quinta-feira, 5 de julho de 2018
Levantaram-se “ahs” e
“ohs” e acirrou-se a indignação complexada porque ─
meudeusdocéuqueabsurdo ─ o PT e Lula não queriam o ministro Alexandre de
Moraes como relator de mais uma petição da defesa do ex-presidente.
Muitos se espantaram e ficaram nos cascos porque ondeéquejáseviu um réu
pretender escolher juiz, tribunal, sentença. Onde? Aqui mesmo, senhores.
Neste Brasil, em que certa dona mídia inflama tudo em volta para dizer o
que faz diariamente um cadáver político de moral putrefata, cujos
miasmas só servem de suprimento de ar a radicalóides ─ anti e pró-Lula ─
que precisam dessa inflamação adensada para conseguir votos. Neste
Brasil, em que pesquisas o apresentam como candidato e as que o excluem
registram “num cenário sem Lula”, o que remete de imediato a um
fictício, mas contrabandeado entre os fatos, cenário com Lula. Num país
em que o juiz que condenou o delinquente afirmou, no despacho da
sentença, que a prisão preventiva era cabível, mas o deixaria solto
porque “pode ser traumática a prisão de um ex-presidente” e, quando
decidiu prendê-lo finalmente, enviou-lhe um convite-prisão pedindo
encarecidamente que o meliante incurável fizesse a
gentileza-se-não-fosse-incômodo de se encaminhar à delegacia mais
próxima; mas se não quisesse, poderia montar um picadeiro no Sindicato
dos Metalúrgicos de São Bernardo, pois a Justiça esperaria. Quantos
condenados são tratados assim?
Neste Brasil, em que
pessoas e coisas bordam com capricho de vó no enxoval do neto seus nomes
no manto autoritário da intocabilidade, qualquer crítica honesta e
pertinente é vista como ofensa pessoal, crime inafiançável, falta de
modos, mau gosto, além de ameaçar o futuro limpinho da nação. Neste
Brasil, em que parecia que o impeachment de Dilma Rousseff e a posse de
Temer devolveriam algum poder à sociedade, quando parecia que
amadureceríamos, o tal manto não foi rasgado, apenas se deslocou para a
Lava Jato que, também pelo tamanho, está sujeita a erros e reconhecê-los
serviria para aprimorá-la, não para extingui-la; deslocou-se também
para candidatos cujo moralismo oco é álibi para a bisonhice. Porque
vicejaram à sombra de tal deformidade, Lula e o PT acham que podem fazer
o que querem e o país, na sua lavoura arcaica de intocáveis, permanece
infantilizado à mercê do líder perfeito que nos revelará o Absoluto, na
forma do bom, belo e justo nem que seja na porrada. Depois do caçador de
marajás, tivemos o caçador “dazelite” e logo teremos o caçador de
corruptos, porque a promessa de amanhãs sorridentes do moralismo oco
pariu um mito para continuar a linhagem de predadores do futuro. Assim,
nascerá obsoleto o Brasil novo, já que o parto é feito por entes para os
quais o maior problema do Brasil velho é a corrupção, e não o Estado
hipertrofiado que o engendra. Nascerá decrépito já, embalado pela pior
das nossas mazelas, a da manutenção de privilégios, uma vez que as
forças parteiras combatem reformas com energia ainda maior com que
combatem a corrução.
As trombetas do
ultraje retumbaram também porque a defesa do jeca impetrou quase 80
recursos na Justiça disponíveis para quem pode pagar. Ora, é direito de
todo cidadão recorrer à Justiça quantas vezes a lei permitir e a
sociedade brasileira gasta 1,8% do PIB com o Judiciário (a média na
Europa é de 0,4%, segundo estudo do professor e pesquisador Luciano Das
Ros), incluindo a Defensoria Pública que deveria efetivar o direito dos
pobres a essa Justiça-dos-ricos. Novamente, os pobres são lembrados não
porque quem se lembra esteja mesmo preocupado com eles, mas porque
servem à disputa política entre os ministros do STF e entre este e o
MPF/Lava Jato. A consciência social intermitente dos heróis de suas
próprias causas devolve a pobrada para o fundo das galés quando as
sessões do STF terminam, as câmaras da TV Justiça se desligam e os
tuiteiros do MPF que abrem mão só dos privilégios alheios vão para casa.
