Josias de Souza
O capítulo mais constrangedor de uma novela é aquele que o sujeito deixou de executar antes de ser eliminado do espetáculo. Em 18 de maio, menos de 24 horas depois da explosão do grampo do Jaburu nas manchetes, o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE) anunciou sua decisão de deixar o posto de ministro das Cidades. Pressionado, deu meia-volta. Nesta segunda-feira, Bruno fez por pressão o que deixara de fazer por opção seis meses atrás. Exonerou-se. Fez isso com a corda no pescoço, num instante em que Michel Temer se preparava para apertar o nó entrelaçado pelos partidos do centrão.
Emparedada pela ala anti-Temer do ninho, a banda governista do PSDB ensaiava um desembarque conjunto. Planejava a entrega simultânea das cartas de demissão de Bruno e dos outros três ministros emplumados: Aloysio Nunes Ferreira (Itamaraty), Antonio Imbassahy (Relações Institucionais) e Luislinda Valois (Direitos Humanos). Isso ocorreria antes de 9 de dezembro, dia da convenção que levará à vitrine o racha do tucanato. Como parte da coreografia, Temer manteria dois tucanos na Esplanada —não mais como representantes do partido, mas como beneficiários de uma hipotética “cota pessoal” do presidente.
Nesse enredo, o tucanato desceria do muro, só que de lados opostos. A ala oposicionista poderia dizer que prevaleceu. A banda governista poderia alegar que manteve um pé na Esplanada em nome dos interesses maiores do país, não por razões subalternas ou fisiológicas. Se a configuração do palco for mantida depois que Bruno saiu de sua marca antes do tempo, restará saber qual será a reação da plateia, que não foi suficientemente ensaiada para o festival de cinismo.
Seja qual for o desfecho da novela, o PSDB vai a 2018 numa situação muito diferente da que gostaria. A legenda compartava-se como uma locomotiva cujo ponto final seria o Planalto. O tucanato havia estruturado algo muito parecido com um projeto de retorno ao poder. Espremiam-se no vagão presidencial três grão-tucanos: Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin. O impeachment forçou o projeto tucano a fazer baldeação no governo Temer. Nele, a locomotiva cruzou duas estações: a da ruína fiscal e a do descalabro ético. Nenhuma delas conduz ao sonho presidencial.
Na antessala de 2018, parte do PSDB se deu conta de que Michel Temer é um aliado tóxico. Se o governo tiver algum êxito na economia, o PMDB de Temer será capaz de tudo, menos de dividir eventuais dividendos com sócios tucanos. Se o PIB, por medíocre, for insuficiente para corrigir os efeitos da gestão empregocida herdada de Dilma Rousseff, restará apenas bola de ferro da perversão moral. Aécio, Serra e mesmo Alckmin, dos três o menos enlameado, já arrastam suas próprias correntes. E todos eles têm experiência suficiente para saber que não poderão fazer pose de limpinhos diante do eleitorado e usar luvas de renda para falar do governo Temer.
Daí a constatação exposta por Bruno Araújo em sua carta de demissão: já não há mais no PSDB “apoio no tamanho que permita seguir nessa tarefa” de ser ministro. Faltou ao tucanato perceber que, em política, quem não ambiciona o poder erra o alvo. Mas quem persegue o poder a qualquer custo, mesmo como força auxiliar de um agrupamento temerário como o PMDB de Temer, vira o alvo.
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