quarta-feira, 14 de junho de 2017

Senado leva 27 dias para cumprir ordem do STF

Josias de Souza
“Decisão do Supremo não se discute. Cumpre-se!” Esta máxima, mais antiga do que a primeira missa, tornou-se tão démodé quanto o bambolê. O Senado levou 27 dias para cumprir a ordem judicial de afastar Aécio Neves do exercício do mandato. Numa fase em que um tribunal “superior” como o TSE ignora provas para salvar o mandato de um presidente sob investigação criminal, o episódio escancara um incômodo paradoxo: os políticos são incapazes de reconhecer plenamente a autoridade do Judiciário. E a Justiça é incapaz de se fazer respeitar de forma plena.
Relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin determinou o afastamento em 18 de maio. Mas só nesta quarta-feira, 14 de junho, o nome de Aécio foi retirado do painel eletrônico do Senado. Em ofício ao ministro Marco Aurélio Mello, novo relator do processo, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, informou que Aécio foi retirado também da folha salarial. O carro oficial foi recolhido à garagem. E seu gabinete foi desligado da tomada.
Eunício sustenta que não houve desrespeito à ordem do Supremo. Lorota. Até a véspera, o mandachuva do Senado, envolto numa espécie de crise semântica, dizia esperar do Supremo esclarecimentos adicionais sobre o verdadeiro significado do verbo “afastar.” Alegava que não havia previsão constitucional ou regimental. (assista abaixo).

Súbito, Eunício se deu conta de que afastar significa afastar. Deve-se a súbita lucidez vernacular do senador a um par de movimentos da Primeira Turma do Supremo. Por três votos a dois, o colegiado negou pedido de liberdade a Andrea Neves, irmã do afastado. E marcou para terça-feira da próxima semana o julgamento de um pedido de prisão do próprio Aécio, formulado pela Procuradoria. O medo revelou-se um fabuloso professor de português no Senado. De Aécio a Eunício, todos aprenderam rapidamente o significado de “afastar”.
No final do ano passado, o ministro Marco Aurélio, agora relator do processo sobre as relações monetárias de Aécio com o delator Joesley Batista, havia determinado o afastamento de Renan Calheiros do cargo de presidente do Senado. O senador deu de ombros. E o Supremo, numa sessão deplorável, brindou Renan com o célebre afastamento meia-sola: proibiu-o de substituir o presidente da República, mas autorizou-o a permanecer no comando do Senado mesmo depois de virar réu em ação penal.
Presidente da Corte, Cármen Lúcia potencializou o vexame com uma nota oficial de timbre mais político do que jurídico: “Em benefício do Brasil e da Constituição da qual somos guardiões, neste momento impõe-se de forma muito especial a prudência do Direito e dos magistrados”, escreveu na época. “Estamos tentando reiteradamente atuar no máximo de respeito e observância dos pilares da República e da democracia.”
Quem dispõem de poder e o exerce de forma arbitrária, erra o alvo. Mas quem abre mão de exercer o poder de que dispõem vira o alvo. Decisões como a do TSE no julgamento da chapa Dilma-Temer e a do STF no caso Renan contribuem para solidificar a ideia de que a democracia moderna no Brasil é constituída de três poderes: o Executivo, o Judiciário e, acima de ambos, a despudor político.

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