terça-feira, 31 de outubro de 2017

Rio: Crime organizado X Estado esculhambado



Josias de Souza

O ministro Torquato Jardim, da Justiça, disse em voz alta o que era apenas murmurado por todas as autoridades que lidam com a área de segurança no governo federal. Torquato declarou, em essência, que a PM do Rio é controlada pelo crime organizado, não pelo governo estadual. Os criminosos participam da escolha do comando da Polícia Militar. E os chefes dos batalhões da PM são “sócios do crime”, disse Torquato. Eu registrei as manifestações do ministro. E isso abriu uma crise entre Brasília e o Rio.
Esse assunto não diz respeito apenas aos habitantes do Rio. Interessa a todos os brasileiros em dia com o fisco, pois o dinheiro dos impostos federais tem custeado o socorro das forças federais à segurança do Rio. O esforço envolve Forças Armadas, Polícia Federal, Polícia Rodoviária, Força Nacional de Segurança. Quem paga a conta, merece a verdade.
O ministro da Justiça não é um qualquer. Dispõe de informações privilegiadas. Reagir aos ataques com outros ataques, como fizeram as autoridades do Rio, não resolve o problema. A crise do Rio é um terremoto de verdades. A verdade mais cruel chama-se Sérgio Cabral. Desceu do governo para a cadeia. Quem supõe que num Estado que chegou a esse ponto o crime não se infiltrou na máquina de segurança é ingênuo ou cínico. Se não consegue lidar com as verdades que saltam aos olhos, não conseguirá lidar com a crise. Só uma coisa é pior do que o crime organizado: o Estado esculhambado.

Governo age para evitar crise entre Brasília e Rio

Josias de Souza

O diagnóstico cáustico que o ministro Torquato Jardim (Justiça) fez do setor de segurança do Rio de Janeiro causou perplexidade dentro do governo. Não pelo teor das declarações, reproduzidas aqui no blog, mas pelo fato de o titular da Justiça ter reproduzido publicamente avaliações que as autoridades federais só ousavam fazer entre quatro paredes. Colegas de Torquato recearam que suas observações intoxicassem o acordo de colaboração de Brasília com o Rio. Houve intensa movimentação para evitar o agravamento da crise.
Logo cedo, o governador fluminense Luiz Fernando Pezão disparou mensagens para auxiliares de Michel Temer. Pelo WhatsApp, repassou um link do texto veiculado no título principal da homepage do UOL. Queixou-se de que o Rio já tem “confusões” em demasia. Não precisa de mais uma. Pelo menos dois ministros entraram em cena munidos de panos quentes: Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Raul Jungmann (Defesa). Ambos conversaram com Pezão e Torquato. No início da noite desta terça-feira, avaliava-se no Planalto que o pior fora evitado.
Pezão pintava um quadro apocalíptico. A Assembleia Legislativa do Rio estava em pé de guerra, dizia ele. Comandantes da Polícia Militar ameaçavam deixar seus postos caso o governo não reagisse com vigor contra a acusação de que o comando da corporação e dos seus batalhões traz as digitais do crime organizado. Auxiliares de Pezão esperavam que Torquato desmentisse a reportagem. Mas o ministro, procurador por Datena, reiterou as críticas numa entrevista à Band.
O governador do Rio ouviu de seus interlocutores brasilienses palavras de solidariedade. Após certificar-se de que Torquato não seria ecoado por nenhum outro ministro, pezão agiu para circunscrever a encrenca. O governo fluminense emitiu um par de notas oficiais, reagindo contra o ministro da Justiça —uma em nome de Pezão e outra subscrita pelo secretário de Segurança Roberto Sá. Com esses dois textos, aplacaram-se os ânimos dos comandantes da PM. A corporação também foi autorizada a emitir uma nota de autodesagravo.
De resto, a fúria da Assembleia foi canalizada para um vídeo e um requerimento. No vídeo, o presidente da Casa, deputado estadual Jorge Picciani (PMDB) refere-se a Torquato como “mentiroso”. No requerimento, a Comissão de Segurança do legislativo fluminense pede à procurador-geral da República Raquel Dodge a abertura de investigação sobre as declarações do ministro.
Ironicamente, Torquato e Dodge encontraram-se numa reunião, em Brasília. Junto com outras autoridades, discutiram justamente os rumos da força-tarefa constituída para combater o crime organizado no Rio. O mais inusitado é que as opiniões do ministro da Justiça sobre a PM do Rio são compartilhadas por seus colegas de ministério e corroboradas em relatórios de órgãos de inteligência do governo. Na expressão de um auxiliar de Temer, o quadro é de “metástase”.

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