Ontem,
eu lhes fiz um desafio: explicar por que Erundina está errada ao dizer
que o PT ajuda a “higienizar” a imagem de Maluf. Abaixo, num daqueles
textões (!), explico por que a aliança é absolutamente coerente e por
que é Maluf quem contribui para lavar a imagem do partido, que o utiliza
como instrumento na consolidação de seu projeto autoritário. Acho que
ficou bacana. Se gostarem, debatam e passem adiante.
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Vocês perceberam, caros leitores, dada a aliança do PT com Maluf, o tom choroso, lacrimejante, funéreo, de muitos colunistas “isentos”, como se estivessem assistindo à queda de um puro ou à morte de uma utopia? Alguns chegaram mesmo a encomendar as exéquias do antigo “partido ético”, “diferente de tudo o que está aí”. Houve os que fizeram como José Saramago quando Fidel Castro mandou fuzilar, em 2003, sem julgamento, três dissidentes que haviam tentado fugir de Cuba: “Até aqui fui com Fidel, agora não mais”. Pô!!! O barbudo assassino já era responsável por 100 mil mortes, e Saramago tinha ido com ele “até ali”??? Aquelas três a mais, no entanto, mexeram com seu coração humanista… Assim fizeram certos analistas “isentos”: “Até aqui fui com o PT; agora não mais!”. Faço a eles pergunta semelhante à que fiz à época a Saramago: “Por quê? Tudo o que PT havia feito até então parecia pouco?”.
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Vocês perceberam, caros leitores, dada a aliança do PT com Maluf, o tom choroso, lacrimejante, funéreo, de muitos colunistas “isentos”, como se estivessem assistindo à queda de um puro ou à morte de uma utopia? Alguns chegaram mesmo a encomendar as exéquias do antigo “partido ético”, “diferente de tudo o que está aí”. Houve os que fizeram como José Saramago quando Fidel Castro mandou fuzilar, em 2003, sem julgamento, três dissidentes que haviam tentado fugir de Cuba: “Até aqui fui com Fidel, agora não mais”. Pô!!! O barbudo assassino já era responsável por 100 mil mortes, e Saramago tinha ido com ele “até ali”??? Aquelas três a mais, no entanto, mexeram com seu coração humanista… Assim fizeram certos analistas “isentos”: “Até aqui fui com o PT; agora não mais!”. Faço a eles pergunta semelhante à que fiz à época a Saramago: “Por quê? Tudo o que PT havia feito até então parecia pouco?”.
Luiza
Erundina, que foi vice por dois dias na chapa de Fernando Haddad,
recorreu a uma imagem que vira emblema dessa leitura torta sobre o PT: “Maluf
quer aparecer em outra imagem, que não aquela de estar sendo procurado
pela Interpol. Ele se higieniza ao lado de forças que não têm nada a ver
com o malufismo. Somos do outro lado. Só quem ganha nisso é ele,
aparecendo, falando comemorando junto. É todo o significado que tem”.
Erundina está absurdamente errada porque, e vou demonstrar isto aqui, o
que se tem é justamente o contrário — e alguns leitores acertaram na
mosca: É O PT QUE USA MALUF PARA SE HIGIENIZAR, DEPUTADA, NÃO O CONTRÁRIO!
No projeto de poder petista, quem, para ficar no paradigma vocabular
escolhido, “suja” o PT é Erundina; Maluf, ao contrário, ainda que a
muitos pareça incrível, ajuda a “lavar” o projeto hegemônico. Vou
explicar tudo direitinho. Antes, uma questão de natureza conceitual.
A questão conceitual
Um partido — e isto é teoria política, não paranoia, como acusaria aquele economista que tem de se conter para não cair de boca no Sonho de Valsa — está a caminho de construir a hegemonia quando determina até os critérios segundo os quais será criticado. Ou por outra: quando aqueles que se opõem a suas orientações o fazem segundo marcos que ele próprio estabeleceu. Eis o partido tornado, como queria o teórico comunista Antonio Gramsci, “um novo imperativo categórico”, um “laicismo moderno”, de sorte que tudo o que se pensa só faz sentido segundo o que é e o que não é útil a esse partido.
