O STF e o mensalão
O Estado de S.Paulo
A história do Supremo Tribunal
Federal (STF) - como sucede com toda instituição criada e operada por
seres humanos - registra altos e baixos. Longos são os capítulos de
grandeza e raras as manifestações desabonadoras. Não devemos ignorar, no
entanto, a frase implacável de João Mangabeira, encontrada na obra Ruy:
o Estadista da República: "O órgão que, desde 1892 até 1937, mais
falhou à República não foi o Congresso. Foi o Supremo Tribunal Federal".
Leda Boechat Rodrigues e o
ministro Edgard Costa estão entre os grandes historiadores da Suprema
Corte. A primeira cuidou, em dois volumes, do período compreendido entre
1891 e 1910. O segundo, em quatro volumes, transcreve julgamentos
ocorridos de 1892 a 1966. Entre tantos se destaca o mandado de
segurança, cumulado com habeas corpus, em benefício de João Café Filho,
afastado da Presidência da República pelo general Henrique Teixeira
Lott, ministro da Guerra.
Não cabe aqui analisar os motivos
de Lott. Vou-me ater ao voto do ministro Nelson Hungria, quando diz:
"Contra uma insurreição pelas armas, coroada de êxito, somente uma
contrainsurreição com maior força. E esta, positivamente, não poderia
ser feita pelo Supremo, que não iria cometer a ingenuidade de, numa
inócua declaração de princípios, expedir mandado para cessar a
insurreição. Aí está o nó górdio que o Poder Judiciário não pode cortar,
pois não dispõe da espada de Alexandre. O ilustre impetrante, ao que me
parece, bateu em porta errada".
Não há paralelo entre essa causa e
o "mensalão". Afinal, o País não se encontra às voltas com nenhuma
insurreição armada. Tampouco se põe em questão o desassombro e a
independência dos srs. ministros do STF. Além da complexidade da
matéria, inexiste, contudo, dúvida quanto à estreita ligação política
dos acusados com o governo federal da época. Não fosse por isso, seria
apenas mais um dos feitos submetidos ao julgamento do Supremo, que, no
caso, é foro único e privilegiado.
A causa tramita desde 2006, quando
o então procurador-geral da República, dr. Antonio Fernando Barros e
Silva de Souza, denunciou ao STF 40 acusados no maior escândalo político
das últimas décadas.
A lentidão é inimiga pertinaz do
Judiciário. Para certos magistrados, o tempo inexiste, ou não conta. É
da morosidade, todavia, que o crime e a impunidade se alimentam.
Ignora-se melhor fermento para a corrupção do que a certeza de que o
tempo agirá como solvente e fará cair no esquecimento a conduta ilícita.
Algumas justificativas são
apresentadas com o propósito de isentar de culpa os juízes vagarosos: a
fadiga, o acúmulo de serviço, a impermeabilidade da magistratura a
pressões externas. Convenhamos, porém, que dos integrantes do Poder
Judiciário se espera disposição para tarefas que, ao se candidatarem ao
cargo, sabiam extenuantes.
Quanto ao acúmulo, a morosidade é
das maiores responsáveis, por se deixar para amanhã o que se deveria ter
feito ontem. A Constituição da República de 1988 assegura, entre os
direitos e garantias fundamentais, a razoável duração do processo. A
carga mais pesada de trabalho, em qualquer julgamento, incumbe ao
relator, cuja tarefa é suplementada pelo revisor. Compete-lhes submeter
ao plenário do tribunal relatório que condensará as principais
ocorrências registradas no andamento da causa, a fim de facilitar a
proferição dos votos restantes.
A informatização facilitou a
tarefa de julgar. Além do revisor, os membros do tribunal têm imediato
acesso ao relatório, pela rede interna de comunicação. Considero
excessivo o prazo de cinco anos, decorridos do recebimento da denúncia,
em março de 2012. Não houve escassez de tempo para que os ministros da
Suprema Corte se sentissem em condição de julgar.
O egrégio Supremo Tribunal Federal
está sob pressão, mas voltado para o interesse geral no julgamento da
causa. Pressão legítima, que resulta do sentimento coletivo de
cidadania, rogando ao Supremo o cumprimento do dever de se pronunciar.
A nossa mais Alta Corte está farta
de saber que não goza de imunidade diante do correr dos dias. Já se
ouve dizer que o "mensalão" será julgado somente no segundo semestre
deste ano, mas sem definição de data.
Ora, no segundo semestre haverá o
recesso judiciário do mês de julho, paralisando os trabalhos da Corte.
Em seguida virão as eleições em 5.564 municípios. Dois dos 11 ministros
do Supremo Tribunal participam do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com
as atenções divididas entre o STF e o TSE, Suas Excelências terão tempo
para se dedicar ao "mensalão"?
Não bastasse, o ministro Carlos
Ayres Britto vai se aposentar em novembro, fato que exigirá do Supremo a
escolha de novo presidente. Logo depois teremos o recesso de Natal e as
férias de janeiro. Essas e outras circunstâncias somadas, não será
improvável que o julgamento seja deixado para 2013.
Prescrição é contagem regressiva. A
cada hora mais se avizinha o momento em que os acusados serão
agraciados pela inércia. A denúncia formulada pela Procuradoria-Geral da
República cairá, então, no vazio. Tornar-se-á inútil. Os acusados
ficarão livres das acusações pela inexorável ação do tempo. E voltarão a
ter ficha limpa, aptos a disputar mandato ou a exercer cargos de
confiança.
Não é ao que aspira a Nação
vigilante. O povo aguarda que irrecorrível decisão do STF identifique
culpados e inocentes. É o mínimo a se esperar do órgão máximo do Poder
Judiciário, sobretudo porque os réus o têm como foro único e
privilegiado.
Neste momento histórico, os olhos
dos brasileiros estão concentrados em três ministros: Ayres Britto,
presidente, Joaquim Barbosa, relator, e Ricardo Lewandowski, revisor.
Deles se espera que ingressem e permaneçam, com honras e glórias, na
História do Poder Judiciário.
*ALMIR PAZIANNOTTO PINTO É ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO, PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
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