Nascido da colisão frontal entre a desfaçatez dos assaltantes de cofres públicos e a indignação de milhares de jovens em ação no Facebook, o movimento que transbordou da internet para as ruas neste 7 de Setembro ainda engatinha. Por enquanto, o traço comum entre os grupos fundadores é o inconformismo com a corrupção endêmica. Não houve tempo para a montagem de algum programa que estabeça prioridades consensuais e identifique com nitidez as metas a atingir, os alvos imediatos e o inimigo principal. Faltam slogans e palavras de ordem que façam o resumo da ópera eficácia e objetividade. Ainda não existem líderes reconhecidos por todas as alas, o verde-amarelo se alterna com o preto e o nome oficial não foi definido. Embora relevantes, são questões que podem esperar. Os jovens comandantes saberão fazer a melhor opção na hora certa.
Se ainda engatinha, o movimento esbanja saúde, comprovam os resultados da primeira aparição pública. Quem acompanhou o ato de protesto na Avenida Paulista pôde contemplar uma reveladora amostra da novíssima geração de brasileiros ─ um fascinante universo que a imprensa não enxerga e os políticos de todos os partidos desconhecem. Ninguém previu que os jovens insatisfeitos com o Brasil sangrado pela bandidagem de estimação precisariam de apenas um dia para escancarar as rugas, a flacidez, a velhice de entidades, instituições, indivíduos, teorias ou conceitos que, até a véspera, não pareciam tão desoladoramente decrépitos.
A anunciação da primavera brasileira transferiu para o museu das antiguidades do século passado os que subestimam o poder de fogo da internet, os que duvidam do interesse dos moços por questões políticas e os que não acreditam na existência de militantes fora dos partidos. Mal passa dos 20 anos a idade média dos organizadores dos protestos que, ignorados pela imprensa, reuniram milhares de manifestantes mobilizados por redes sociais, sites e blogs. Confrontados com o frescor e a independência dos jovens em guerra contra a corrupção, os matusaléns arrendados da União Nacional dos Estudantes Amestrados, a antiga UNE, foram remetidos ao mausoléu dos pelegos.
A paisagem reinventada da Avenida Paulista exibiu o tamanho do fosso que separa manifestantes e partidos deformados pela senilidade precoce, pela covardia congênita, pelo cinismo vocacional e pela revogação dos valores éticos. Alguns integrantes da Juventude do PSDB apareceram com uma faixa. Tiveram de enrolar a má ideia. Três ou quatro devotos do PSTU apareceram com um estandarte. Foram aconselhados a guardá-lo. Cinco ou seis militantes do PT apareceram com uma bandeira vermelha. Como se recusaram a arriá-la, o pedaço de pano foi queimado ao som de duas palavras de ordem que justificaram o bota-fora de tucanos e socialistas xiitas: Primeira: “Saí daí, otário: o movimento é apartidário”. A segunda começava com o palavrão que rima com o fecho: “Nossa única bandeira é a bandeira do Brasil”.
As inscrições nas faixas e as mensagens gritadas em coro reafirmaram que os manifestantes não estão a serviço de ninguém. Exigem a punição dos corruptos, pedem cadeia para os gatunos, fustigam a turma da ficha suja, recomendam que o dinheiro tungado seja investido em saúde e educação, recordam o escândalo do mensalão e informam que as vítimas do roubo em escala industrial são os pagadores de impostos. Nesta quarta-feira, para não serem associados à oposição oficial, hostilizaram apenas três unanimidades: José Sarney, Jaqueline Roriz e José Dirceu. Três prontuários mais encorpados que os programas dos partidos a que pertencem.
Um movimento gerado pela ladroagem institucionalizada não conseguiria poupar por muito tempo os mentores da decomposição moral do Brasil. Cedo ou tarde, ficaria evidente que não há como marchar contra a corrupção sem tropeçar nos arquitetos do aparelhamento da máquina estatal e no loteamento das verbas dos ministérios. Lula não inventou a corrupção, mas foi ele quem transformou contratos de aluguel em instrumentos de poder. Se há corruptos em todos os partidos, em nenhum lugar do mundo há tantos delinquentes por metro quadrado como num encontro do PT com a base alugada. Em dois ou três meses, os jovens que lutam pela decência teriam de lancetar o tumor em sua fonte.
Foram poupados da opção inevitável pelo açodamento dos blogueiros estatizados e dos jornalistas federais, que vestiram imediatamente a carapuça e simplificaram as coisas. “Nossos corruptos são bons companheiros”, berram nas entrelinhas os palavrórios raivosos que, enquanto tentam reduzir as dimensões dos atos de protesto, investem contra os fantasmas de sempre. Um sacristão da seita maniqueísta já enxergou por trás da manifestação outra sórdida tentativa de derrubar o governo, tramada pela elite golpista, por granfinos quatrocentões e pelos loiros de olhos azuis. Definitivamente, faltam neurônios e sobram neuroses a adoradores de divindades de araque que viraram cúmplices de corruptos juramentados.
