Gabriel Chalita — a face mais terna de Michel Temer, Wagner Rossi e Baleia Rossi em São Paulo — deu um fantástico truque em alguns milhares de eleitores. Expressão de uma fatia do eleitorado conservador (e vocês sabem que, na minha pena, essa palavra não é palavrão, muito pelo contrário!), ele enganou a turma, aliou-se ao que pode haver de mais atrasado na vida partidária brasileira e, de quebra, virou um serviçal do lulo-petismo em São Paulo. Não por acaso, o Apedeuta o chamou para um papinho ontem. O ex-tucano, ex-socialista e atual peemedebista fazia-se acompanhar, vejam só!, de Lurian, a filha do Babalorixá, que é, atualmente, sua “assessora”.
Aqui e ali, em certas áreas da política paulista — mais especificamente, “paulistana” — e da imprensa, Chalita, que ganhou expressão pelas mãos de Geraldo Alckmin, é apontado como o candidato in pectore do governador à Prefeitura. Os mais imaginosos falam até na existência de um acordo secreto. O caminho seria este: Alckmin forçaria a mão em favor de um candidato sabidamente inviável, com o fito de cristianizá-lo (quem ignora deve pesquisar o sentido da palavra “cristianização”), para apoiar, de fato, Chalita. E poderia fazê-lo de modo explícito num eventual segundo turno. O governador ainda teria a desculpa, dizem os que vão mais adiante na possibilidade, de alegar que estaria atuando para fraturar o apoio incondicional do PMDB ao PT.
Eu não sou aquele tipo de colunista onisciente, vocês sabem, a exemplo de narradores de romance que sempre sabem o que vai na consciência das personagens e conhecem bastidores e intenções secretas dos protagonistas. Acho que mais acerto do que erro — vocês avaliam — lidando com um instrumento que me parece fundamental na análise política: a lógica. Não duvidem: se, em certos momentos, ela parece falhar, o analista é que estava lidando com informações precárias. Os agentes políticos, por óbvio, não atuam sempre segundo as circunstâncias de sua escolha, mas, dado um evento, seu comportamento será sempre previsível (desde que se lide com os dados certos, é óbvio).
Assim, não serei eu aqui a dizer se Alckmin fez ou não um acordo secreto com Gabriel Chalita. Com base na lógica, sustento que o tucano é inteligente — e sagaz — o bastante para não tê-lo feito. Acho que o governador já viveu o bastante para saber que a grande tentação da criatura — e poucos conseguem mitigá-la — é trair o criador porque, essencialmente, sente inveja daquele que o deu à luz. Não por acaso, o romance “Frankenstein”, de Mary Shelley, tem um subtítulo, ou título alternativo: “O Moderno Prometeu” — aquele que resolveu emular com Zeus…
A “criatura” composta por doutor Victor Frankenstein queria ser mais do que um experimento; a partir de um determinado momento, passa a sentir inveja do seu “pai”. Sua existência marginal não lhe basta. Sua vida lhe parece aborrecida. Ela anseia experimentar as sensações do criador. Deseja ter, por exemplo — estou falando do romance de Mary Shelley —, uma mulher. Doutor Victor Frankenstein se dá, então, conta da besteira que fez. O desfecho não poderia ser mais trágico. E uma nota curiosa à margem, que diz respeito apenas ao fenômeno literário-cultural: no romance, o monstrengo é sempre chamado de “a criatura”. Frankenstein é quem é: o médico. Ali na fronteira da metáfora com a metonímia, no entanto, “Frankenstein” passou a ser sinônimo do monstrengo, da criatura. O criador perdeu sua identidade. Coisas que nos parecem desconjuntadas, malformadas ou deformadas são chamadas de “frankenstein”. Adiante.
Em muitos aspectos, de fato, Alckmin “criou” Chalita, mas a “criatura”, nota-se, decidiu ter vôo próprio na política. Não há feitiçaria retórica que consiga explicar como a andança partidária do dito-cujo possa ser útil ao governador. Muito pelo contrário: usa, hoje, parte da base eleitoral que certamente votou e votaria em Alckmin para fazer a genuflexão no altar do lulo-petismo. Não por acaso, Lula o chamou para um papinho. Vê neste prolífico repetidor de clichês o caminho mais curto para desestruturar o PSDB em São Paulo. Alckmin certamente não teria chegado aonde chegou se não percebesse a natureza do jogo. A criatura ambiciosa trai o seu eleitorado original e também o seu criador.
A disputa para a Prefeitura em São Paulo tem tudo para ser o jogo dos ilusionistas. Lula quer Fernando Haddad como candidato — e topa qualquer coisa com Chalita — porque avalia que é o eleitorado de classe média que, na hora h, acaba recusando o PT. Aquele ar de bom moço do ministro da Mistificação Sem Educação, o leninista que não suja o shortinho, parece mais viável do que o de Marta Suplicy, que quase sempre diz o que pensa, para a nossa sorte… Chalita também parece ter o bico doce para setores de classe média, com aquela sua subliteratice amorosa e sub-religiosa. O PT se convenceu que só conseguirá apear os tucanos do poder em São Paulo — o partido quer a cadeira de Alckmin; a Prefeitura é só uma etapa — com candidatos que finjam ser o que não são. O partido, em suma, está convicto de que é preciso enganar o eleitorado paulistano e paulista para chegar lá.
E conta, para isso, com essa particular forma de monstrengo político que é Gabriel Chalita. À diferença do de Mary Shelley, ele faz o tipo “bonito-amoroso” — para quem gosta daquela, digamos assim, estética… Que já decidiu trair seu criador, disso não há menor dúvida, a menos que alguém imagine que Lula, em algum momento, pretenda uma aproximação com Alckmin… Aliás, à fábula de Shelley, pode-se agregar outra imagem literária para explicar Chalita. Ele se candidata a ser o Cavalo de Tróia de São Paulo. Caso vencesse a eleição, tão logo assumisse a Prefeitura, de dentro dele sairiam Michel Temer, Wagner Rossi, Baleia Rossi e… os petistas… E todos eles se uniriam para fazer com a cidade aquilo que já fazem com o país.
Supor que Alckmin não tenha clareza de que o alvo principal da tropa, inclusive de Chalita, é ele próprio é fazer pouco da inteligência do governador.
REV VEJA
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