Presidente do STF acolheu questionamentos da procuradora-geral da República. Em ação judicial, Raquel Dodge afirmou que chefe do Executivo não tem poder ilimitado para conceder indulto.
Por Valdo Cruz e Bernardo Caram, GloboNews e G1, Brasília
Responsável pelo plantão do Judiciário durante o recesso, a presidente
do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, suspendeu
nesta quinta-feira (28) os trechos do decreto editado na semana passada pelo presidente Michel Temer que abrandavam as regras para concessão do indulto de Natal.
A magistrada concedeu liminar (decisão provisória) acolhendo os
questionamentos da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que,
nesta quarta (27), protocolou uma ação na Suprema Corte
para suspender os efeitos do decreto natalino que reduziu o tempo de
cumprimento das penas a condenados por crimes cometidos sem violência ou
grave ameaça.
"Pelo exposto, pela qualificada urgência e neste juízo provisório,
próprio das medidas cautelares, defiro a medida cautelar (art. 10 da Lei
n. 9.868/1999), para suspender os efeitos do inc. I do art. 1º; do inc.
I do § 1º do art. 2º, e dos arts. 8º, 10 e 11 do Decreto n. 9.246, de
21.12.2017, até o competente exame a ser levado a efeito pelo Relator,
Ministro Roberto Barroso ou pelo Plenário deste Supremo Tribunal, na
forma da legislação vigente", argumentou a presidente do STF para
conceder a liminar.
O indulto natalino é um perdão de pena e costuma ser concedido todos os
anos em período próximo ao Natal. Atribuição do presidente da
República, esse benefício não trata das saídas temporárias de presos,
nas quais os detentos precisam retornar à prisão.
No ano passado, Temer já havia flexibilizado um pouco as regras de
concessão do benefício, determinando que poderiam ser beneficiados pelo
perdão pessoas condenadas a no máximo 12 anos e que, até 25 de dezembro
de 2016, tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem
reincidentes.
Ação de Dodge
Na ação judicial apresentada ao Supremo, a procuradora-geral da
República argumentou que o decreto de Temer viola os princípios da
separação de poderes, da individualização da pena e da proibição,
prevista na Constituição, de o Poder Executivo legislar sobre direito
penal.
"[Se mantido o decreto] A Constituição restará desprestigiada, a
sociedade restará descrente em suas instituições e o infrator, o
transgressor da norma penal, será o único beneficiado", escreveu a chefe
do Ministério Público em trecho da ação.
"O chefe do Poder Executivo não tem poder ilimitado de conceder induto. Se o tivesse, aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República Constitucional Brasileira" (Raquel Dodge)
Perdão de multas
Outro trecho do decreto questionado por Raquel Dodge é o que prevê a
possibilidade de livrar o detento beneficiado com o indulto do pagamento
de multas relacionadas aos crimes cometidos.
Para a procuradora-geral, o perdão de multas seria uma forma de renúncia de receita por parte do poder público.
Na ação, Raquel Dodge destaca que o decreto natalino deste ano do
presidente da República foi classificado como o "mais generoso" entre as
normas editadas nas últimas duas décadas e afirma que, se mantido, será
causa de impunidade de crimes graves como os apurados pela Operação
Lava Jato e outras operações de combate à “corrupção sistêmica”.
Como exemplo, a procuradora-geral da República afirma que, com base no
decreto, uma pessoa condenada a 8 anos e 1 mês de prisão não ficaria
sequer um ano presa.
Sem recuo
Diante da polêmica gerada pela edição do indulto natalino, o ministro
da Justiça, Torquato Jardim, afirmou nesta quinta à colunista do G1 Andréia Sadi que o governo não vai recuar em relação ao decreto que mudou os critérios para a concessão do indulto de Natal.
"Não tem recuo. Governo mantém sua posição. Não tem motivo. Agora, é
aguardar a decisão da ministra Cármen Lúcia [presidente do Supremo
Tribunal Federal]", afirmou o ministro ao Blog.
Em resposta às críticas disparadas contra Temer em razão do indulto
natalino, o ministro da Justiça escreveu um artigo defendendo a
iniciativa do presidente da República. O texto de Torquato Jardim foi
publicado nesta quinta no site do jornal "O Globo".
No artigo, o titular da Justiça disse que considerar que o decreto
beneficiará investigados, denunciados ou condenados pela Operação Lava
Jato "configura ignorância ou má-fé".
"Não há que se confundir Lava Jato com indulto. Não há qualquer relação
de causa e efeito. Lava Jato é uma série de processos administrativos
ou judiciais de investigação ora em curso ou na Polícia Federal ou no
Ministério Público Federal. Processos sem conclusão, donde sem sentença
judicial. Logo, processo administrativo da Lava Jato não é objeto de
indulto. O indulto pressupõe decisão judicial – ainda que não
definitiva", escreveu o ministro em trecho do artigo.
Randolfe
Nesta quinta, um dia depois de Raquel Dodge ter ingressado com ação no
STF questionando o indulto natalino, o senador Randolfe Rodrigues
(Rede-AP) anunciou ter ajuizado uma ação popular na Justiça Federal de
Brasília pedindo a anulação do decreto de Temer.
A assessoria de Randolfe informou que, na ação, o parlamentar do Amapá
comparou o indulto natalino do presidente da República de um “insulto
natalino”, que promove uma “black Friday do crime de colarinho branco,
promovendo descontos de até 84% nas penas de poderosos”.
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