Emudecido pela descoberta do milagre da multiplicação do patrimônio, que fez de um médico sanitarista o mais próspero especialista em operações de emergência, Antonio Palocci está completando nesta segunda-feira oito dias de estrepitoso silêncio. Não precisou dar um pio para ser absolvido pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República. Bastaram explicações por escrito. Não precisou sequer telefonar para congressistas para conseguir a solidariedade da base alugada (e de oposicionistas estrelados). Bastou o recado do assessor Thomaz Traumann lembrando que o chefe fez o que meio mundo faz.
A cada 15 anos, o Brasil esquece o que aconteceu nos 15 anos anteriores, constatou o jornalista Ivan Lessa. Esse prazo valia para o século passado. Neste, ficou bem mais curto. As coisas andam mais velozes. Falta espaço no noticiário e na memória dos brasileiros para armazenar por muito tempo tantos escândalos, roubalheiras, pilantragens e sem-vergonhices envolvendo corruptos poderosos. Hoje, nos cálculos do governo, o país esquece a cada 15 dias o que aconteceu nos 15 dias anteriores.
Foi esse o prazo estabelecido pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, para que o chefe da Casa Civil apresente as explicações solicitadas pelo DEM e pelo PPS. Ambos estão justificadamente intrigados com o assombroso surto de enriquecimento que acometeu o ministro, e que se tornou especialmente agudo depois da vitória de Dilma Rousseff. Até aí, nada demais, apressou-se a esclarecer Gurgel antes mesmo de repassar a Palocci as interrogações formuladas pelos partidos. “Exercício de consultoria não é crime”, pontificou. (Em princípio, não é crime exercer ofício nenhum, desde que o profissional não se valha dos instrumentos de trabalho para cometer delinquências).
“O procurador-geral só atua nas encrencas mesmo, só atua quando há crime”, enfatizou. “A prestação de consultoria pode ser reprovável em aspectos éticos, mas, em princípio, não constitui crime e, se não constitui crime, não justifica a atuação do Ministério Público”. Não é conversa de quem espera explicações para decidir o que fará, com a seriedade que se exige do chefe de uma das raras instituições respeitáveis do país. É conversa de quem espera que passem com mais rapidez as duas semanas que precedem o esquecimento.
A montanha de indícios veementes berra que Gurgel só não vê nada de estranho porque foi contaminado pela miopia conveniente que grassa no Planalto. Em 2006, o governo enxergou uma “movimentação financeira atípica” num depósito de R$ 35 mil na conta do caseiro Francenildo Costa. Em novembro e dezembro de 2010, Palocci movimentou pelo menos R$ 10 milhões ─ 285 vezes mais que Francenildo. O dinheiro que o consultor embolsou equivale a 18.348 salários mínimos. É suficiente para comprar 416 carros populares.O que fez Palocci em troca dessas quantias de espantar banqueiro americano? As autoridades financeiras taparam as narinas para o fortíssimo odor de tráfico de influência. E o procurador-geral não avistou nenhum sinal de “encrenca mesmo”.
Em países sérios, aliás, o Ministério Público nem precisaria dessas cifras estarrecedoras para entrar em ação. Bastaria a contemplação do cortejo de aliados dispostos a atestar “a lisura”, “o excelente caráter” ou “a integridade” do suspeito. Entre outros destaques, desfilaram em homenagem a Palocci figuras como Paulo Maluf, José Sarney, Romero Jucá, Renan Calheiros, Luiz Gushiken, Miriam Belchior, Ideli Salvatti, Gilberto Carvalho, Rui Falcão, Cândido Vaccarezza e Edison Lobão. Caso a história acabasse num tribunal, todos poderiam ser arrolados como testemunhas de defesa. Se comparecessem juntos à mesma audiência e tropeçassem num homem da lei, dificilmente escapariam de um processo por formação de quadrilha ou bando. Quem é absolvido por uma turma dessas fez mais que o suficiente para ser condenado.
O governo acredita que faltam seis dias para que expire o prazo de validade do escândalo. Pode descobrir que o país ficou menos desmemoriado e que os descontentes são mais numerosos do que imagina. É improvável que Palocci consiga escapar pelo atalho da mudez. A hora das explicações chegará. Se for convincente, merece o Ministério da Fazenda: esse é o lugar de quem consegue ficar milionário em quatro anos com uma empresa de um homem só. Se continuar mentindo, será devolvido à planície de onde nunca deveria ter saído.
Augusto Nunes