No dia 13 de agosto de 2005, chegava
às bancas de jornal a revista Época com a entrevista de Valdemar Costa
Neto concedida aos repórteres Thomas Traumann e Gustavo Krieger. Como se
sabe, Valdemar Costa Neto foi um dos artífices da aliança PT-PL. Ele
dera os detalhes do acordo:
-
Tudo começou nas negociações para fechar o apoio a Lula em 2002, com
José Alencar, do PL, como vice. Tivemos muitas reuniões em Brasília, na
casa do José Dirceu. Sempre participavam o João Paulo Cunha, quase
sempre o Silvio Pereira, sempre o Delúbio Soares, além do José Alencar.
Valdemar Costa Neto contou que,
com a aprovação da verticalização das eleições, ou seja, com a
obrigatoriedade de as alianças regionais seguirem a coligação nacional, o
PL precisou de dinheiro:
- A questão é que o PL precisava
ter 5% dos votos para ter as verbas do fundo partidário. Com a
verticalização, as nossas chances de chegar a 5% eram pequenas, porque
só poderíamos coligar com o PT. Falei
para o Zé Dirceu: "Para isso, preciso de uma estrutura muito maior para
segurar meu pessoal". Ele falou: "Mas quanto?" Eu falei: "R$ 15
milhões, R$ 20 milhões".
O PT dizia não ter dinheiro. Valdemar Costa Neto envolveu Lula e Alencar:
- Já estávamos fazendo uma nota
conjunta dizendo que a coligação PT-PL não ia sair quando me liga o Zé
Alencar. Eu contei a ele que não conseguimos chegar a um número. "Não
vou prejudicar nosso pessoal todo em troca de uma aliança", falei. O Zé
Alencar disse para eu não assinar a nota conjunta. Daí 15 minutos, ele ligou e disse que o Lula viria no dia seguinte a Brasília resolver o assunto.
Ficou claro o envolvimento de
Lula. Valdemar Costa Neto dissera que não se chegara a "um número",
Alencar pediu um tempo e em 15 minutos telefonou e informou que Lula
viajaria a Brasília para resolver. A negociação:
- A reunião foi no apartamento do
deputado Paulo Rocha. Estavam lá o Lula, o José Alencar, o Dirceu e o
Delúbio. O Lula chegou para mim e disse:
"Quer dizer então que você é o nosso problema?"
"Não posso matar o nosso pessoal", respondi.
O Zé Dirceu não queria falar de dinheiro, queria negociar a participação no governo: "Valdemar, vamos governar juntos?"
Respondi: "Mas, desse jeito, não vai sobrar ninguém na Câmara para governar junto com vocês".
Depois
o Lula até falou para o Zé Alencar: "Vamos sair porque esta conversa é
entre partidos, não entre candidatos". Daí o Delúbio chegou perto de mim
e disse: "Vamos conversar".
- E vocês falaram de números...
- O Lula e o Alencar ficaram na sala e fomos para o quarto eu, o Delúbio e o Dirceu.
Eu comecei pedindo R$ 20 milhões, para levar uns R$ 15 milhões. Daí,
ficou aquela discussão. Uma hora, o Zé Alencar entrou e falou: "E aí, já
resolveram?" Eles achavam que iam arrecadar R$ 40 milhões.
Eu
falei: "Tira R$ 15 milhões para a gente. É justo". Eles ameaçaram ir
embora. O Lula mandou ligar para o Patrus Ananias e avisou que, se a
conversa não desse certo, ele seria o candidato a vice na chapa. Uma
hora, o Dirceu chegou a dizer "acabou". Eles batiam tanto o pé comigo
que eu pensei: "Ô povo firme. Esses vão me pagar rigorosamente em dia".
Daí
chamei o Zé Dirceu de volta para o quarto. O Zé Alencar veio junto.
Falei: "Vamos acertar os R$ 10 milhões". Voltamos para a sala e
avisamos: "Está fechado". Lembro ainda que o Zé Alencar falou "peça tudo por dentro".
- Lula sabia que a conversa no quarto era sobre dinheiro?
- Ele sabia. O presidente sabia o
que a gente estava negociando. Olha, ele e o Zé Dirceu construíram o PT
juntos. O Lula sabia o que o Dirceu estava fazendo. O Lula foi lá para bater o martelo. Tudo o que o Zé Dirceu fez foi para construir o partido.
- O vice-presidente José Alencar falava "tudo por dentro". E o presidente Lula dizia o quê?
- Nunca falou. Quando saí, ele me falou: "Então está liquidado o assunto". O Lula foi lá para autorizar a operação. E não vejo nada demais. O que ninguém esperava é que desse essa lambança.
Hora do pagamento. Delúbio Soares procurava Valdemar Costa Neto:
- Em fevereiro de 2003, ele falou
que ia me dar a primeira parcela. Falou para eu mandar meu pessoal até a
SMPB, em Belo Horizonte, para pegar o dinheiro. Perguntei quanto era.
Ele disse: "Eu não sei. Vai lá". Mandei o Jacinto Lamas. Chegou lá, o
Jacinto me liga: "Não é dinheiro, me deram um envelope". Eu falei: "Nem
abre". E liguei para o Delúbio. Falei: "Delúbio, é um envelope". Ele
falou: "Não tem problema, pode trazer". Mandei o Jacinto levar o
envelope fechado para São Paulo, até o flat onde eu morava. Quando abri o
envelope, eram cheques. O total era de R$ 800 mil. Todos cheques da SMPB, para uma empresa chamada Guaranhuns.
