sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Lewandowski dá crédito a Delúbio, reduz papel de Valério e desconhece vaivém de João Paulo



JosiasSouzaPara absolver o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) de todos os crimes que lhe foram imputados, o ministro Ricardo Lewandowski construiu um voto duro de roer. Na peça, Delúbio Soares vira uma testemunha crível e Marcos Valério converte-se em coadjuvante. De resto, some do enredo o ziguezague retórico traçado pelo absolvido na trilha que o levou às arcas clandestinas do mensalão.
Descontados os floreios e os data venias, Lewandowski sustentou, em essência, que os R$ 50 mil que desceram ao bolso de João Paulo nada tiveram a ver com o contrato de R$ 10 milhões que a SMP&B de Valério beliscou na Câmara sob a presidência companheira do réu petista. O ministro aceitou como verdadeira a tese segundo a qual o dinheiro sacado no guichê do Banco Rural custeou pesquisa pré-eleitoral feita em Osasco, a cidade do réu.
A verba veio do PT, concluiu Lewandowski. Entre as "evidências" de que a defesa de João Paulo diz a verdade, o revisor pinçou dos autos um depoimento prestado por Delúbio Soares em juízo. Deu crédito ao trecho em que o gestor da tesouraria "não contabilizada" do petismo declarou que os R$ 50 mil apropriados pelo deputado destinaram-se, de fato, ao financiamento de uma pesquisa.
No mundo dos brasileiros comuns, as transferências bancárias costumam ser feitas por meio de DOCs e TEDs. No caso de João Paulo, o numerário fez escala nas nebulosas contas de Valério. Para Lewandowski, tudo normal: "...Não restam dúvidas, a meu ver, de que o repasse dos R$ 50 mil foi providenciado por Delúbio Soares e pago com intermediação de Marcos Valério com a intenção de custear pesquisa de opinião realizada em quatro regiões de Osasco."
De falcão do esquema que repassou milhões a partidos e deputados governistas, Valério ganhou no voto do revisor o inusitado papel de pombo-correio de Delúbio. No caso de João Paulo, um mero repassador de verbas do PT. Afastado o crime de corrupção passiva, Lewandowski foi à lavagem de dinheiro ("branqueamento de capitais", como ele prefere definir).
Nesse ponto, o ministro tratou João Paulo como um cego atoleimado. Deu de barato que o réu desconhecia o que se passava à sua volta. Estava tão alheio a tudo que a Procuradoria absteve-se de denunciá-lo como integrante da quadrilha. Evidência de que desconhecia a eventual origem ilícita do dinheiro que lhe molhou as mãos.
Na visão de Lewandowski, João Paulo frequentava a cena tóxica do mensalão com tal grau de inocência que mandou a própria mulher para apanhar os R$ 50 mil na agência brasiliense do Banco Rural. Ora, concluiu o revisor, se desejasse ocultar o saque, o inocente deputado não teria metido a companheira na encrenca. Nesse ponto, o ministro passou uma borracha no vaivém de versões que caracteriza o episódio.
Logo que foi pilhado no meio do escândalo, João Paulo desconversou. Quando o nome da mulher foi pendurado nas manchetes, disse que ela comparecera à agência bancária para pagar uma conta de tevê a cabo. Descoberto o saque de R$ 50 mil, saiu-se com o lero-lero da pesquisa. No voto de Lewandowski toda a anormalidade tornou-se normal.
Liquidadas as acusações de corrupção e de lavagem, restava o peculato. Nesse trecho, o Lewandowski da quinta tomou distância do Lewandowski da quarta. Num dia, condenou Henrique Pizzolato, o ex-diretor petista do Banco do Brasil, negando-lhe crédito a duas teses: 1) os R$ 326 mil recebidos pelo réu destinavam-se ao PT; 2) o contrato celebrado com a DNA de Valério submetera-se ao crivo de um conselho do banco e aos rigores da burocracia administrativa responsável pela ordenação das despesas.
Noutro dia, além de tratar Delúbio como depoente crível, o ministro digeriu a alegação de que um contrato firmado pela SMP&B do mesmo Valério com a Câmara passou ao largo da presidência de João Paulo. Mais afortunado do que Pizzolato, o deputado nada teve a ver com a licitação, limpamente conduzida por uma comissão licitatória. Nesse caso, as ordens de serviço e os desembolsos fluíram pelos canais administrativos. Na hierarquia da Câmara, concluiu o ministro, ordenar despesas e efetuar pagamentos não são atribuições do presidente.
