Josias de Souza
Marcelo Bretas, juiz da Lava Jato no Rio de Janeiro, fez uma avaliação ácida da decisão do Supremo Tribunal Federal que transferiu para o Poder Legislativo a palavra final sobre punições cautelares impostas a parlamentares. A despeito de toda a cautela que seu ofício impõe, o magistrado declarou: “Não posso comentar decisões do STF. Mas faço uma análise política do dia a dia das investigações criminais. A impressão que tenho é que essa situação, aliada ao foro privilegiado, poderia criar categorias de pessoas imunes ao Direito Penal.”
As declarações de Bretas foram feitas em entrevista publicada na edição desta sexta-feira (17) de O Globo. A conversa ocorreu antes da deflagração da operação Cadeia Velha, que resultou na prisão de três cardeais do PMDB fluminense: os deputados Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Edson Albertassi e Paulo Melo. Sem saber, o juiz soou premonitório, pois o Legislativo estadual ameaça anular a ordem de prisão e a suspensão do mandato dos três parlamentares. Solicitadas pela Procuradoria, as providências foram deferidas pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região nesta quinta-feira (16).
Para atenuar os contrangimentos, Picciani, Albertassi e Melo entregaram-se à Polícia Federal pouco depois do veredicto do TRF-2. Passaram a noite no xadrez em que está preso o ex-governador Sérgio Cabral, da mesma facção partidária. Mas não devem permanecer por muito tempo atrás das grades. Conforme já noticiado aqui, os colegas de legislativo começaram a tramar a anulação das sanções impostas aos três antes mesmo do término da sessão do TRF-2. Embalada pelo exemplo do Senado, que anulou sanções impostas a Aécio Neves (PSDB-MG), a Assembleia do Rio equipou-se rapidamente para tentar deliberar sobre a matéria ainda nesta sexta.
Ficou surpreso com o tamanho do esquema de corrupção no Rio?, perguntou-se a Bretas. E ele: “Posso falar sobre o processo da Operação Calicute, que já foi julgado. O que me assustou, naquele caso, foi a extensão e a capilaridade. Parece que tem mais gente envolvida. É uma metástase. A cada hora surgia um personagem novo.”
Bretas considerou “um absurdo” a hipótese de aprovar no Congresso uma nova lei restringindo as delações. Projeto de lei em tramitação na Câmara proíbe, por exemplo, réus presos de negociarem acordos de colaboração judicial. “Restringir a delação é um absurdo”, disse o juiz. “Para quem está colaborando, é um direito de defesa. Não se pode restringir esse direito a pretexto de proteger investigados.”
Para o juiz, há uma reação política à Lava Jato. “Tem e sempre terá”, declarou, antes de fazer uma distinção entre dois tipos de encrencados: “O empresário que se corrompe, que tem uma unidade produtiva, sabe que pode se reerguer. Mas o político corrupto não tem vida própria, é um parasita. Se tirar o poder dele, vai morrer de fome. Grande parte dos colaboradores, normalmente, são empresários. Quem está lutando contra, normalmente, é agente público envolvido com corrupção.”
Instado a comentar os diversos habeas corpus concedidos pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo, para rever decisões suas, Bretas soou como se quisesse realçar sua consciência tranquila: “Sou proibido de fazer comentários sobre decisões de tribunais superiores. Mais importante do que receber decisão contrária de instância superior, é ter a tranquilidade de que se trata de uma decisão puramente técnica e imparcial.”
Bretas comentou também a tese do ministro Luís Roberto Barroso, desafeto de Gilmar no Supremo, segundo a qual está em curso uma ‘operação abafa’ da Lava Jato. “Confio na percepção dele e concordo plenamente. Exemplos disso são as leis aprovadas na madrugada. Desconfio que, na véspera dos feriados de fim de ano, haja tentativa de aprovar mais leis que dificultem as investigações.''
Sobre a possibilidade de o Supremo rever a regra que abriu a porta da cadeia para corruptos condenados em segunda instância, Bretas afirmou: ''Respeito qualquer decisão, porque o Supremo é digno de todo o meu respeito e obediência. A prisão após condenação em segunda instância foi um golpe muito grande na corrupção. Quando o tribunal confirma a sentença condenatória, os recursos disponíveis à defesa já não têm efeito suspensivo, então a decisão tem que ser aplicada…”
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