Decidi manter este texto no alto na homepage. Há muita coisa abaixo, escrita durante a madrugada.
Pois é…
Ah, a alegria “democratista” dos inocentes, dos bem-pensantes, dos
tolos. Algumas almas que se queriam e se querem generosas acreditavam
que, se flertassem “só um pouquinho” com o cotismo, estariam
contribuindo para a justiça social. Jamais se deram conta de que o papel
das universidades, por exemplo, não é acabar com a desigualdade —
tampouco perpetuá-la. Ou elas se orientam exclusivamente segundo os
critérios de competência ou desempenho — vale dizer: mérito —, ou
estarão assumindo um papel que não é o seu. Nem cumprirão a sua função
primordial nem se desincumbirão com eficiência da nova tarefa que lhes é
atribuída. Quando declararam constitucional a aplicação de cota racial —
contra, entendo eu, a Carta Magna —, os ministros do Supremo não
imaginavam o que estava por vir. Modestamente, eu imaginava isso e
antevejo coisas piores. Pois bem, a presidente Dilma Rousseff está
prestes a fazer uma grande besteira. E vai fazer. Porque é da natureza
da corrente de pensamento a que ela pertence. A que me refiro?
A deputada
Nice Lobão (PSD-MA), mulher do ministro Edson Lobão (Minas e Energia),
tem dois grandes feitos na carreira: é a campeã de faltas às sessões da
Câmara em 2011 e é autora de um projeto, já aprovado também no Senado —
só falta agora a sanção de Dilma — que determina que as universidades e
os institutos técnicos federais reservem 50% das vagas para alunos
oriundos das escolas públicas. Mas não só isso! Nice Lobão resolveu
transformar o ingresso na universidade num misto de charada grega com
luta de classes e racialismo (sabem como são esses marxistas radicais da
família Lobão, né?). A estrovenga aprovada no Senado está aqui.
Como funciona?
1 – Os alunos das escolas públicas serão selecionados segundo o seu “Coeficiente de Rendimento” no ensino médio. Para eles, o Enem, por exemplo, não terá a menor importância.
A ESTUPIDEZ ESPECÍFICA – Já aqui se abre a primeira e escandalosa porta para injustiças. Dentro da ruindade geral das escolas públicas, há diferenças brutais de qualidade. O aluno que tiver um bom desempenho numa escola relapsa e pouco exigente levará vantagem ao competir com o que tiver um desempenho médio numa escola séria. Mais: sabemos que inexistem critérios objetivos para avaliar se o currículo oficial foi mesmo ministrado. Aliás, não existe um currículo nacional!!! Não encontrei na lei nenhuma referência sobre estado de origem do estudante e vaga pretendida. Como se trata de ensino federal, entendo que o candidato de um estado pode concorrer a uma vaga na federal de outro. O ensino médio é uma lástima no país inteiro, é fato. Mas sabemos que, mesmo dada a ruindade geral, há disparidades regionais brutais. Não só isso: os negros e pardos de Santa Catarina somam pouco mais de 11%; na Bahia, chegam a 78%. Um negro ou pardo de Santa Catarina que disputasse uma vaga na Universidade Federal da Bahia certamente seria selecionado segundo a cota baiana, mas carregando o “Coeficiente de Rendimento” da escola catarinense.
1 – Os alunos das escolas públicas serão selecionados segundo o seu “Coeficiente de Rendimento” no ensino médio. Para eles, o Enem, por exemplo, não terá a menor importância.
A ESTUPIDEZ ESPECÍFICA – Já aqui se abre a primeira e escandalosa porta para injustiças. Dentro da ruindade geral das escolas públicas, há diferenças brutais de qualidade. O aluno que tiver um bom desempenho numa escola relapsa e pouco exigente levará vantagem ao competir com o que tiver um desempenho médio numa escola séria. Mais: sabemos que inexistem critérios objetivos para avaliar se o currículo oficial foi mesmo ministrado. Aliás, não existe um currículo nacional!!! Não encontrei na lei nenhuma referência sobre estado de origem do estudante e vaga pretendida. Como se trata de ensino federal, entendo que o candidato de um estado pode concorrer a uma vaga na federal de outro. O ensino médio é uma lástima no país inteiro, é fato. Mas sabemos que, mesmo dada a ruindade geral, há disparidades regionais brutais. Não só isso: os negros e pardos de Santa Catarina somam pouco mais de 11%; na Bahia, chegam a 78%. Um negro ou pardo de Santa Catarina que disputasse uma vaga na Universidade Federal da Bahia certamente seria selecionado segundo a cota baiana, mas carregando o “Coeficiente de Rendimento” da escola catarinense.
2 –
Atenção para a loucura: metade daqueles 50% de vagas reservadas a
escolas públicas terá de ser preenchida por alunos oriundos de famílias
com renda per capita de até 1,5 salário mínimo.