Os que bradam contra os-direitos-só-acessíveis-aos-ricos-e-poderosos
não lutam para estender esses direitos aos pobres, mas para impor a
Justiça em que acreditam; nela a bandidagem menos favorecida é o que os
pobres são para o PT: álibi moral. Ou alguém viu, antes da discussão da
prisão em segunda instância ou depois de cada sessão a respeito algum
integrante do MPF ou o herói da direita tabajara, o ministro Roberto
Barroso, entoar algum discurso pungente, prorromper em lágrimas ou tomar
alguma atitude prática a respeito da injustiça dentro da Justiça?
Exemplo do uso
demagógico e oportunista dos pobres por parte dos Robin Hood perturbados
que tiram direitos dos ricos para não dar aos pobres foi a declaração
do procurador Deltan Dallagnol quando, na efetivação de algumas ações
fundamentais da intervenção federal no Rio de Janeiro, o ministro Raul
Jungmann solicitou mandado de busca e apreensão coletivo para favelas da
cidade. O procurador disse que “se cabe (o mandado coletivo) na favela
onde a maioria é honesta, cabe no Congresso”. Dallagnol sabe que cabe na
primeira porque, na confusão de becos labirínticos, muitos barracos não
têm endereço determinado; já no Congresso, cada parlamentar tem seu
gabinete delimitado e localizável. Basta solicitar um mandado
individual, se for o caso. O instrumento foi usado pela então presidente
companheira por ocasião da Copa de 2014, na tentativa de reforçar a
segurança ou diminuir a insegurança. O mandado foi expedido e cumprido
sob o silêncio do procurador que não se lembrou “da maioria honesta”.
A tentativa da defesa
de Lula em escolher o juiz e as centenas de recursos que ainda
impetrará não importam, discutir isso é afastar o país de si, é
confiná-lo a um debate que exclui a si mesmo: Lula passou a ser problema
de Lula, em vez de celebrar isso e cuidar de uma agenda política, o
Brasil fica na cela do jeca. Deixemos o delinquente lá; sairá, talvez,
mas voltará e sairá novamente, e o país não merece ficar nesse calabouço
simbólico em que se agasta por qualquer movimento da súcia. Vamos
estender, ao sol da varanda, nossos sonhos de país civilizado, os mais
loucos e secretos que escondemos como a noiva esconde do noivo o vestido
de casamento e ousemos trocar ou, ao menos, equilibrar a nosso favor a
pauta Lula-delegacia-bandidagem-indignação. Como? Não sei, mas vem
comigo que tenho uma sugestão: o questionamento relevante, que escapa do
enxovalhamento vulgar e histérico e da demagogia oportunista e põe o
Brasil em contato consigo para exercer um protagonismo consciente e
ativo, é, por exemplo, quanto à diferença do acesso à Justiça para
pobres e ricos, em vez de discutirmos o caudilho que nos desgraçou ou
assistir como torcida à farsa dos defensores ocasionais da bandidagem
pobre, iluminemos as deficiências da Defensoria Pública e trabalhemos
para civilizá-la; quanto à centena de petições da defesa de Lula, em vez
de sustinhos e gritinhos, investiguemos quem e de que modo a nababesca
defesa de Lula está sendo paga. Sejamos nosso assunto, nosso tema,
cuidemos de nós.
Autocrítica, só que não
“Problema do STF é
juiz que acha que o poder existe para proteger amigos”, afirmou o
ministro Roberto Barroso, ombudsman do Tribunal. Barroso, aquele um que,
no STF, usou o poder para ressuscitar os embargos infringentes e livrar
o amigo José Dirceu da acusação de quadrilheiro, validou sem discurso
anti-impunidade o indulto natalino da amiga Dima a José Dirceu, fraudou o
regimento da Câmara para evitar o impeachment da companheira, lutou
pelo perdão a Joesley, amigo dos amigos. Faz o que acusa os outros de
fazerem. Enquanto Dilma governava, não deu uma mísera declaração contra a
corrupção. A direita tabajara está apaixonada por essa flor do mal
petismo da desinstitucionalização. Desoladores tempos. DO O.TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário