segunda-feira, 3 de setembro de 2018
As imagens que tomaram o Brasil nesta segunda-feira (3) do Museu Nacional do Rio de Janeiro
consumido pelas chamas, infelizmente, não são uma exceção. Incêndios
são os grandes vilões do patrimônio cultural brasileiro, como aponta
José Luiz Pedersoli Júnior, especialista em gestão de risco do Centro
Internacional para o Estudo da Preservação e Restauração do Patrimônio
Cultural (ICCROM), na Itália.
“O Museu Nacional é o triste caso da tragédia anunciada”, diz. “Os
incêndios são um grande fator de risco para museus, não só no Brasil,
mas em todo o mundo, pela combinação de fatores como grande quantidade
de materiais orgânicos inflamáveis e prédios históricos antigos, com
falta de estrutura e de manutenção. Além da legislação inadequada,
gestores com curto período de mandato e descaso com a cultura. A soma
final resulta em desastres incalculáveis como este.”
Segundo levantamento apresentado por Perdersoli em suas palestras,
pelo menos uma instituição cultural brasileira é destruída pelo fogo
anualmente. Analisando a década atual, em 2010, foi a vez do Instituto
Butantan, tragédia científica que destruiu 70.000 espécies de cobras
conservadas no local. Em 2011, o fogo consumiu a Capela São Pedro
Alcântara, outro prédio tombado sob administração da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mesma responsável pelo Museu Nacional.
Nos anos seguintes, estão listados os incêndios no Arquivo Público do
Estado de São Paulo (2012), Memorial da América Latina (2013), Centro
Cultural Liceu de Artes e Ofícios (2014), Museu da Língua Portuguesa
(2015), Cinemateca (2016) e a casa Erbo Stenzel, residência histórica do
escultor paranaense, em Curitiba (2017). Sem falar do Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro, em 1978, que perdeu mais de 1.000 obras de
arte, entre elas telas de Pablo Picasso e Salvador Dalí, em um prejuízo
estimado em 60 milhões de reais.
Prédios históricos atingidos por incêndios
Todas as tragédias citadas poderiam ter sido evitadas, afirma o
especialista. E muitos outros acervos continuam em risco. “A maioria dos
museus brasileiros não têm sistema de prevenção de incêndio. É a
regra”, diz.
Apesar de ser um evento anual, os incêndios são tratados como raros,
logo, as verbas de manutenção de casas culturais são destinadas para
prevenção de outras ameaças, como inundações, infiltrações e controle de
pragas. Apesar de raro, o fogo é catastrófico. “É um risco que não é
tratado de acordo com sua magnitude.”
Na maioria dos casos, a dificuldade está na mudança da estrutura das
construções, que possuem parte elétrica obsoleta e revestimentos de
madeira, que são rapidamente consumidos pelo fogo, além da falta de
mecanismos de supressão automática do fogo — como os sprinklers, sistema
ativado pelo calor, que solta água a partir de dutos no teto, ou combate
com gases limpos, que impedem que o fogo se propague, resfriando o
ambiente. Outra solução é a compartimentação corta-fogo, que isola o
incêndio na área em que ele começa, dando tempo para que os bombeiros se
preparem antes que ele se espalhe. “A legislação brasileira não exige
estas medidas em prédios históricos, ao contrário dos EUA e Canadá”, diz
Perdersoli.
“A verba para resolver estes problemas existe. A dificuldade é
sensibilizar as autoridades, para que estejam cientes do que é
prioritário, e que o povo volte suas atenções para a importância da
preservação cultural, mobilizando ações como esta”, afirma o
especialista, que finaliza: “O que aconteceu com o Museu Nacional é um
caso de negligência. Só depois da tragédia é que aparece a verba para
reconstrução. Por que, então, não usaram o dinheiro antes? É o barato
que sai caro. E é nosso patrimônio que se perde.” (Veja.com).DO O.TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário