segunda-feira, 3 de setembro de 2018
"Um país que deixa sua memória histórica arder corre o perigo de queimar
com ela seu presente e seu futuro, comprometidos pelo abandono de seus
melhores valores, que agonizam asfixiados por uma classe política
incapaz de entender que não existem saltos na formação das novas
gerações". Artigo de Juan Arias - jornalista espanhol que trabalha no
Brasil há décadas, para o El País:
O incêndio que destruiu o Museu Nacional do Rio, e com ele 200 anos da história do Brasil,
foi mais do que um incêndio. As chamas são o triste símbolo de um país
que abandona a espinha dorsal da ciência, a da cultura e da arte para
privilegiar uma política mesquinha de pequenos interesses pessoais dos
que deveriam ser os guardiões da maior riqueza de um país, que é a
memória da sua cultura.
Não é por acaso que, ainda neste ano, nem um só ministro do Governo
tenha participado das festividades do bicentenário do Museu Nacional no
Rio. Não é por caso que todos os mecanismos de proteção do museu estavam
abandonados, e que os professores tivessem que pagar a passagem de
ônibus das faxineiras do museu, que já havia sido abandonado à própria
sorte.
As imagens dessas labaredas queimando o coração cultural e histórico do Brasil, que estão correndo o mundo, poderiam ser um triste presságio, às vésperas de uma eleição presidencial
que se prenuncia incendiária e incerta para este país. Quem estranha os
surtos autoritários e direitistas que estamos observando deveria
analisar o Museu Nacional em chamas, pela incúria de quem deveria ter
cuidado de preservar sua riqueza histórica. Poderia assim entender
melhor o voto de raiva de milhões de brasileiros desiludidos com um
sistema democrático que agoniza a partir da morte de seus valores
culturais.
Um país que deixa sua memória histórica arder corre o perigo de
queimar com ela seu presente e seu futuro, comprometidos pelo abandono
de seus melhores valores, que agonizam asfixiados por uma classe
política incapaz de entender que não existem saltos na formação das
novas gerações. Elas se constroem, se aperfeiçoam e se modernizam a
partir dessa memória do passado. Sem memória, os jovens que deverão
criar o novo Brasil sem romper o cordão umbilical com o que seus
antepassados lhe deixaram acabarão como náufragos sem bússola, num mar
já muito agitado pela incerteza e pelas nuvens negras antidemocráticas e
obscurantistas que o ameaçam.
Sem esperança, então? Não. Brasil é maior que seus melhores museus, e
todos os povos aprenderam na escola sobre seus fracassos e derrotas.
Que, das cinzas tristes e amargas do Museu Nacional do Rio, um novo
Brasil possa ressuscitar como a ave fênix da mitologia. Um Brasil que só
será melhor e mais justo se a cultura e a ciência chegarem a todos, em
vez de serem apenas patrimônio dos privilegiados.
Que as chamas do Museu Nacional, que hoje entristecem o Brasil e o
mundo, sirvam de alarme e de exame de consciência na hora de digitar,
dentro de algumas semanas, o voto na urna eletrônica, para não escolher
de novo os que têm sido incapazes de preservar a rica memória deste país
que hoje parece, como o museu que ardeu, abandonado à própria sorte. DO O.TAMBOSI
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