“Acho que o juiz não deve temer as críticas, porque vota ou julga com a sua consciência e de acordo com as leis”, recitou nesta tarde o ministro Ricardo Lewandowski, com o sorriso amarelo de quem anda ouvindo o que merecem ouvir ministros que, conscientemente, votam ou julgam a favor de um bando fora-da-lei. “Não se pode se pautar o voto pela opinião pública nem a opinião publicada”, continuou. Nem se pode pautar o voto pela gratidão devida à madrinha que convenceu o marido a presentear com a toga um jurista medíocre, como antecipou em 22 de dezembro de 2011 o post republicado na seção Vale Reprise.
“Eu esperava as críticas e as incompreensões”, jurou com a expressão aparvalhada de quem acabou de descobrir que a nação não é formada exclusivamente por patetas e espertalhões. E encerrou a lengalenga com a celebração do farisaísmo (e dois pontapés na gramática): “Tenho certeza que o Brasil quer um Judiciário independente, com o juiz que não tenha medo de pressão de qualquer espécie”. Se reconhece que é exatamente isso o que exige o país que presta, o que ainda espera para devolver ao Supremo Tribunal Federal a toga que ganhou de presente?
Um juiz independente e imune a pressões não se atreveria a absolver o mensaleiro João Paulo Cunha e, para justificar a decisão afrontosa, fazer de conta que Marcos Valério só não corrompeu parlamentares. O vigarista mineiro que alugou o diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato não ousaria propor negociatas a deputados e senadores. Haja cinismo, berra a montanha de provas e evidências.
Haja cinismo, berram os fatos. João Paulo Cunha conheceu Marcos Valério na temporada eleitoral de 2002. Uma das agências do empresário mineiro havia sido contratada para cuidar da campanha do PT em Osasco, onde João Paulo nasceu, em 1958. O forasteiro virtualmente acampou no principal reduto do deputado em busca da reeleição. Ficaram íntimos. Vitorioso, João Paulo transformou Marcos Valério no marqueteiro de estimação.
O governo Lula e a bancada petista entenderam que o companheiro de Osasco deveria ser o presidente da Câmara. João Paulo convocou o amigo mineiro para ajudá-lo numa campanha que não haveria.
Candidato único, o deputado paulista não tinha adversários a enfrentar. Pagou um bom dinheiro pelos serviços não prestados por Marcos Valério. Foi a primeira de muitas demonstrações de apreço. Todas suspeitas. Todas retribuídas pelo lobista disfarçado de publicitário. João Paulo venceu uma luta sem adversários. Em seguida, uma empresa de Marcos Valério venceria sem concorrentes a licitação simulada para escolher a agência publicitária encarregada de “melhorar a imagem da Câmara”. O contrato foi renovado por mais dois anos no último dia útil de 2004.
Atendendo a uma encomenda paralela, a agência de Valério passou a avaliar periodicamente a popularidade em território paulista do deputado que sonhava com o governo estadual. As pesquisas foram pagas com verbas da Câmara. Em junho de 2005, quando explodiu o escândalo do mensalão, enfim ficou claro por que João Paulo reagira com tamanha ferocidade à primeira notícia sobre a existência do Pântano do Planalto, divulgada em setembro do ano anterior pelo Jornal do Brasil.
Ele conhecia bem o lugar. Enquanto foi o número 2 na linha de sucessão presidencial, ali pescara propinas de bom tamanho. Também ficou claro por que lutara com tanta tenacidade pelo direito de continuar no comando da Câmara: talvez conseguisse impedir o nascimento da CPI que acabou identificando os mensaleiros e revelando parcialmente o acervo imenso de maracutaias. Uma delas permitiu a João Paulo expropriar R$ 50 mil da conta da SMP&B, empresa de Marcos Valério, numa agência do Banco Rural em Brasília.
Se o dinheiro tivesse sido retirado pela mulher do deputado, já estaria configurado o caso de polícia. Mas a coisa foi um pouco pior. Para esconder da Coaf o nome de Márcia Regina Cunha, o saque foi feito pela própria SMP&B. A primeira-dama da Câmara apenas assinou um documento interno do Banco Rural que registrava o repasse dos R$ 50 mil que Lewandowski acaba de varrer para baixo do tapete das “despesas de campanha”.
São esses os fatos. O resto é conversa fiada, desculpa de culpado ou tapeação de comparsa.
POR AUGUSTO NUNES
REV VEJA
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