A ESTUPIDEZ ESPECÍFICA – A lei é omissa sobre a forma como se vai fazer essa verificação. Será com base apenas na declaração do candidato? Cada universidade federal terá de investigar a renda familiar do aluno para saber se ele fala a verdade? Ora… Não há estrutura para isso. Fingir pobreza passará a ser um bom negócio. Será um critério de seleção superior ao conhecimento de matemática e língua portuguesa. Tão logo isso esteja em vigência, é evidente que haverá uma inflação de candidatos com renda per capita inferior ao limite estabelecido, certo? E a lei que convida à fraude.
A ESTUPIDEZ ESPECÍFICA – A lei é omissa sobre a forma como se vai fazer essa verificação. Será com base apenas na declaração do candidato? Cada universidade federal terá de investigar a renda familiar do aluno para saber se ele fala a verdade? Ora… Não há estrutura para isso. Fingir pobreza passará a ser um bom negócio. Será um critério de seleção superior ao conhecimento de matemática e língua portuguesa. Tão logo isso esteja em vigência, é evidente que haverá uma inflação de candidatos com renda per capita inferior ao limite estabelecido, certo? E a lei que convida à fraude.
3 –
Deputados e senadores avançaram ainda mais na sandice. Essa metade da
metade que tem de pertencer a famílias com renda per capita inferior a
1,5 mínimo tem der ser preenchida por autodeclarados negros, pardos e
indígenas, segundo o percentagem apontada pelo IBGE na unidade da
federação em que está a universidade.
A ESTUPIDEZ ESPECÍFICA – Um pobre branco da escola pública leva desvantagem ao competir com um preto pobre ou mestiço pobre da escola pública, ainda que os dois tenham, então, o mesmo perfil social. A propósito: no caso do candidato indígena, o seu Coeficiente de Rendimento no que concerne ao domínio da língua terá como referência o português ou o idioma da sua tribo? Nesse caso, quem avalia?
A ESTUPIDEZ ESPECÍFICA – Um pobre branco da escola pública leva desvantagem ao competir com um preto pobre ou mestiço pobre da escola pública, ainda que os dois tenham, então, o mesmo perfil social. A propósito: no caso do candidato indígena, o seu Coeficiente de Rendimento no que concerne ao domínio da língua terá como referência o português ou o idioma da sua tribo? Nesse caso, quem avalia?
4 –
E aqueles outros 25% — a metade da metade oriunda da escola pública,
mas que pode pertencer a famílias com renda per capita superior a 1,5
mínimo? Também para eles vale o critério da cor da pele.
ESTUPIDEZ ESPECÍFICA – É a mesma do item 3.
ESTUPIDEZ ESPECÍFICA – É a mesma do item 3.
A estupidez geral
A senhora Dilma Rousseff, que apoia o projeto, está botando os últimos pregos no caixão das universidades e institutos federais de ensino. Por quê? Só porque está abrindo as portas aos alunos da escola pública? NÃO!!! PORQUE METADE DAS VAGAS DESSAS INSTITUIÇÕES NÃO TERÁ MAIS NENHUM COMPROMISSO COM O DESEMPENHO DOS ALUNOS.
A senhora Dilma Rousseff, que apoia o projeto, está botando os últimos pregos no caixão das universidades e institutos federais de ensino. Por quê? Só porque está abrindo as portas aos alunos da escola pública? NÃO!!! PORQUE METADE DAS VAGAS DESSAS INSTITUIÇÕES NÃO TERÁ MAIS NENHUM COMPROMISSO COM O DESEMPENHO DOS ALUNOS.
Notem que
nem mesmo se exigirá deles uma nota aceitável no Enem — um exame que já é
comprovadamente fraco. O único critério associado a desempenho é o tal
Coeficiente de Rendimento, auferido em escolas distintas, provas
distintas, segundo critérios distintos. Cria-se, obviamente, uma pressão
sobre o professor da escola pública — que já padece, como diria o
poeta, de diabólicos azares — em favor da facilitação. Ele e seus alunos
terão clareza de que uma prova mais severa pode concorrer para criar
dificuldades futuras ao aluno.
A escola pública vai melhorar?
A proposta, longe de democratizar o ensino universitário, concorre para democratizar a ignorância e para rebaixar o ensino universitário. Como se está assegurando ao aluno o ingresso na universidade segundo critérios que nada têm a ver com desempenho e competição, o que se tem, na prática, é uma pressão contrária: quanto mais relapso e “bonzinho” for o professor, tanto melhor.
A proposta, longe de democratizar o ensino universitário, concorre para democratizar a ignorância e para rebaixar o ensino universitário. Como se está assegurando ao aluno o ingresso na universidade segundo critérios que nada têm a ver com desempenho e competição, o que se tem, na prática, é uma pressão contrária: quanto mais relapso e “bonzinho” for o professor, tanto melhor.
