sexta-feira, 12 de outubro de 2018
Havia toda uma demanda represada por parte do brasileiro, cansado de ver
o PT esticar a corda nos temas morais e de ver seus filhos doutrinados
nas escolas, mas que o PSDB jamais atendeu, ganhando o voto antipetista
menos pelos próprios méritos e mais por ser a única opção disponível e
viável para derrotar o petismo entre 2002 e 2014. Editorial da Gazeta do Povo:
Desde que saiu do poder, nas eleições de 2002, o PSDB nunca havia
feito menos de 20% no primeiro turno das eleições presidenciais – o pior
desempenho tinha sido o de José Serra, justamente em 2002, quando teve
23,19% dos votos válidos. O partido sempre tinha assumido o lado
antipetista do duopólio partidário que dominou a política brasileira
desde a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, mas naufragou de
forma catastrófica neste primeiro turno de 2018. A legenda não fez
nenhum governador no primeiro turno, embora possa manter São Paulo com
João Doria; viu suas bancadas no Senado e na Câmara reduzidas; e, acima
de tudo, seu candidato à Presidência, o ex-governador paulista Geraldo
Alckmin, amargou meros 4,76% dos votos válidos no primeiro turno, apesar
da ampla coligação construída e do maior tempo de televisão entre todos
os candidatos ao Planalto. Um fracasso que se manifestou de forma
repentina, mas que vinha sendo gestado logo que os tucanos deixaram o
Planalto.
Lula assumiu a Presidência lançando imediatamente o discurso da
“herança maldita” que havia recebido de Fernando Henrique Cardoso.
Inexplicavelmente, os tucanos se amedrontaram, em vez de confrontar o
discurso lulista com a verdade: o PSDB havia promovido a estabilização
da moeda com o Plano Real, quando FHC ainda era ministro de Itamar
Franco; aprovara a Lei de Responsabilidade Fiscal; havia criado os
programas sociais que o petismo reuniria no Bolsa Família; e havia
realizado privatizações que, se não tornaram perfeitos os serviços
concedidos à iniciativa privada, ampliaram e muito o acesso do
brasileiro a itens como telefonia. O PT havia votado contra o Plano Real
e a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas os tucanos não fizeram questão
de lembrar o país disso. A vergonha de defender o legado de FHC era
tanta que, em 2006, o mesmo Geraldo Alckmin chegou a aparecer, na
campanha presidencial em que foi derrotado por Lula, com uma jaqueta
recheada de logomarcas de estatais, prometendo que não privatizaria mais
nada.
Aliás, Alckmin só teve Lula como adversário em 2006 graças à tibieza
de seu partido. No ano anterior, Roberto Jefferson havia denunciado ao
país o esquema do mensalão, o primeiro golpe petista contra a
democracia, com a distribuição de dinheiro em troca da fidelidade de
bancadas inteiras. Com Lula acuado, o partido tinha todas as condições,
inclusive legais, para buscar um processo de impeachment, mas optou por
apenas desgastá-lo, contando que Lula chegaria enfraquecido à disputa
presidencial. Não foi o que ocorreu, e Alckmin conseguiu a proeza de ter
menos votos no segundo turno que no primeiro. Hoje, FHC jura não ser o
autor da estratégia; fato é que, em março de 2015, o ex-presidente disse
ao jornal O Estado de S.Paulo que “impeachment é como bomba atômica, é
para dissuadir, não para usar” – felizmente, o Congresso não seguiu seu
conselho em 2016.
Some-se a isso a incapacidade do partido em assumir uma posição firme
em temas morais. Apesar da conhecidíssima rejeição do brasileiro ao
aborto, à ideologia de gênero, à legalização das drogas e a outras
bandeiras do ideário da esquerda, o PSDB jamais fez questão se alinhar
explicitamente com a sociedade brasileira nesses assuntos (como, aliás,
todos os demais partidos, justiça seja feita). Quando, em 2010, o tema
do aborto emergiu a ponto de tirar de Dilma Rousseff uma vitória em
primeiro turno que parecia certa, isso ocorreu não por mérito do PSDB,
mas pela luta corajosa de líderes religiosos como dom Luiz Bergonzini,
bispo de Guarulhos (SP), e o pastor Paschoal Piragine, de Curitiba. Até
porque, naquela ocasião, o candidato que o PSDB estava oferecendo ao
país era José Serra, o ministro da Saúde de FHC que tinha assinado uma
norma técnica facilitando o aborto no Sistema Único de Saúde. E, mais
recentemente, o próprio Fernando Henrique ganhou notoriedade por
defender publicamente a legalização do uso da maconha.
Em resumo, havia toda uma demanda represada por parte do brasileiro,
cansado de ver o PT esticar a corda nos temas morais e de ver seus
filhos doutrinados nas escolas, mas que o PSDB jamais atendeu, ganhando o
voto antipetista menos pelos próprios méritos e mais por ser a única
opção disponível e viável para derrotar o petismo entre 2002 e 2014.
Como acabamos de lembrar neste mesmo espaço, quando surgiu um político
disposto a assumir essa pauta, o brasileiro o apoiou, ainda que
estivesse longe do perfil ideal do candidato à Presidência, e abandonou o
PSDB – ainda por cima, enfraquecido por também se ver afundado na
Operação Lava Jato, mesmo que não no mesmo nível do PT.
O PSDB continuará relevante no cenário nacional: mesmo reduzidas,
suas bancadas ainda são importantes e o partido tem quadros de
qualidade. Mas, se não quiser perder ainda mais do que perdeu em 2018,
tem de superar a guerra de vaidades interna e decidir para onde quer
rumar, e se realmente pretende ser uma voz em que o brasileiro pode
confiar, em vez de se portar como oposição tímida ao projeto de poder
petista. DO O.TAMBOSI
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