Um partido — e isto é teoria política, não paranoia, como acusaria aquele economista que tem de se conter para não cair de boca no Sonho de Valsa — está a caminho de construir a hegemonia quando determina até os critérios segundo os quais será criticado. Ou por outra: quando aqueles que se opõem a suas orientações o fazem segundo marcos que ele próprio estabeleceu. Eis o partido tornado, como queria o teórico comunista Antonio Gramsci, “um novo imperativo categórico”, um “laicismo moderno”, de sorte que tudo o que se pensa só faz sentido segundo o que é e o que não é útil a esse partido.
Ora, quando
Maluf é contrastado com o petismo, tomando-se o deputado do PP como
símbolo de tudo o que há de ruim na política brasileira — e isso, em si,
é verdade —, está-se partindo de um pressuposto, PETISTA EM ESSÊNCIA,
segundo o qual o PT é, então, a antítese de Maluf. O erro é brutal e se
dá em duas dimensões, uma mais rasa, revelada pelo noticiário cotidiano,
e outra mais profunda, que requer algumas especulações além da notícia.
Fixemo-nos primeiro na dimensão mais superficial do engano, e
demonstrá-la é tarefa simples. Pode alguém advogar a pureza ética, ora
supostamente conspurcada, do partido que fez o mensalão? Pode alguém
advogar a pureza ética, ora supostamente maculada, do partido que
patrocinou o escândalo dos aloprados? Pode alguém advogar a pureza
ética, ora supostamente violada, do partido capaz de criar uma CPI para
perseguir adversários, tentando impedir que uma central de escândalos
como a Delta seja investigada?
Que pureza de lupanar é essa?
Calma aí,
senhoras carpideiras, a derramar cachoeiras de lamentos por causa dos
descaminhos do partido puro! Em que a moralidade de Paulo Maluf é
essencialmente diferente da moralidade dos petistas? Maluf é pior do que
José Dirceu? Por quê? Lambanças acabam de derrubar o presidente do
Banco do Nordeste — sim, em razão de reportagens da imprensa que os
vigaristas chamam “golpista”. Ele era homem do deputado federal José
Nobre (PT-CE), chefe daquele pobre-coitado que foi flagrado, em 2005,
com a cueca cheia de dólares, notoriamente mero pau-mandado. Nobre,
calculem, é considerado figura em ascensão no partido. É irmão de José
Genoino, presidente do PT quando estourou o escândalo do mensalão e um
dos réus no processo que tramita no STF. Ora, por que, afinal de contas,
Maluf não pode se juntar com o PT? Dólares ilegais na cueca, nas Ilhas
Jersey ou num banco em Miami para pagar Duda Mendonça pela campanha
eleitoral de Lula, qual é a diferença? Eu lhes conto qual é a diferença:
Maluf há tempos é tratado, e com razão, como uma figura detestável da
política, e Lula, o chefe da organização petista, é considerado um
herói. Inclusive por esses que ficam derramando lágrimas. Será que Maluf
não pode se juntar com o governo que levou a Caixa Econômica Federal a
comprar o Panamericano, um banco quebrado?
Por que não?
Eis a
dimensão que chamo mais rasa, que pode ser percebida com uma simples
pesquisa no Google. O elenco de malfeitos e de operações suspeitas do
petismo no governo federal — e, se quiserem, de administrações estaduais
e municipais — referenda uma observação que já se fez aqui: a diferença
entre Maluf e o PT é aquela que existe em “Era Uma Vez no Oeste” entre a
pistolagem que chegava a cavalo — bruta, mas algo romântica — e aquela
que vinha de trem: não menos bruta, mas já profissional.
