domingo, 8 de julho de 2018
J. R. Guzzo: Toffoli, o indescritivel
2 + 2 = 22
J.R. Guzzo
Veja, edição 2590, 11 de julho de 2018
ENTRE
TUDO o que está torto no Brasil de hoje, uma das coisas mais
esquisitas, sem dúvida, é a facilidade que as pessoas mostram para
conviver 24 horas por dia com todo tipo de absurdo. Pense numa aberração
qualquer: ela vai estar bem na sua frente. Talvez seja parecido em
algum fundão da África, mas aqui deveria ser diferente. Afinal, o Brasil
é um país metido a ser “sério”, não é mesmo? Temos “instituições”,
política externa independente e Banco Central. Temos analistas políticos
e comunicadores bem informados. Tivemos, até, um sociólogo como
presidente da República. Mas qual o quê: quanto mais pose o Brasil faz,
maiores e mais agressivos são os disparates que está disposto a aceitar.
Não é preciso nenhum esforço para obter provas materiais, imediatas e
indiscutíveis dessa degeneração. Daqui a pouco tempo, só para ficar num
dos exemplos mais espetaculares de alucinação colocados à disposição do
público no momento, o ministro Dias Toffoli vai assumir a presidência do
Supremo Tribunal Federal. Isso quer dizer o seguinte: o mais elevado
tribunal de Justiça do país está à beira de ser presidido por um cidadão
que foi reprovado duas vezes — duas vezes, uma depois da outra — no
concurso para juiz de direito. Pode uma coisa dessas? É claro que não
pode, pelos fundamentos mais elementares da lógica comum e da sanidade
mental exigida para a vida pública em qualquer nação. Seria como aceitar
que 2 mais 2 são 22. Mas é exatamente isso, sem tirar nem pôr um
milímetro de exagero, que estão fazendo você engolir.
Não
é implicância. É apenas a observação banal dos fatos. Não dá para achar
normal que um indivíduo considerado incompetente para ser juiz da
comarca mais ordinária do interior, como ficou provado e comprovado nos
dois exames em que levou bomba, possa ser um dos onze juízes supremos do
Brasil — ou, pior ainda, ser o presidente de todos eles. Qual é a
vantagem que a população poderia obter com a presença de um repetente
desses no STF? Nenhum dos gigantes da nossa vida pública, que aceitam
mansamente a presença de Toffoli na presidência do STF, conseguiria
explicar por que raios uma aberração com esse grau de grosseria deve ser
imposta a 200 milhões de brasileiros. Não conseguem, simplesmente,
porque nenhum ser humano consegue. Fica-se assim, então: Toffoli, pelos
conhecimentos que demonstrou, não tem capacidade para ser juiz nem de
um jogo de futebol, mas pode ser presidente do mais alto tribunal de
Justiça do país. Não perca o seu tempo tentando entender. É impossível
entender.
Naturalmente,
como diz a velha máxima popular italiana, não existe limite para o
pior. Toffoli não apenas é uma nulidade em matéria de direito, segundo o
parecer dos examinadores que julgaram duas vezes a sua aptidão
profissional — é também um fenômeno de suspeição e parcialidade
provavelmente sem similar no mundo civilizado. Foi nomeado para o STF
pelo ex-presidente Lula depois de ter sido alto funcionário do seu
governo e, antes disso, advogado do PT. Está no cargo exclusivamente
porque prestou serviços a Lula e a seu partido — e, portanto, não
poderia julgar nada que tivesse a menor relação com qualquer um dos
dois. Mas o que está acontecendo é justamente o contrário. Toffoli é um
dos onze juízes que a cada meia hora decidem mais um recurso dos
advogados do ex-presidente, na tentativa permanente de anular sua
condenação a doze anos de cadeia por corrupção e lavagem de dinheiro.
Vem aí, então, mais uma pergunta muito simples: você acredita que nesta
hora de pressão máxima o ministro que deve tudo ao PT e a Lula vai
esquecer os favores que recebeu e se comportar com a imparcialidade
obrigatória de um magistrado? (Ninguém está pedindo que ele seja um rei
Salomão. Basta que não se comporte como um despachante dos advogados do
réu.) E, se você realmente acredita nisso, poderia dar três motivos (ou
dois, ou pelo menos um) capazes de explicar por que alguém como Toffoli
merece tal fé?
O
ministro Toffoli e quem o leva a sério, a começar pelos colegas que o
chamam de excelência, pela mídia e pelo mundo oficial, insistem todos os
dias em tratar o Brasil como um país de idiotas. Esse é o fato da vida
real: todo o resto é conversa fiada. Não espere melhorias a curto prazo.
Temos aí uns vinte candidatos a presidente da República, e eleições
daqui a três meses. Nenhum deles, mas nenhum mesmo, abriu o bico até
agora para dizer uma única palavra sobre o despropósito aqui descrito. A
única conclusão é que estão todos de acordo com essa queda livre na
insensatez. DO DIPLOMATIZZANDO
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