Expostos ao Sete de Setembro ensolarado por manifestações que podem moldar um Brasil muito mais luminoso, os porta-vozes do país que parece um grande clube dos cafajestes foram reduzidos a cinzas como dráculas de cinema. Vampiros de cofres públicos e suas velharias domesticadas não suportam a claridade.
AUGUSTO NUNES
REVISTA VEJA
Se ainda engatinha, o movimento esbanja saúde, comprovam os resultados da primeira aparição pública. Quem acompanhou o ato de protesto na Avenida Paulista pôde contemplar uma reveladora amostra da novíssima geração de brasileiros ─ um fascinante universo que a imprensa não enxerga e os políticos de todos os partidos desconhecem. Ninguém previu que os jovens insatisfeitos com o Brasil sangrado pela bandidagem de estimação precisariam de apenas um dia para escancarar as rugas, a flacidez, a velhice de entidades, instituições, indivíduos, teorias ou conceitos que, até a véspera, não pareciam tão desoladoramente decrépitos.
A anunciação da primavera brasileira transferiu para o museu das antiguidades do século passado os que subestimam o poder de fogo da internet, os que duvidam do interesse dos moços por questões políticas e os que não acreditam na existência de militantes fora dos partidos. Mal passa dos 20 anos a idade média dos organizadores dos protestos que, ignorados pela imprensa, reuniram milhares de manifestantes mobilizados por redes sociais, sites e blogs. Confrontados com o frescor e a independência dos jovens em guerra contra a corrupção, os matusaléns arrendados da União Nacional dos Estudantes Amestrados, a antiga UNE, foram remetidos ao mausoléu dos pelegos.
A paisagem reinventada da Avenida Paulista exibiu o tamanho do fosso que separa manifestantes e partidos deformados pela senilidade precoce, pela covardia congênita, pelo cinismo vocacional e pela revogação dos valores éticos. Alguns integrantes da Juventude do PSDB apareceram com uma faixa. Tiveram de enrolar a má ideia. Três ou quatro devotos do PSTU apareceram com um estandarte. Foram aconselhados a guardá-lo. Cinco ou seis militantes do PT apareceram com uma bandeira vermelha. Como se recusaram a arriá-la, o pedaço de pano foi queimado ao som de duas palavras de ordem que justificaram o bota-fora de tucanos e socialistas xiitas: Primeira: “Saí daí, otário: o movimento é apartidário”. A segunda começava com o palavrão que rima com o fecho: “Nossa única bandeira é a bandeira do Brasil”.
As inscrições nas faixas e as mensagens gritadas em coro reafirmaram que os manifestantes não estão a serviço de ninguém. Exigem a punição dos corruptos, pedem cadeia para os gatunos, fustigam a turma da ficha suja, recomendam que o dinheiro tungado seja investido em saúde e educação, recordam o escândalo do mensalão e informam que as vítimas do roubo em escala industrial são os pagadores de impostos. Nesta quarta-feira, para não serem associados à oposição oficial, hostilizaram apenas três unanimidades: José Sarney, Jaqueline Roriz e José Dirceu. Três prontuários mais encorpados que os programas dos partidos a que pertencem.
Um movimento gerado pela ladroagem institucionalizada não conseguiria poupar por muito tempo os mentores da decomposição moral do Brasil. Cedo ou tarde, ficaria evidente que não há como marchar contra a corrupção sem tropeçar nos arquitetos do aparelhamento da máquina estatal e no loteamento das verbas dos ministérios. Lula não inventou a corrupção, mas foi ele quem transformou contratos de aluguel em instrumentos de poder. Se há corruptos em todos os partidos, em nenhum lugar do mundo há tantos delinquentes por metro quadrado como num encontro do PT com a base alugada. Em dois ou três meses, os jovens que lutam pela decência teriam de lancetar o tumor em sua fonte.
Foram poupados da opção inevitável pelo açodamento dos blogueiros estatizados e dos jornalistas federais, que vestiram imediatamente a carapuça e simplificaram as coisas. “Nossos corruptos são bons companheiros”, berram nas entrelinhas os palavrórios raivosos que, enquanto tentam reduzir as dimensões dos atos de protesto, investem contra os fantasmas de sempre. Um sacristão da seita maniqueísta já enxergou por trás da manifestação outra sórdida tentativa de derrubar o governo, tramada pela elite golpista, por granfinos quatrocentões e pelos loiros de olhos azuis. Definitivamente, faltam neurônios e sobram neuroses a adoradores de divindades de araque que viraram cúmplices de corruptos juramentados.
Expostos ao Sete de Setembro ensolarado por manifestações que podem moldar um Brasil muito mais luminoso, os porta-vozes do país que parece um grande clube dos cafajestes foram reduzidos a cinzas como dráculas de cinema. Vampiros de cofres públicos e suas velharias domesticadas não suportam a claridade.
AUGUSTO NUNES
REVISTA VEJA
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