Obsessão ideológica contra Bolsonaro transformou acordo entre Mercosul e
União Europeia em questão de governo, não de Estado; inimigos se
ferraram, crava
Vilma Gryzinski:
Condenar um partido contrário mesmo quando faz coisas boas é tão
antigo quanto a política. Margaret Thatcher resumiu ironicamente o
espírito da coisa quando disse: “Se meus críticos me vissem andando
sobre o Tâmisa, diriam que é porque não sei nadar.”
Mas torcer contra, como se viu no caso do acordo que tirou de
infinitas quantidades de papel mais de 20 de negociações para finalmente
redundar no acordo comercial do Mercosul com a União Europeia, entrou no campo das infantilidade ideológicas.
Mesmo diante dos sinais mais do que evidentes de que o acordo seria
assinado em Bruxelas enquanto os líderes do G20 se reuniam em Osaka,
jornalistas experientes preferiram fechar os olhos e jogar todo tipo de
vodu, torcendo pelo fracasso.
Baseavam-se no seguinte princípio: melhor Jair Bolsonaro
perder mais uma (ou todas, como tantos disseram que aconteceria no
Japão) do que o Brasil derrubar barreiras tarifárias da exportação de
produtos agrícolas para um mercado comum de 500 milhões de pessoas.
O que são 87 bilhões a mais no PIB em quinze anos comparado ao
gostinho de ver “Brasil sob ataque no G20” por políticas ambientais de
Bolsonaro (El País). Ou declarar, logo de cara, que “esta cúpula do G20
será complicada para o presidente Jair Bolsonaro” (Deutsche Welle).
A agência estatal alemã considerou até “politicamente delicado” o
encontro do presidente brasileiro com Mohammad Bin Salman, o príncipe
herdeiro saudita que, com seus zilhões de barris de petróleo, está
limpando a barra pelo assassinato do jornalista Jamal Khashoggi com
TODOS os participantes das cúpulas importantes. Até com os que preferem
não se reunir com ele, como Angela Merkel.
Em favor dos jornalistas oficiais alemães, registre-se que
anteciparam a possibilidade de “uma surpresa positiva” através da
assinatura do acordo de alcance gigantesco — ainda que de longo prazo.
Afinal, foi em defesa do acordo que Angela Merkel usou termos
inadequados sobre a situação “dramática” do Brasil em matéria de meio
ambiente e direitos humanos ao rebater uma deputada do Partido Verde
sobre a conveniência do acordo comercial.
Não assiná-lo “não salvaria um hectare de floresta” brasileira, disse a primeira-ministra alemã.
O tom das palavras de Merkel provocou uma resposta agressiva de
Bolsonaro. Muita gente que gostava quando Lula “falava grosso com os
Estados Unidos e fino com a Bolívia”, aplaudindo o roubo de instalações
construídas com o dinheiro dos brasileiros, mudou de posição mais
rapidamente do que demoraria para dizer “Vielen Dank”.
Engrossar com Angela Merkel, justificadamente, foi considerado uma
manifestação de insanidade. Atenção: Bolsonaro não chegou nem perto de
fazer como sua única antecessora do sexo, ou gênero, feminino, que
aproveitou um encontro quando era a onisciente presidenta para ensinar
Merkel como governar.
Conciliar a sobrevivência dos ambientes naturais, tão degenerados ou
ameaçados, com a agropecuária intensiva necessária para alimentar 7,3
bilhões de bocas é um desafio monumental, um dos maiores enfrentados por
todo o planeta.
Reduzir a questão a vinganças ideológicas é tolo e prejudicial à
própria causa ambiental, importante demais para ser deixada apenas nas
mãos das ONGs como as 340 que assinaram um manifesto pedindo a suspensão
das negociações, na sua fase final, da União Europeia com o Mercosul
“até que haja fim às violações dos direitos humanos, medidas rigorosas
para acabar com o desmatamento e compromissos concretos para implementar
o Acordo de Paris”.
Ou seja, até o Dia de São Nunca. Que condições seriam necessárias para que as ONGs todo-poderosas se dessem por satisfeitas?