Eu liguei de novo para o Delúbio. Ele falou: "Fica tranquilo, que eu
vou mandar buscar o cheque aí". Passa uma hora, vem um segurança, desse
pessoal que mexe com dinheiro, e falou assim: "Vim resgatar". E me
deixou o dinheiro. Dinheiro vivo, cash. Estava numa daquelas malinhas
com rodinhas, de levar no aeroporto. Chamei alguns fornecedores de
campanha e eles pegaram todo o dinheiro.
- Esse procedimento, de pegar cheques na SMPB e trocar por dinheiro em São Paulo, se repetiu?
- Duas ou três vezes. O sujeito chegava, colocava o dinheiro na mesa e pedia que eu conferisse. Separava direitinho nos pacotes.
Valdemar Costa Neto garantiu que o
dinheiro não seguia para deputados do PL, apenas para fornecedores de
campanha. Nas viagens a Belo Horizonte, segundo ele, o tesoureiro
Jacinto Lamas foi buscar um total de R$ 3,2 milhões. O presidente do PL
disse que ficava preocupado com a logística de mandar pegar cheques na
capital mineira, mas o esquema não incomodava Delúbio.
-
Quando você está no governo, você é o dono do mundo. Você não tem
preocupação com nada. Eu disse para ele: "Você está me mandando em
cheque e eu quero em dinheiro. Para com isso. Me tira desse negócio lá
de Minas Gerais, que está ficando ruim para mim". Aí, eles inventaram
aquele negócio do Banco Rural. Mas foi só em setembro. De abril a setembro de 2003, não recebi nada.
- O dinheiro era sempre entregue na SMPB ou no Banco Rural?
- Não, teve dinheiro que eles
entregaram para mim. Entregaram para o Jacinto em Brasília... O Jacinto
chegou a receber em hotéis. Uma vez, em São Paulo, mandaram ele pegar o
dinheiro num restaurante. Era sempre o Delúbio quem me avisava que o
dinheiro estava liberado.
Os repórteres de Época perguntaram
quando os pagamentos passaram a ser feitos diretamente no Banco Rural.
Valdemar Costa Neto respondeu:
- O Delúbio falou: "Vou mandar o
dinheiro para Brasília. Pega no Banco Rural". Isso me atrapalhava,
porque os credores do PL estão em São Paulo. O Jacinto Lamas deixava o
dinheiro comigo, e os credores iam receber lá em casa. Primeiro no hotel
Academia de Tênis, onde eu morava. Depois na minha casa, em Brasília.
Valdemar Costa Neto levou uma
"geladeira de um ano" do ministro José Dirceu, por divergências na
Reforma da Previdência. Nesse período, de acordo com ele, "José Dirceu
escolheu operar com o Roberto Jefferson. O Jefferson era o cara que
estava sempre com eles, que andava com o Lula. Eles entraram nesta
porque quiseram. Jefferson é um sujeito conhecido na praça".
- Conhecido como?
- Conhecido. Como um cara
mal-intencionado, perigoso. Para indicar diretor de estatal... Ele diz
que indicava diretores de estatais para arrecadar dinheiro para o PTB.
Em dois anos de governo Lula, o PTB arrecadou oficialmente R$ 200 mil.
Ele diz que arrecadava R$ 400 mil por mês em uma estatal. Onde ele punha
esse dinheiro? Ia para o bolso dele. Eles acabaram como tinham de
acabar. Em Brasília, você é obrigado a conviver com pessoas que não
gosta. Mas não precisa colocar dentro de sua casa. Eles escolheram
conviver com um cidadão assim. Eles indicavam aos deputados para ir para
o PTB. Tem de perguntar para eles por que esta preferência.
Época indagou quanto Valdemar Costa Neto recebeu do esquema Valério:
- Foram R$ 6,5 milhões. Não chegou
aos R$ 10,8 milhões que estão falando. Estão botando R$ 4 milhões a
mais na minha conta. Dinheiro que foi repassado para a Guaranhuns e um
outro cheque, que não é nosso.
- Delúbio Soares diz ter montado o
caixa 2 sozinho. É possível que o ex-ministro José Dirceu não soubesse
do que estava acontecendo?
-
O Zé Dirceu sempre comandou o PT. O Zé e o Lula. Eu cheguei a cobrar o
Zé diversas vezes no Planalto. Falei: "Zé, meu dinheiro está vindo
pingado, em conta-gotas". Falei que eu queria receber tudo de uma vez. O
Zé disse: "Calma que o Delúbio está providenciando o dinheiro para te
pagar. Ele vai arrumar o dinheiro e resolver tudo".
- Ele sabia o que o Delúbio estava fazendo?
-
É gente deles. Esse pessoal construiu o PT junto. Delúbio, Lula e José
Dirceu são a mesma família. Por que, agora, na desgraça, só um vai
pagar? Tenho certeza de que o Dirceu nunca fez nada que o presidente não
aprovasse.
Três dias depois de publicada a
confissão de Valdemar Costa Neto, o vice José Alencar concedeu
entrevista durante evento no Palácio do Planalto. Confirmou as
declarações de Valdemar:
-
Tudo aquilo que ele fala é verdade. Houve uma reunião e houve um
acordo. Esse acordo está registrado na imprensa no ano de 2002, um
acordo eminentemente político.
DO GENTE DECENTE
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