PAZ AMOR E VIDA NA TERRA
" De tanto ver triunfar as nulidades,
De tanto ver crescer as injustiças,
De tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus, o homem chega
a desanimar-se da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto".
[Ruy Barbosa]
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017
50 milhões em propinas para a campanha de Dilma
Até agora se sabia que o príncipe-herdeiro da maior
empreiteira do Brasil, o empresário Marcelo Odebrecht, cuidava
diretamente das principais negociações da Odebrecht com políticos em
geral – em especial os mais altos hierarcas da era petista no poder. Um
capítulo específico da delação premiada de Marcelo, ao qual ISTOÉ teve
acesso, mostra que a atuação dele tinha ainda mais capilaridade: o
empreiteiro também negociava e autorizava repasses em nome da
petroquímica Braskem, braço da Odebrecht em sociedade com a Petrobras.
Em sua delação, Marcelo conta como participou pessoalmente da negociação
de um pagamento de um caminhão de dinheiro à campanha presidencial de
Dilma Rousseff em 2010: um total de R$ 50 milhões em propinas da Braskem
em troca de benefícios fiscais para a petroquímica. DA REVISTA ISTOÉ
MAIS UMA PROVA Testemunho de Marcelo Odebrecht reforça a existência de irregularidades na campanha de Dilma Rousseff
O depoimento de Marcelo Odebrecht impressiona pela fartura de
detalhes. Segundo seu relato, o financiamento “por fora” da campanha de
Dilma naquele ano foi arquitetada em parceria com o então ministro da
Fazenda Guido Mantega. Inicialmente, Marcelo tinha acionado seu
subordinado, o executivo Alexandrino de Alencar, dono de trânsito livre
junto ao governo do ex-presidente Lula, para proceder uma primeira
abordagem. A relação de Alexandrino com o petismo era melíflua, como
indicam centenas de trocas de emails em poder da Lava Jato. Mas, como a
operação envolvia muito dinheiro e a verba era destinada à campanha da
sucessora do cliente número um da empreiteira, amigo de seu pai Emílio
Odebrecht, o próprio Marcelo assumiu a condução das tratativas com
Mantega, conforme contou ele na delação. Nos encontros, o empreiteiro
acertou com o ex-ministro as minúcias da concessão de incentivos fiscais
à Braskem. Foi numa dessas ocasiões que Mantega foi taxativo: precisava
de R$ 50 milhões para a campanha de Dilma.
Dinheiro foi repassado ao caixa paralelo da petista em troca de benefícios fiscais para a Braskem
Como os valores sairiam do caixa dois da Braskem no setor de
operações estruturadas, nome pomposo para o departamento de propinas da
Odebrecht, Marcelo teve que discutir o tema com a cúpula da
petroquímica. O cálculo foi orientado por uma lógica pragmática:
avaliou-se que o prejuízo seria maior caso o governo endurecesse as
cobranças de impostos. Foi dado então o sinal verde para que os cerca de
R$ 50 milhões fossem repassados à campanha de Dilma via caixa dois, em
troca dos benefícios fiscais. Ao fazer um périplo no último mês por
países da Europa, como Espanha e Itália, a ex-presidente Dilma Rousseff,
comportando-se como se ainda fosse a mandatária do País, bradou contra o
que classificou de assalto à democracia no Brasil. O que cada vez mais
as evidências e os testemunhos mostram, no entanto, é que assalto, se
houve, foi outro. Procurado por ISTOÉ, o advogado de Mantega, José
Roberto Batochio, afirmou que o ministro “nega peremptoriamente os fatos
relatados” e sustentou que os delatores mentem para obter benefícios na
Justiça. NOVOS PERSONAGENS
A ingerência de Marcelo sobre os repasses de propina da Braskem não era
por acaso. O empreiteiro chegou a ocupar a presidência do conselho de
administração da petroquímica. Outros executivos da Odebrecht, já
criminosos confessos, também eram conselheiros da empresa, como o
diretor de Relações Institucionais Cláudio Melo Filho, que admitiu ter
negociado propinas com deputados federais e senadores. As delações jogam
luz também sobre novos personagens na estrutura do propinoduto. De
acordo com os relatos colhidos pela Lava Jato, quando as negociações de
liberação de dinheiro para campanhas envolviam a Braskem, o aval de
Marcelo Odebrecht não bastava. O presidente da petroquímica também tinha
que avalizar as transferências. Um dos executivos integrantes do rol de
delatores, Carlos Fadigas, que comandou a empresa entre 2010 e 2016,
reconheceu sua participação nos pagamentos. Fadigas ponderou, no
entanto, que as operações de mais relevo ficavam concentradas em Marcelo
Odebrecht, quando envolvia o governo federal, e Cláudio Melo Filho,
quando as tratativas incluíam o Legislativo. Acertada a propina, Fadigas
era consultado para bater o martelo.
