Josias de Souza
O toma-lá-dá-cá passou a ser tão acintoso em Brasília que Michel Temer já não se preocupa em disfarçar. Num jantar que ofereceu a líderes partidários e ministros, na noite desta segunda-feira, no Alvorada, o presidente colocou-se à disposição para receber deputados que condicionam sua fidelidade à obtenção de vantagens do governo. Informou ter reservado sua agenda desta terça-feira para o fisiologismo. Na véspera da votação da denúncia em que a Procuradoria o acusa de integrar uma organização criminosa e obstruir a Justiça, Temer opera no modo “vale-tudo”.
A agenda eletrônica do presidente, disponível no site do Planalto, anota: “Despachos internos.” Os operadores políticos do governo foram liberados para organizar uma romaria de deputados com códigos de barras na lapela ao santuário do gabinete presidencial. A julgar pelas decisões mais recentes do governo, Temer talvez devesse encontrar seus aliados não no gabinete, mas numa encruzilhada. De preferência acompanhado de um ministro tranca-ruas, com poderes para livrá-lo de urucubacas.
No jantar do Alvorada, o presidente mastigou com seus comensais a lista dos votantes. Ao farejar o risco de obter no sepultamento desta segunda denúncia menos do que os 263 votos amealhados no enterro da acusação anterior, Temer mostrou-se disposto a fazer qualquer negócio para se manter no cargo. Na saída do repasto, o líder do governo no Congresso, deputado André Moura (PSC-SE), disse que o governo age dentro da normalidade. O incremento na distribuição de emendas orçamentárias, o rateio hipertrofiado de cargos, as decisões administrativas esdrúxulas… Nada tem relação com o velório da denúncia contra Temer, diz Moura.
Considerando-se as palavras do seu líder no Congresso, o país pode estar sendo injusto com Temer quando lhe atribui uma popularidade ridícula de 3%. Talvez o presidente visse a flexibilização do combate ao trabalho escravo como uma prioridade desde a primeira mamada. A portaria que praticamente ressuscitou a escravidão é parte de uma agenda secreta do presidente, que incluía também o perdão de 60% das multas aplicadas pelo Ibama contra desmatadores. Nada a ver com a votação da denúncia.
Os críticos talvez devessem reler o documento batizado de ‘Ponte para o Futuro’ atrás de alguma referência. Deve estar escrito no programa do PMDB, em algum rodapé, na margem de alguma folha, em letras miúdas: “Para enterrar denúncias de corrupção, fazemos qualquer acerto. Se necessário, trocamos o ‘Ordem e Progresso’ da bandeira para uma inscrição mais condizente com o momento. Algo como ‘negócio é negócio’.”
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