Em acusação acatada pelo relator Joaquim Barbosa, a Procuradoria apontara uma anomalia no contrato: 99,9% dos serviços decorrentes da contratação da SMP&B foram terceirizados a outras empresas. Uma parte não se relacionava a trabalhos publicitários. Escorando-se em relatório do TCU, Lewandowski chegou a outro dado: "O percentual [de subcontratações] atingiu 83,68%. Apesar de alto, pode ser considerado normal."
Heimm?!? "O legislador não fixou na lei um limite de contratação [...]. Deve-se ressaltar que não houve a transferência de responsabilidade da contratada para terceiros. Dessa forma, não se caracteriza irregularidade nos atos praticados pelos gestores envolvidos."
Barbosa realçara em seu voto que a SMP&B realizava, por encomenda da Câmara, uma pesquisa de opinião mensal. Coisa realizada pelo instituto mineiro Vox Populi. Numa das sondagens, incluiu-se pergunta destinada a aferir a imagem de João Paulo. Noutra, injetou-se no meio de um questionário de cunho institucional a seguinte indagação aos pesquisados: Você acha que José dirceu tem culpa no caso Waldomiro Diniz? Lewandowski passou por cima de tais detalhes.
Estabelecido o prometido "contraponto", resta saber como votarão os demais ministros a partir da sessão de segunda-feira. Rosa Maria Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Carlos Ayres Britto seguirão o relator ou concordarão com o revisor? Dependendo do que decidirem, vai-se ficar sabendo se serão mandados à grelha apenas os bagrinhos ou se também os peixes graúdos merecerão castigos compatíveis com o ocorrido.
Na passagem em que cuidou da lavagem de dinheiro, Lewandowski fez questão de rememorar o que sucedera em 2007, quando da conversão da denúncia da Procuradoria em ação penal. Estendeu-se na esplanação, segundo disse, em homenagem à formação do juízo dos novos ministros. Nominou os três que não estavam na Corte naquela época: Rosa, Fux e Toffoli.
Lewandowski recordou que, embora considerasse frágil a acusação, ele próprio recebera a denúncia no pedaço que acusava João Paulo de lavar dinheiro. Quis dar uma oportunidade ao Ministério Público para reunir as provas. Lembrou que três colegas votaram de maneira diversa: o aposentado Eros Grau, Gilmar Mendes e Ayres Britto, hoje acomodado na cadeira de presidente do Supremo.
Como que interessado em obter solidariedade ao seu veredicto inocentador, Lewandowski reproduziu nacos dos votos pretéritos da tróica discordante. "Não me parece caracterizado, nessa hipótese, o tipo da lavagem de dinheiro", dissera Eros Grau. E Ayres Britto: "Embora eu tenha dito aqui, mais de uma vez, que considero esse crime gravíssimo porque, num trocadilho, quanto mais se lava dinheiro por aqui mais o país fica sujo, entendo que o tipo não se encontra presente."
Ainda segundo Lewandowski o Gilmar Mendes de 2007 pronunciara-se em termos ainda mais veementes. "Disse Sua Excelência: 'Tenho imensa dificuldade de fazer esse enquadramento. [...] Se configurado o crime, apareceria o exaurimento do próprio crime de corrupção passiva. O envio da esposa como elemento de ocultação parece-me fantasmagórico'."
Encerrada a sessão nostalgia, Lewandowski penitenciou-se por ter acatado a denúncia cinco anos atrás. Disse que os colegas que refugaram as alegações da Procuradoria estavam "cobertos de razão." Em breve intervenção, Gilmar reagiu assim: "[...] Me parece que a premissa lógica do seu voto já exclui o exame da lavagem." Foi como se dissesse: Vossa Excelência não precisa buscar a cumplicidade dos colegas.
Ayres Britto também sentiu a necessidade de dizer meia dúzia de palavras: "O juízo preliminar [da fase da denúncia] é diferente daquele que se passa numa ambiência já mais avançada, de juízo de culpabilidade propriamente dito. São sedes analíticas completamente diferentes". Foi como se declarasse: me inclua fora dessa.
A despeito das observações dos colegas, Lewandowski arrematou: "Acompanho integralmente os votos dos ministros Eros Grau, Ayres Britto e Gilmar Mendes". Afora a tentativa de seduzir os novatos Fux, Toffoli e Rosa, o revisor parece convicto de que os veteranos Gilmar e Britto vão acompanhá-lo. Será? Alberto Toron, advogado de João Paulo gostou do voto "ricamente fundamentado" de Lewandowski.
DO B. DO JOSIAS DE SOUZA

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