A dimensão profunda
Agora vamos à dimensão mais profunda, esta mais difícil de detectar porque requer algum aporte teórico para entender o projeto de poder petista. De saída, cumpre notar: os petistas não são socialistas à moda antiga, do tipo que ainda mandam flores… vermelhas para a camarada. Isso é uma bobagem — a rigor, nunca chegou a ser assim. O próprio Babalorixá de Banânia, como o jornalista José Nêumanne demonstra em detalhes no livro “O que sei de Lula”, jamais foi de esquerda. Ao contrário até: tem uma visão de mundo que as esquerdistas de antigamente chamariam “conservadora”. E sempre soube se orientar muito bem nos bastidores do poder. Tudo bem analisado, a sua ascensão no sindicalismo, leiam lá, se deveu a uma espécie de golpe desferido contra antigos “companheiros”. Muito bem, dito isso, vamos adiante.
Agora vamos à dimensão mais profunda, esta mais difícil de detectar porque requer algum aporte teórico para entender o projeto de poder petista. De saída, cumpre notar: os petistas não são socialistas à moda antiga, do tipo que ainda mandam flores… vermelhas para a camarada. Isso é uma bobagem — a rigor, nunca chegou a ser assim. O próprio Babalorixá de Banânia, como o jornalista José Nêumanne demonstra em detalhes no livro “O que sei de Lula”, jamais foi de esquerda. Ao contrário até: tem uma visão de mundo que as esquerdistas de antigamente chamariam “conservadora”. E sempre soube se orientar muito bem nos bastidores do poder. Tudo bem analisado, a sua ascensão no sindicalismo, leiam lá, se deveu a uma espécie de golpe desferido contra antigos “companheiros”. Muito bem, dito isso, vamos adiante.
Lula não é
de esquerda, mas é autoritário. Suas decisões recentes no partido o
comprovam à larga. Esse autoritarismo se estende também à sua concepção
de poder. Influenciado pelas esquerdas — sim, elas existiam — que
ajudaram a criar o PT, o Apedeuta passou um bom tempo fazendo um
discurso com forte conteúdo classista, com sotaque socializante, avesso a
alianças com “partidos da burguesia” ou com “forças conservadoras”. Na
face indigna de sua história, o homem que agora vai à casa de Paulo
Maluf recusou o apoio de Ulysses Guimarães no segundo turno das eleições
de 1989, contra Fernando Collor. Escrevo de novo: o homem que repudiou o
apoio de Ulysses e que proibiu seu partido de participar do colégio
eleitoral que elegeu Tancredo Neves foi prestar homenagens a Maluf —
nada menos do que o adversário de Tancredo no Colégio Eleitoral!
Política de alianças
Num dado momento, o PT percebeu fragilidades e fissuras na política brasileira. ATENÇÃO PARA ISTO: em vez de corrigidas, pensaram os chefões, elas deveriam ser revertidas em ações benéficas à construção, consolidação e fortalecimento do partido. E decidiram, então, aderir às alianças políticas. Socialista à moda antiga o partido não era. Mas autoritário sempre foi e é. Desde que mudou a sua prática — E AQUI ESTÁ O BUSÍLIS PRINCIPAL DESTA ANÁLISE — e passou a fazer composições, os petistas buscam de modo obcecado forças antes ditas “conservadoras”. O objetivo é “lavar”, disfarçar, travestir o projeto político do partido, que continua o mesmo: constituir-se como Partido Único. “Ah, como Reinaldo é paranoico!”, diriam os comedores de bombons. “Isso é impossível no Brasil!” Não se trata, bobinhos, de partido único à moda cubana ou chinesa (bem que eles gostariam, mas sabem ser impossível). Trata-se de deter a hegemonia do processo político de tal sorte que as demais forças organizadas da sociedade se tornem irrelevantes. E não só as da política. Gilberto Carvalho, sempre ele!, alertou os petistas para a necessidade de comçear a enfrentar os evangélicos, como vocês bem se lembram.
