Este artigo (que estou republicando) saiu n'O Globo de 25 de outubro de
2011. Poderia ter saído ontem.(vou republicar, ao longo da semana,
outros artigos que escrevi sobre o ex-presidente)
Lula para sempre
MARCO ANTONIO VILLA
O Globo - 25/10/2011
Luiz
Inácio Lula da Silva não é um homem de palavra. Proclamou diversas
vezes que, ao terminar o seu mandato presidencial, iria se recolher à
vida privada e se afastar da política. Mentiu. Foi mais uma manobra
astuta, entre tantas que realizou, desde 1972, quando chegou à diretoria
do sindicato de São Bernardo, indicado pelo irmão, para ser uma espécie
de porta-voz do Partidão (depois de eleito, esqueceu do acordo).
A
permanente ação política do ex-presidente é um mau exemplo para o país.
Não houve nenhuma acusação de corrupção no governo Dilma sem que ele
apoiasse enfaticamente o acusado. Lula pressionou o governo para não
"aceitar as pressões da mídia". Apresentou a sua gestão como exemplo, ou
seja, nunca apurou nenhuma denúncia, mesmo em casos com abundantes
provas de mau uso dos recursos públicos. Contudo, seus conselhos não
foram obedecidos.
Não
deve causar estranheza este desprezo pelo interesse público. É típico
de Lula. Para ele, o que vale é ter poder. Qualquer princípio pode ser
instrumento para uma transação. Correção, ética e moralidade são
palavras desconhecidas no seu vocabulário. Para impor a sua vontade
passa por cima de qualquer ideia ou de pessoas. Tem obtido êxito. Claro
que o ambiente político do país, do herói sem nenhum caráter, ajudou. E
muito.
Ao
longo do tempo, a doença do eterno poder foi crescendo. Começou na sala
de um sindicato e terminou no Palácio do Planalto. E pretende retornar
ao posto que considera seu. Para isso, desde o dia 1 de janeiro deste
ano, não pensa em outra coisa. E toda ação política passa por este
objetivo maior. Como de hábito, o interesse pessoal é o que conta.
Qualquer obstáculo colocado no caminho será ultrapassado a qualquer
custo.
O
episódio envolvendo o ministro do Esporte é ilustrativo. A defesa
enfática de Orlando Silva não dependeu da apresentação de provas da
inocência do ministro. Não, muito pelo contrário. O que contou foi a
importância para o seu projeto presidencial do apoio do PCdoB ao
candidato petista na capital paulista. Lula sabe que o primeiro passo
rumo ao terceiro governo é vencer em São Paulo. 2014 começa em 2012. O
mesmo se repetiu no caso do Ministério dos Transportes e a importância
do suporte do PR, independentemente dos "malfeitos", como diria a
presidente Dilma, realizados naquela pasta. E, no caso, ainda envolvia o
interesse pessoal: o suplente de Nascimento no Senado era o seu amigo
João Pedro.
O
egocentrismo do ex-presidente é antigo. Tudo passa pela mediação
pessoal. Transformou o delegado Romeu Tuma, chefe do Dops paulista, onde
centenas de brasileiros foram torturados e dezenas foram assassinados,
em democrata. Lula foi detido em 1980, quando não havia mais torturas.
Recebeu tratamento privilegiado, como mesmo confessou, diversas vezes,
em entrevistas, que foram utilizadas até na campanha do delegado ao
Senado. Nunca fez referência às torturas. Transformou a casa dos
horrores em hotel de luxo. E até chegou a nomear o filho de Tuma
secretário nacional de Justiça!!
O
desprezo pela História é permanente. Estabeleceu uma forte relação com o
símbolo maior do atraso político do país: o senador José Ribamar da
Costa, vulgo José Sarney. Retirou o político maranhense do ocaso
político. Fez o que Sílvio Romero chamou de "suprema degradação de
retrogradar, dando, de novo, um sentido histórico às oligarquias locais e
outorgando-lhes nova função política e social". E pior: entregou parte
da máquina estatal para o deleite dos interesses familiares, com
resultados já conhecidos.
O
desprezo pelos valores democráticos e republicanos serve para explicar a
simpatia de Lula para com os ditadores. Estabeleceu uma relação
amistosa com Muamar Kadafi (o chamou de "amigo, irmão e líder") e com
Fidel Castro (outro "amigo"). Concedeu a tiranos africanos ajuda
econômica a fundo perdido. Nunca - nunca mesmo - em oito anos de
Presidência deu uma declaração contra as violações dos direitos humanos
nas ditaduras do antigo Terceiro Mundo. Mas, diversas vezes, atacou os
Estados Unidos.
Desta
forma, é considerável a sua ojeriza a qualquer forma de oposição. Ele
gosta somente de ouvir a sua própria voz. Não sabe conviver com as
críticas. E nem com o passado. Nada pode se rivalizar ao que acredita
ser o seu papel na história. Daí a demonização dos líderes sindicais que
não rezavam pela sua cartilha, a desqualificação dos políticos que não
aceitaram segui-lo. Além do discurso, usou do "convencimento"
financeiro. Cooptou muitos dos antigos opositores utilizando-se dos
recursos do Erário. Transformou as empresas estatais em apêndices dos
seus desejos. Amarrou os destinos do país ao seu projeto de poder.
Como
o conde de Monte Cristo, o ex-presidente conta cada dia que passa. A
sua "vingança" é o retorno, em 2014. Conta com a complacência de um país
que tem uma oposição omissa, ou, na melhor das hipóteses, tímida. Detém
o controle absoluto do PT. Usa e abusa do partido para fortalecer a sua
capacidade de negociação com outros partidos e setores da sociedade. É
obedecido sem questionamentos.
Lula
é uma avis rara da política brasileira. Nada o liga à nossa tradição. É
um típico caudilho, tão característico da América Hispânica.
Personalista, ególatra, sem princípios e obcecado pelo poder absoluto.
E, como todo caudilho, quer se perpetuar no governo. Mas os retornos na
América Latina nunca deram certo. Basta recordar dois exemplos: Getúlio
Vargas e Juan Domingo Perón.
DO BLOG DO VILLA
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