Conheço e
convivo com professores universitários, alguns meus contemporâneos da
universidade. Atestam que a quantidade de semianalfabetos que chegam ao
ensino superior é assustadora. Em vez de concorrer para melhorar a
escola pública — sim, eu sei que é um processo demorado, mas não há
outra saída —, essa lei vai usar a baixa qualidade como facilitador para
o acesso ao ensino superior — vale dizer: quanto pior a escola de
ensino médio, melhor!
Eis aí.
Reitores das universidades federais incensavam as políticas de cotas.
Também eles, mesmo sendo quem são, houveram por bem mandar os critérios
acadêmicos para a ponta do pavio e aderir à demagogia. E os cotistas
avançaram. A deputada Eunice, da grande família Lobão, pegou carona no
debate e resolveu levar a coisa a sério, a seu modo. Pimba! Elio
Gaspari, o maior propagandista das cotas no Brasil — para ele, quem se
opõe à ideia é a turma do “andar de cima” —, deve estar satisfeito.
Agora os
cotistas pretendem que o mesmo modelo seja aplicado ao mercado de
trabalho público e privado. Chegará a hora em que alguém proporá que o
Congresso, as Assembleias, as Câmaras de Vereadores e os tribunais
obedeçam a critérios dessa natureza — por que não? Teremos uma
democracia que não será feita dos mais votados e dos mais competentes,
tudo em nome da… Justiça!
Ao votar a
favor da proposta, o senador Pedro Taques (PDT-MT), que costuma ser
sério, evocou a experiência americana como exemplo de política
bem-sucedida de cotas. Acho que ele deveria estudar melhor o assunto — e
não vou me alongar agora sobre esse particular. Noto, no entanto, que
cota social e racial, com essa precisão na divisão da cor da pele e com
esse número de vagas garantidas ao cotismo, não foi aplicada em lugar
nenhum do mundo, nem na África do Sul pós-apartheid.
Agora, os
reitores das universidades federais e os professores estão assustados.
Sabem o que os espera. Anos de incúria e de desastre no ensino público
vão cair inteiros no seu colo. Em muitas universidades, já se discute a
criação de cursos especiais para os alunos, algo que os capacite
minimamente em matemática e língua portuguesa. Eu estou falando sério.
O desastre já está em curso
Não é o que se vá produzir o desastre. Ele já está em curso. Será agravado. Entre os estudantes do ensino superior, 38% não dominam habilidades básicas de leitura e escrita, segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e pela ONG Ação Educativa. Vejam quadro.
Não é o que se vá produzir o desastre. Ele já está em curso. Será agravado. Entre os estudantes do ensino superior, 38% não dominam habilidades básicas de leitura e escrita, segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e pela ONG Ação Educativa. Vejam quadro.
Em
2001-2002, 2% dos alunos universitários tinham apenas rudimentos de
escrita e leitura. Em 2010, essa porcentagem havia saltado para 4%. Vale
dizer: 254.800 estudantes de terceiro grau no país são quase
analfabetos. Espantoso? Em 2001-2002, 24% não eram plenamente
alfabetizados. Um número já escandaloso. Em 2010, pularam para 38%. Isso
quer dizer que 2.420.600 estudantes do terceiro grau não conseguem ler
direito um texto e se expressar com clareza. É o que se espera de um
aluno ao concluir o… ensino fundamental!
O quadro
já era ruim, como se nota, e foi agravado pela dupla Lula-Haddad. Agora,
a lei da dona Lobão, aprovada na Câmara, acolhida por ampla maioria no
Senado e a ser sancionada por Dilma, vai se encarregar de liquidar com o
que resta.
Minhas
homenagens ao senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que lutou brava e
quase solitariamente contra essa estupidez no Senado. Foi inútil. Em
nome da proteção aos pobres e aos vulneráveis, a maioria dos senadores
mandou os pobres e os vulneráveis para a ponta do pavio. O que esses
valentes fizeram foi condenar os ensinos fundamental e médio públicos à
eterna ruindade. E essa ruindade, que já havia se alastrado para o
ensino universitário, lá se instalará de vez!
Espero um
texto de Elio Gaspari demonstrando por que isso é bom para os
brasileiros e por que os críticos da proposta da dona Lobão são
“demofóbicos”. Eu sempre presto muita atenção aos argumentos dos
“demofílicos”.
PS – Ah,
sim: Câmara, Senado e Dilma vão pisotear a autonomia universitária. Bem
feito, senhores reitores! É nisso que dá ter o nariz marrom, viver de
joelhos para o Executivo, subordinar a inteligência a um ente de razão.
Vocês pediram chicote e vão ter chicote! Serão os coveiros das
universidades federais.Texto originalmente publicado às 18h40 desta quinta
REV VEJA
Nenhum comentário:
Postar um comentário