelar um retumbante fracasso, pelo
simples fato - admitido por lideranças municipais do partido - de que a
militância petista, habituada às "discussões de base", tem grande
dificuldade para aceitar o fato de que foi marginalizada no processo em
curso. Inclusive porque a intervenção autoritária de Lula foi feita em
prejuízo da forte liderança de Marta na periferia da cidade, onde o PT
tem seus redutos mais importantes. Diante do argumento de que, se
conseguiu persuadir o partido a aceitar Dilma, Lula também logrará
viabilizar Haddad, lideranças petistas inconformadas com a situação
ponderam que o ex-presidente teve o tempo a seu favor, três anos para
"trabalhar", diuturnamente, dentro e fora do partido, a imagem daquela
que viria a ser sua sucessora. Agora, corre-se contra o relógio.
Nessas
circunstâncias, Marta Suplicy, como é de esperar de seu temperamento
voluntarioso, dificilmente se disporá a prestar ao chefão a vassalagem
que Haddad não se constrangeu de praticar quando, criticando-a
veladamente pela ausência no evento partidário, afirmou que "quem não
compareceu" perdeu a oportunidade de "estar com a militância do PT e,
sobretudo, com o presidente Lula". Fica fácil de entender por que a
ex-prefeita preferiu não dar o ar de sua graça.
Da mesma forma
perdeu uma oportunidade para ficar calado Edinho Silva, que em
entrevista ao Estado (4/6), chamou Marta de "mulher inteligentíssima,
extremamente capaz"; garantiu que o PT nunca abrirá mão "da participação
(dela) por tudo o que ela representa"; classificou-a como "uma
liderança de primeira grandeza" e "a melhor prefeita da cidade de São
Paulo". Só não explicou por que, diante de tantas e tão exuberantes
qualificações, o PT preferiu optar pelo "novo", representado por uma
figura sem a menor expressão eleitoral e tradição de liderança
partidária, cuja passagem pelo Ministério da Educação foi pontilhada por
polêmicas e lambanças.
É possível que daqui a quatro meses a
cúpula petista tenha que se dedicar ao doloroso exercício de descobrir -
ou admitir - onde errou no pleito paulistano. Mas, para Edinho Silva,
no momento está claro que quem erra é Marta: "Poucas
vezes na minha vida dentro do PT vi uma liderança política cometer
erros tão graves do ponto de vista da formulação política".
E explorou o discurso do faça-o-que-digo-não-o-que-faço: "O PT representa um projeto coletivo.
(...) Esse projeto é construído desde as nossas lideranças de maior
grandeza até os militantes de base, que estão lá no diretório zonal
defendendo a bandeira do PT. Evidente que a Marta faz muita falta nesse
processo. (...)
Se ela entrar, a candidatura do Haddad ganha outra musculatura.
Mas
se ela infelizmente não entrar, por mais que fiquemos sentidos, vamos
buscar a superação disso na força do projeto coletivo".
Estranho esse projeto coletivo, que se resume à vontade intransigente de um homem.
06 de junho de 2012
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