Depois de acertar com Mantega, Marcelo Odebrecht recebeu o sinal verde da cúpula da Braskem
E-MAILS REVELADORES Troca de mensagens com Marcelo Odebrecht deixa clara a participação de Guido Mantega e Romero Jucá
Os delatores ainda mencionam a participação do antecessor de Fadigas,
Bernardo Gradin, na autorização de pagamentos do setor de operações
estruturadas a campanhas, o que também incluiria o repasse via caixa
dois para a campanha da petista Dilma Rousseff. Gradin é um dos
protagonistas de uma bilionária briga societária com a família Odebrecht
que até hoje se arrasta pela Justiça. Recentemente, a família de
Marcelo quis comprar a fatia dos Gradin no grupo, mas não houve acordo e
o tempo fechou. Em meio ao clima de tensão, Gradin ficou de fora da
lista de 77 delatores da Odebrecht. A situação do ex-presidente da
petroquímica pode gerar um caso inusitado dentro da megadelação: um
ex-funcionário que não fez acordo e que corre risco de ser severamente
punido pela Justiça. Em um dos casos relatados, a Braskem teria acertado
o pagamento de propina para o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto
Costa, para obter preços mais baratos na compra de nafta junto à
Petrobras. Segundo os delatores, Bernardo Gradin pediu que o executivo
Alexandrino de Alencar intercedesse junto à Petrobras em favor do preço
do nafta. Registros da Petrobras apontam que Gradin participou de uma
reunião na estatal com Paulo Roberto Costa e Marcelo Odebrecht para
discutir o assunto. Por meio de sua assessoria, Bernardo Gradin negou
participação em pagamentos de propina e afirmou que “essa suposta
alegação não tem o menor fundamento”.
FIM DO MISTÉRIO Jucá e Eunício negam ter recebido propina e pedem a abertura do sigilo das delaçõesPROPINA A EUNÍCIO
As informações relacionadas à Braskem na delação da Odebrecht também
prometem detonar altas patentes do Legislativo. O ex-presidente Carlos
Fadigas confirmou em sua delação que autorizou pagamentos de propina ao
presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), para que ele deixasse
de criar empecilhos para a aprovação de uma medida provisória de
interesse da petroquímica. Fadigas contou que pediu a ajuda de Cláudio
Melo Filho, o então diretor de relações institucionais da Odebrecht, e
que foi avisado da necessidade de pagamentos a Eunício para que a MP
613/2013 fosse aprovada. O caso veio a público na delação de Cláudio
Melo, no fim do ano passado. Eunício era conhecido nas planilhas pelo
codinome “Índio” e teria recebido cerca de R$ 2 milhões. Em nota, a
assessoria de Eunício afirmou que “desconhece a citação e não comenta
supostos vazamentos de trechos parciais de delações premiadas.O senador
não fez parte da Comissão que avaliou a MP 613 e não apresentou emendas
nem aditivas nem supressivas à MP 613/2013”.
O próprio Marcelo Odebrecht também participou ativamente das
negociações de propina relacionadas às medidas provisórias de interesse
da Braskem. Em novembro de 2011, o príncipe-herdeiro acionou novamente
Mantega, pedindo sua ajuda na aprovação de um projeto no Congresso que
barateava produtos brasileiros. Mantega teria garantido que o senador
Romero Jucá (PMDB-RR) cuidaria da demanda. Em seguida, o próprio Carlos
Fadigas teria ido ao Congresso em companhia de Cláudio Melo Filho para
discutir o assunto com os senadores e, posteriormente, autorizou
pagamentos a Jucá, que nega peremptoriamente ter recebido propina. Em um
email em poder dos investigadores da Lava Jato, de 30 de novembro de
2011, endereçado a Fadigas e a Melo Filho, Marcelo Odebrecht diz: “Falei
com GM (Guido Mantega). Está totalmente engajado em resolver até o
final do ano. Disse que já falou com Jucá”. Em email anterior, Odebrecht
afirma: “Veja com Jucá se GM está mesmo firma conforme me disse. Ele me
disse que orientou RJ a botar para votar esse ano”.
Os mais de 900 depoimentos dos executivos da Odebrecht já estão nas
mãos do procurador-geral da República Rodrigo Janot e de seu grupo de
trabalho na Lava Jato. Com a homologação da delação pelo Supremo
Tribunal Federal, Janot analisa os depoimentos para solicitar um pacote
de abertura de inquéritos contra os políticos e demais personagens
citados pelos 77 executivos. Após os pedidos, a Procuradoria-Geral da
República deve solicitar o levantamento do sigilo de uma parte do
material. Internamente, os procuradores tentam correr para finalizar
essa etapa do trabalho até o fim deste mês. Em seguida, serão
deflagradas efetivamente as investigações em cima das delações
explosivas da Odebrecht, a chamada delação do fim do mundo. Resta saber
se irá sobrar pedra sobre pedra no meio político.
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