Só, evidentemente, com o retorno dos governos petistas, quando as
florestas derrubadas magicamente se reconstituíram, as ainda em pé foram
protegidas por duendes do bem e os direitos humanos vigoravam em
ambiente de paz e harmonia, apenas prejudicado pela não legalização das
drogas e a abertura das prisões, que estava logo ali, a um passo da
realização.
O governo “mefistofélico”, na imperdível definição do correspondente
da Deustche Welle, veio estragar tudo. O fato de que tenha recebido o
voto de 57 milhões de brasileiros — dos quais, muitos agora
insatisfeitos —, nem passa pelo céu desse universo maniqueísta.
Talvez a base disso tudo seja a ideia preconceituosa de que qualquer
porcaria que dê um dinheirinho — insustentável — a mais aos pobres
desses rincões perdidos, seja Brasil ou Venezuela, justifique e até
enobrecem governos baseados na rapina e na corrupção.
Se um centésimo do que foi feito, por exemplo, na Venezuela, em
matéria de destruição da liberdade de imprensa e dos direitos humanos em
geral, a começar pelo de comer, muitos dos jornalistas alemães ou
franceses que incensaram Hugo Chávez durante tantos anos teriam pego em
armas e partido para a real resistência.
Ah, os franceses. Por falta de sorte, exatamente no dia do grande
acordo comercial, o Libération publicou um longo artigo de dois
professores franceses malocados na UFRJ (onde mais?) descrevendo
longamente a “lua de fel de Bolsonaro”.
Alguns dos termos empregados pelos gentis acadêmicos:
“necropolítica”, Paulo Guedes como guru “prometia liquidar as conquistas
sociais dos anos Lula e implantar o programa neoliberal” e a
“hegemonização” da oposição conquistada pelos estudantes.
Nesse planeta habitado pela expressão de desejos sem ligação com a
realidade, o velho Libé não publicou nada sobe o acordo que arrancou
lágrimas comovidas e virais do chanceler argentino, Jorge Faurie.
Nem sequer para criticar seu grande inimigo, Emmanuel Macron, que fez
o possível para torpedear o acordo em nome do eterno protecionismo
francês, principalmente de sua magnífica e cara produção agrícola, tão
amparada que as vacas ganham salário.
Macron, como tem acontecido em diversas circunstâncias, quebrou a
cara. E ainda foi trolado por Bolsonaro quando cancelou um tête-à-tête e
depois falou em “psicose ambientalista”.
Para salvar as aparências, Macron pode dizer que “garantiu” a
permanência do Brasil no Acordo de Paris — há muito tempo confirmada.
Detalhe importante: o Acordo de Paris é bom para o Brasil,
principalmente por manter os padrões ambientais exigidos pelos países
avançados. E sem pagar nada, como aconteceria com os Estados Unidos.
A Alemanha da realista Angela Merkel, a voz que realmente conta, e a
Espanha do socialista Pedro Sánchez bancaram o acordo histórico – um
caso raro em que o adjetivo pode ser realmente empregado e que submeteu
negociadores europeus, em um único dia, à maior quantidade de abraços
que muitos provavelmente tiveram em toda a sua vida.
O clima de calor humano latino, num momento em que as temperaturas
estão bombando na Europa, e de comemoração é merecido, com todas as
ressalvas.
O acordo não é a salvação da pátria para ninguém no curto prazo nem
vai colocar um único bife à milanesa no prato dos argentinos para
espremidos pela crise a ponto de garantir a reeleição de Mauricio Macri,
no momento o maior foco de aquecimento político no Mercosul.
Um dos aspectos menos comentados do acordo são as cláusulas que
procuram controlar o teor de volatilidade das escolas de economia
baseadas na insanidade que tanto mal já fizeram aos nossos países. Isso
está na mesma linha do que aconteceria se o Brasil entrasse para a OCDE,
outro mecanismo que era bom, mas foi transformado em manifestação
mefistofélica pela ideologização infantil.
Ah, sim, durante o G20, Donald Trump e Xi Jinping reabriram as
negociações comerciais. Trump deu um tempo na imposição de novos
castigos tarifários, o instrumento que usa para reverter o jogo
comercial mais do que sujo que havia se transformado em prática
consagrada da China.
O que vão dizer os inúmeros adversários de Trump? Que ele não sabe
nadar, claro. A torcida contra o próprio país só para ferrar o
governante de plantão virou uma prática universal. DO O.TAMBOSI