Num dado momento, o PT percebeu fragilidades e fissuras na política brasileira. ATENÇÃO PARA ISTO: em vez de corrigidas, pensaram os chefões, elas deveriam ser revertidas em ações benéficas à construção, consolidação e fortalecimento do partido. E decidiram, então, aderir às alianças políticas. Socialista à moda antiga o partido não era. Mas autoritário sempre foi e é. Desde que mudou a sua prática — E AQUI ESTÁ O BUSÍLIS PRINCIPAL DESTA ANÁLISE — e passou a fazer composições, os petistas buscam de modo obcecado forças antes ditas “conservadoras”. O objetivo é “lavar”, disfarçar, travestir o projeto político do partido, que continua o mesmo: constituir-se como Partido Único. “Ah, como Reinaldo é paranoico!”, diriam os comedores de bombons. “Isso é impossível no Brasil!” Não se trata, bobinhos, de partido único à moda cubana ou chinesa (bem que eles gostariam, mas sabem ser impossível). Trata-se de deter a hegemonia do processo político de tal sorte que as demais forças organizadas da sociedade se tornem irrelevantes. E não só as da política. Gilberto Carvalho, sempre ele!, alertou os petistas para a necessidade de comçear a enfrentar os evangélicos, como vocês bem se lembram.
Em 2002, o
PT escreveu a sua carta de conversão ao capitalismo porque pesava ainda
uma, em muitos aspectos, injusta desconfiança sobre a adesão do partido
à economia de mercado. Muito modestamente, então no site e revista
Primeira Leitura, escrevi algo assim: “Vamos parar de besteira! O PT não
é candidato a implementar o socialismo no Brasil; ele é candidato a pôr
a sua canga no capitalismo que temos”. Acho que acertei. Cercado de
desconfiança, o partido deu a potentados do capital financeiro e
industrial o que eles não teriam ousado pedir a um “partido de direita”.
Entenda o
partido que a senhora ajudou a criar e do qual teve de sair, deputada
Erundina! O PT precisa de forças que ele próprio chama “de direita” para
tentar aniquilar qualquer um que lhe faça oposição. Em 2002, quando
buscava um vice, a única exigência era esta: tinha de ser do campo
conservador. E encontraram o então senador José Alencar. Ora, é evidente
que o PSDB ou José Serra estão à esquerda, respectivamente, de PP e
Paulo Maluf! Ocorre que esses dois não representam empecilho ao tal
projeto hegemônico — logo, são aliados. ASSIM, NÃO É MALUF QUE BUSCA O
PT PARA SE HIGIENIZAR. É O PT QUE BUSCA MALUF PARA, A UM SÓ TEMPO,
EXIBIR A SUA FACE SUPOSTAMENTE PLURAL, TOLERANTE E INCLUSIVA E PARA DAR
PROSSEGUIMENTO AO PROJETO DO PARTIDO ÚNICO.
Gilberto
Carvalho confessou isso anteontem com clareza inequívoca. Defendeu a
aliança com Maluf deixando claro que o PT está no comando. José Dirceu
fez a mesma coisa. Quem não cabe nesse processo é justamente Luiza
Erundina — não por acaso, pertencia ao partido e teve de deixá-lo. Ela
já não cabe porque fala aquela linguagem do socialismo à moda antiga —
chegou até a evocar “a luta de classes”. Ela já não cabe porque relembra
aquele partido que queria se dirigir aos “oprimidos” (e o PT é hoje uma
força da ordem, que tem muita intimidade com os que a ex-prefeita
considera “opressores”). Ela já não cabe porque cria obstáculos à
aliança com o capeta se o capeta ajudar a vencer o único núcleo mais ou
menos organizado que ainda pode liderar uma resistência ao PT: os
tucanos! A propósito: não foi Lula quem disse que Jesus Cristo, se
voltasse à terra, acabaria tendo de se aliar ao demônio? O “cristo” de
Lula, por óbvio, é uma criação à sua imagem e semelhança.
Não sei se o
PT será bem ou malsucedido ao se aliar a Maluf. O que sei é que a
aliança é absolutamente coerente porque não há entre eles diferença
nenhuma de moralidade — a do deputado do PP leva alguma vantagem porque
ligeiramente menos cínica — e porque Maluf é mais um, vá lá,
“conservador” cooptado na saga para aniquilar o que resta de oposição no
país. Assim, ele é, a um só tempo, uma conquista e uma presa. E olhem,
para citar Lula, que o ex-prefeito, muito provavelmente, ainda não é o
diabo. Imaginem quando chegar a hora…
REV VEJA
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