Três
convidados e três sem-ingresso dividem com Dilma Roussef a foto que
mostra o começo do primeiro discurso como presidente eleita. Por
solicitação da candidata vitoriosa, posam para a posteridade o vice
Michel Temer, o companheiro José Eduardo Dutra e o acompanhante José
Eduardo Cardozo. Os outros são penetras. Valeram-se de empurrões,
cotoveladas e pontapés para alojar-se no espaço sempre diminuto
reservado a essa maravilha da fauna política nativa: o papagaio de
pirata.
Infiltrada
entre Temer e Dilma, a prefeita Luizianne Lins capricha na expressão
severa de quem veio de Fortaleza para testemunhar a leitura dos Dez
Mandamentos pela voz de Moisés. Espremidas no fundo, há duas metades de
rosto. A face esquerda pertence a Magno Malta, senador reeleito pelo PR
capixaba. Pastor evangélico e pecador juramentado, ficou nacionalmente
conhecido no escândalo dos sanguessugas. O dono da face direita é o
enigma ainda por decifrar: se só é candidato a qualquer papel em
qualquer novela de qualquer emissora, o que é que faz no retrato o ator
José de Abreu?
Ele
mesmo procurou esclarecer o mistério com um texto publicado no blog do
Xexéo. O título é tão intrigante quanto a aparição em Brasília:Piratas, Papagaios, Torturas e Torturados.
E tão amalucado quanto o texto, que começa por registrar o desconforto
do articulista com a chuva de piadas que a foto inspirou. “A pior,
exatamente de um humorista, o Gregório Duvivier, lançou meu nome (ainda
bem que foi apenas o nome, não eu) para o Ministério da Figuração, logo
eu que vivo fazendo novela das oito”, resmunga.
Com
uma alusão cifrada a Dilma Rousseff, Abreu insinua em seguida que ficou
na ribalta a pedido da estrela: “A verdade é que, naquele momento,
quando tiraram os outros papagaios do palco e eu ia descer, uma mão
firme me segurou, um olhar carinhoso cruzou com o meu e me senti
estimulado a ficar. E fiquei”. O resto do palavrório celebra o
combatente triunfante:
Eu
estava entre amigos, lutadores, como eu, da boa luta. E vitoriosos numa
batalha onde golpes baixos eram lançados a toda hora, um aborto na
canela, uma homofobia nas partes pudendas, um bispo protetor de pedófilo
pisando no dedão… Terrorista, ladra, assassina, era o que se dizia
dela, minha companheira de luta contra a ditadura, que de branda nada
tinha. E tome machismo, preconceito, baixarias. Estava feliz e
emocionado, a lembrar dos censurados, dos torturados, dos assassinados
pelo terror de Estado.
E pensei:
— Melhor ser papagaio de pirata que pirata sem papagaio.”
Foi
a segunda atuação de José de Abreu como coadjuvante de comédias
políticas de péssimo gosto. Se desta vez só havia mocinhos em cena,
eram vilões assumidos todos os participantes do espetáculo de estreia,
encenado no Rio em agosto de 2006, na casa do ministro Gilberto Gil.
Sentado na primeira fila de cadeiras da sala de visitas, o presidente
Lula, convidado de honra, ouviu o resumo da ópera feito pelo produtor de
cinema Luiz Carlos Barreto. “A política é um terreno pantanoso, a ética
é de conveniência”, disse Barretão. “Se o fim é nobre, os fins
justificam os meios. O que eu acho inaceitável é roubar. Mentir é do
jogo político. Não é roubo”.
Em
campanha pelo segundo mandato, Lula sentiu-se entre companheiros.
Sentiu-se entre cúmplices com a fala inicial do ator Paulo Betti: “Não
vamos ser hipócritas: política se faz com mãos sujas”, recitou o
ex-galã. “Não estou preocupado com a ética do PT”, solfejou o músico
Wagner Tiso. “Acho que o PT fez um jogo que tem que fazer para governar o
país”. O epílogo do espetáculo do cinismo ficou por conta do
coadjuvante que, agora como papagaio de pirata, acusa as vítimas de
práticas celebradas em 2006 na casa de Gilberto Gil. Foi ele o escalado
para proclamar a inocência de José Dirceu, José Mentor e José Genoino, e
a estender o braço solidário dos presentes aos três companheiros.
Todos
Josés, como o ator. O Dirceu foi denunciado pela Procuradoria Geral da
República e será julgado pelo Supremo Tribunal Federal por chefiar a
quadrilha do mensalão. O Mentor ampliou notavelmente o prontuário como
relator da CPI do Banestado e comparsa de Marcos Valério. O Genoino, uma
das estrelas do mais superlativo escândalo da história da República,
evadiu-se da presidência do PT depois que o assessor do irmão foi
capturado com dólares na cueca. Abreu, o quarto José, mereceria a
condenação ao ostracismo pelos brasileiros decentes se já não tivesse
sido desde sempre condenado à obscuridade.
Os
integrantes da tribo de José de Abreu são dependentess de patrocínios
extorquidos de empresas estatais e favores concedidos pelo governo.
Artistas e intelectuais estatizados se preocupam demais com as
incertezas do futuro. É por isso que tantos envelhecem mal. Ou nem
envelhecem: frequentemente passam, sem escalas, de moços a velhacos.
AUGUSTO NUNES
REV VEJA
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