O ministro Marco Aurélio Mello matou não apenas dois, mas
três coelhos com uma cajadada – ou canetada – só. Ao conceder liminar a
uma petição da Rede Sustentabilidade, Mello tirou Renan Calheiros da
presidência do Senado faltando, na prática, 15 dias para o fim de sua
gestão; passou uma rasteira no ministro Dias Toffoli, que empurrara para
o ano que vem uma decisão sobre Renan; de quebra, ofuscou uma das
maiores tacadas do governo Michel Temer: o anúncio da reforma da
Previdência.
A alegação da Rede, acatada por Marco Aurélio, tem a
lógica de uma equação matemática: se a legislação proíbe réus de ocupar
cargos na linha sucessória do presidente da República, e Renan é
presidente do Senado e virou réu, logo... ele não poderia mais manter a
presidência. Mas ele só vai (ou iria) ocupar a função de fato até o fim
do mês, quando começa o recesso parlamentar até fevereiro, quando será
eleito seu sucessor.
Deve ter sido por isso, e para evitar maior turbulência
política, que Dias Toffoli decidiu pedir vistas no primeiro julgamento
que tiraria Renan, apesar de a maioria dos ministros já ter decidido
pelo afastamento. Com o pedido de vistas, o novo julgamento ficou para o
dia 21, quando o Judiciário entra em recesso e não julga mais nada até
fevereiro. Com seu ato, portanto, Toffoli tinha garantido a Renan ficar
na presidência até o último dia. Mas a Rede entrou com uma petição
adicional e Marco Aurélio acatou rapidinho.
O terceiro “coelho” foi Temer, que reuniu o ministro da
Fazenda e a cúpula do Legislativo (ausente Renan...) para anunciar uma
proposta para a Previdência que vai enfrentar muita resistência nas
centrais sindicais, por exemplo, mas tende a acalmar a ansiedade de
analistas e investidores. Era para ser manchete, mas a queda de Renan
tornou-se uma forte concorrente.
De
quebra, a troca de comando no Senado pode afetar os planos de Temer:
sai Renan, entra Jorge Viana. Renan não é propriamente um aliado
incondicional, mas é do mesmo PMDB. Viana é um senador responsável e tem
visão republicana, mas é do PT. Se você fosse Temer, qual deles
preferiria na hora de votar o segundo turno da PEC do Teto de Gastos e
no início da tramitação de uma reforma para elevar a idade mínima de
aposentadoria para 65 anos?
O fato é que a liminar sobre Renan Calheiros corrobora o
que centenas de milhares de pessoas, em verde e amarelo, reivindicaram
nas manifestações de domingo em 25 Estados e no DF. Com o ex-presidente
da Câmara Eduardo Cunha afastado pelo Supremo, cassado pelos deputados e
preso pela Justiça, Renan virou a bola da vez nas ruas lotadas contra a
corrupção, o Congresso, a implosão do pacote anticorrupção na Câmara e a
tentativa frustrada do Senado de votar urgência para aprovar os cacos
do pacote.
Também soando como resposta às manifestações, a Lava
Jato amanheceu ontem mirando o ex-presidente da Câmara Marco Maia (PT) e
o ex-senador do PMDB Vital do Rêgo, atual ministro do TCU, deixando um
saldo assustador de presidentes da Câmara e do Senado. Na Câmara, Ibsen
Pinheiro foi cassado, Severino Cavalcanti renunciou, João Paulo Cunha
foi preso pelo mensalão, Eduardo Cunha está preso por múltiplas
acusações, Henrique Eduardo Alves saiu de fininho do governo Temer e
agora Marco Maia é obrigado a dar (muitas) explicações.
No Senado, Antonio Carlos Magalhães, Jader Barbalho e
Renan Calheiros (na primeira gestão) foram obrigados a renunciar, José
Sarney escapou por pouco e Renan, de volta à presidência, é réu e
enfrenta outros 11 processos. Tal como Eduardo Cunha, ele disparou na
política nacional a bordo do bólido Fernando Collor. Será que a Justiça
tarda, mas começa a não falhar? DO ESTADÃO
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