Marta e Crivella ministros e apoio ostensivo a Haddad na TV…
….contrastam com reputação pública criada pela presidente
Imagem e credibilidade são difíceis de construir. Dilma Rousseff foi
montando sua reputação, tijolo a tijolo, desde o início do governo Lula.
Ela é durona, gosta de administrar, é intransigente com a politicagem. O
episódio das demissões em série de ministros encrencados em 2011
conferiu à presidente a fama de ter comandado uma faxina ética no
governo.
De maneira premeditada ou inadvertida, Dilma foi ficando como uma
espécie de ponto de equilíbrio entre o que foram Fernando Henrique
Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Nem é tão elitista e distante do
povão como o tucano nem tão populista e condescendente com mazelas
brasileiras como o petista. De repente, Dilma até virou personagem de
programas de um curioso “humor a favor”, algo raríssimo na história política do país.
Estava indo tudo muito bem. Até que o processo eleitoral deste ano começou.
Uma romaria de políticos do PT passou a frequentar o ex-presidente
Lula para reclamar de Dilma. “Ela não trata o PT como deveria” e “Dilma
está se arriscando a perder apoio político ao não aceitar demandas dos
aliados” são duas frases que sintetizam os resmungos no muro das
lamentações do PT e adjacências. Sem contar o desgarramento virtual do
PSB, do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, virtual candidato a
presidente daqui a dois anos.
Candidata à reeleição em 2014, Dilma se sentiu premida pela
conjuntura política adversa que se formava no seu entorno. Começou a
tomar atitudes erráticas. Cede e depois age como se fosse para dizer:
“Eu sou do PT, mas o PT não manda em mim”. É um risco. Sinais trocados
podem desconstruir a imagem que criou para si própria desde sua posse no
Planalto.
Eis 4 fatos que podem até ter contribuído para Dilma dar mais coesão
política ao seu governo e melhorar sua relação com o PT, mas que
contrastam com sua reputação pública:
1) Ministério da Pesca – depois de dizer no final de 2011 ao programa Fantástico, da TV Globo, que não fazia “toma lá dá cá” (vídeo e texto),
a presidente convidou em março passado, para a pasta da Pesca, o
senador Marcelo Crivella (PRB-RJ). O objetivo foi apenas político. O PRB
tem fortes ligações com a Igreja Universal do Reino de Deus e com a TV
Record.
Dilma deu um ministério para acalmar um grupo político-midiático relevante. Enfim, toma lá, dá cá.
2) Resposta a FHC em rede nacional de TV – o ex-presidente escreveu um artigo
que teve pouca repercussão no dia de sua divulgação, no início de
setembro. A presidente maximizou a crítica recebida do tucano e
respondeu com nota oficial da Presidência da República. Não satisfeita, usou parte do seu discurso em comemoração ao 7 de Setembro
para fazer um forte ataque às privatizações da administração de FHC.
Segundo ela, o tucano “torrou patrimônio público para pagar dívida, e
ainda terminou por gerar monopólios, privilégios, frete elevado e baixa
eficiência”. Tudo em rede nacional de TV.
Não se trata aqui de negar ou confirmar os problemas das
privatizações tucanas. O ponto é outro: convém a uma presidente da
República usar uma rede nacional de TV para fazer política partidária?
Afinal, Dilma poderia dizer tudo o que falou e muito mais no programa
partidário semestral que o PT tem na TV.
3) Vídeo pró-Haddad – pressionada por Lula, a
presidente aceitou que gravar e deixar divulgar já um vídeo no qual
defende Fernando Haddad, o candidato do PT a prefeito de São Paulo.
Dilma havia procurado o vice-presidente da República, Michel Temer
(PMDB), há alguns meses e disse que não faria campanha para ninguém no
primeiro turno destas eleições. Ou seja, falou uma coisa e fez outra.
Pior um pouco foi o tom e o palavreado usado por Dilma. A presidente
foi além de recomendar o voto no PT em São Paulo –o que seria
compreensível. Ela fez uma ameaça velada aos eleitores paulistanos
ao dizer que Haddad é “a pessoa certa” para a cidade “consolidar
projetos fundamentais do governo federal”. Com Haddad, os paulistanos
terão “muitas creches” e “novas moradias”.
Ou seja, contrário senso, se Haddad é “a pessoa certa”, as outras
pessoas na disputa são as erradas. Em outras palavras, se Haddad não for
eleito, São Paulo não vai “consolidar projetos” com dinheiro federal
para ter “muitas creches” e “novas moradias”.
4) Marta Suplicy na Cultura – esse é outro exemplo
explícito de toma lá, dá cá. A senadora pelo PT de São Paulo, Marta
Suplicy, ficou emburrada por vários meses por ter sido alijada da
disputa pela Prefeitura de São Paulo. Recusava-se a participar da
campanha de Fernando Haddad, uma escolha pessoal de Lula.
Aí Marta Suplicy se acertou com Dilma Rousseff e Lula: iria virar
ministra até o final do ano. Entrou então na campanha de Haddad. Só que a
nomeação de Marta como ministra da Cultura explicitou um certo de
descontrole no gerenciamento político de Dilma. O cargo estava acertado,
mas seria dado oficialmente após a eventual eleição de Haddad –o custo
político seria assim mitigado.
Ocorre que a notícia foi publicada na internet na manhã de 11.set.2012 por Valdo Cruz e Natuza Nery. Por volta de meio-dia, a notícia foi ampliada pela repórter Cátia Seabra. Dilma Rousseff resolveu então antecipar o fato.
Por quê? A presidente detesta quando informações reservadas de seu
governo chegam à imprensa sem sua permissão. Nessas ocasiões, há sempre
reações intempestivas –como não avaliar com mais vagar a relação
custo-benefício de uma ação subsequente.
Dilma poderia muito bem ter segurado a nomeação para depois do
período eleitoral, mas não quis mais postergar porque se sentiu traída
pela informação ter sido publicada sem o seu consentimento.
Aliás, essa relação de Dilma com a mídia, de desejar controlar 100%
do que é publicado sobre seu governo, é assunto para uma outra análise.
—- * —-
Quais sinais são emitidos por esses 4 fatos acima?
Para a maioria dos brasileiros é comum políticos se atacarem e
presidentes nomearem ministros por indicação partidária. Sem problemas.
Esses episódios fazem parte da paisagem.
Ocorre que parcelas da classe média e dos eleitores mais instruídos
estavam encantadas com o primeiro ano do governo Dilma e as atitudes
“low profile” da presidente.
Enfim estava no Palácio do Planalto uma pessoa de hábitos mais
republicanos. Dilma podia ser até meio áspera e ríspida no contato com
as pessoas em geral, mas esse traço era até visto como um predicado e
não um defeito.
Agora, aos poucos, a presidente vai cedendo aos vícios da
micropolítica. O PRB quer um ministério? Eis aqui o da Pesca, não
importando se quem vai ocupá-lo não entende nada de peixes. O PT está em
apuros em São Paulo com o candidato de Lula que empacou nas pesquisas?
Olhem aqui Dilma dando uma ordem aos eleitores paulistanos na TV. O
político aposentado FHC faz uma crítica em jornal impresso ao governo
Lula? Sem problemas: Dilma convoca uma cadeia nacional de TV para falar
do 7 de Setembro e sentar a pua no tucano.
Essas atitudes são (com o perdão pelo uso do clichê) como as ondas
produzidas pela pedra jogada no lago. Aos poucos, as ondas se espalham e
chegam à margem.
Pior ainda quando são várias pedras jogadas no mesmo lago.
DO FERNANDO RODRIGUES
UOL
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