Após ser apontada como líder de um esquema de corrupção que desviou
milhões de reais dos cofres da União e veio a público em agosto de 2010 -
na Operação Mão Dupla, feita pela Controladoria-Geral da União (CGU)
com a Polícia Federal (PF) - a construtora Delta continuou assinando
contratos de alto valor com órgãos federais. Desde que o governo tomou
conhecimento das graves irregularidades cometidas pela empreiteira em
obras de rodovias no Ceará, foram assinados 31 novos contratos com o
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), no valor
total de R$ 758 milhões.
A Operação Mão Dupla identificou fraudes em licitações,
superfaturamento, desvio de verbas, pagamentos de propina, pagamentos
indevidos e uso de material de qualidade inferior ao contratado em obras
de infraestrutura rodoviária sob o comando do Dnit feitas pela Delta e
outras 11 empreiteiras. A investigação resultou na prisão do então
superintendente do Dnit no Ceará, Joaquim Guedes Martins Neto, que,
segundo a CGU, tinha, em 2008, “rendimento incompatível com a renda
auferida pelo agente público”, e do diretor da Delta Aluízio Alves de
Souza.
Na época, a CGU informou que detectara “um prejuízo estimado em R$ 5
milhões aos cofres públicos da União, afora o risco social decorrente da
execução de obras de infraestrutura rodoviária fora das devidas
especificações técnicas”. No sábado, o ministro da CGU, Jorge Hage,
reconheceu que as irregularidades apontadas pela Mão Dupla são graves.
Mas isso não impediu que o Dnit celebrasse novos contratos com a Delta,
sendo três deles (no valor total de R$ 9,6 milhões) no Ceará, onde foram
detectadas as irregularidades em 2010. Trata-se da conservação e da
recuperação de trechos das BRs 116, 437 e 230.
Os contratos firmados desde agosto de 2010 são para construção,
duplicação, adequação ou manutenção de 19 rodovias em 17 estados. Além
disso, em setembro de 2010, através de consórcio com outras duas
empresas, a Delta conseguiu fechar com a estatal Valec um contrato de R$
574,5 milhões para tocar as obras do lote um da Ferrovia Oeste-Leste,
na Bahia. O Dnit e a Valec são ligados ao Ministério dos Transportes.
A empreiteira ganhou destaque recentemente no noticiário por suas
ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, preso pela PF em fevereiro
na Operação Monte Carlo. Hoje, a CGU promete abrir processo
administrativo contra a Delta. O resultado dessa investigação poderá
tornar a empresa inidônea, o que implica a proibição para firmar novos
contratos com o governo federal. Além do Ceará, foram assinados
contratos entre o Dnit e a Delta para obras em Alagoas, Amazonas,
Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará,
Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte,
Rondônia, Sergipe e Tocantins. Dos 31 contratos, apenas um, de R$ 115
milhões, em Goiás, foi paralisado. Desse valor, o Dnit já pagou R$ 8,8
milhões à Delta.
Vinte e cinco contratos, no valor de R$ 611,7 milhões, constam como
ativos. Outros três foram cadastrados no início de 2012 e totalizam R$
13,6 milhões, mas as obras ainda não começaram. Dois contratos, no valor
de R$ 17,8 milhões, já foram concluídos. Desse montante, R$ 15,6
milhões foram pagos à construtora, segundo o próprio Dnit. Em agosto de
2010, na Operação Mão Dupla, a PF cumpriu 52 mandados de busca e
apreensão, 23 de prisão temporária e um de prisão preventiva. Houve
ainda o afastamento cautelar de oito servidores públicos e sequestro de
bens em Fortaleza e no interior do Ceará. A CGU analisou oito contratos e
detectou irregularidades em sete, referentes a quatro obras, dentre as
quais duas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Uma delas é a duplicação de uma ponte na BR-304, sobre o Rio Jaguaribe,
no município de Aracati, orçada em R$ 30 milhões. A obra foi iniciada
pela Delta em 2002 e, por sete anos, as fundações permaneceram de molho
nas águas do rio, enquanto a travessia era feita pela ponte velha. A
Delta, que desistiu de construir a ponte, alegou “elevação dos custos
que dificultaram a realização do projeto inicial previsto no edital”.
Segundo Hage, o processo admistrativo disciplinar contra o então
superintendente regional do Dnit no Ceará e outros seis servidores pode
resultar em demissão. Na última sexta-feira, o Ministério Público
Federal propôs ação penal contra os servidores do Dnit no Ceará e contra
a Delta por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, corrupção
passiva e ativa com base nos resultados da Operação Mão Dupla. Procurado
para manifestar-se sobre a assinatura dos contratos, o Dnit informou,
por meio da assessoria, que vai esperar a decisão da Justiça e da CGU
para tomar medidas em relação à Delta. “A empresa não é considerada
inidônea ainda”, destacou a assessoria.
O grande número de contratos com órgãos públicos obtidos pela Delta se
refletem em seu faturamento. Dados da Câmara Brasileira da Indústria da
Construção (CBIC) mostram que até 100% dos ganhos da construtora vêm de
contratos com o setor público. Entre as seis maiores empreiteiras do
Brasil, a Delta é a única que se dedica quase exclusivamente à
construção de pontes, viadutos, estradas, túneis, aeroportos e projetos
de saneamento. A construtora teria realizado obras para a iniciativa
privada nos anos de 2007, 2008 e 2011, mas manteve um percentual acima
de 97% de projetos destinados a prefeituras, estados e União. Os maiores
percentuais de crescimento da Delta ocorreram em 2006/2007 (67%) e em
2009/2010 (51%).
*Por André de Souza, no O Globo
DO MARIO FORTES
Nenhum comentário:
Postar um comentário