sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Deputado pró-censura devia cogitar autocensura

Josias de Souza

O deputado Aureo Ribeiro (SD-RJ) apresentou —e o Congresso aprovou— emenda que obriga provedores de internet a retirar do ar conteúdo no qual os políticos enxerguem “discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa.” Não é preciso ordem judicial. Basta o pedido de um partido ou candidato às eleições de 2018 para que o material seja suprimido. Antes que a censura seja sancionada por Michel Temer, é preciso alardear: mandatos como o do deputado Aureo deveriam ser proibidos para brasileiros menores de 120 anos.
Desfrutando de total liberdade para propor qualquer coisa, o deputado optou por sugerir uma tolice. Sonhava que só dissessem dele coisas deliciosamente favoráveis. E está pendurado de ponta-cabeça em manchetes penosamente desfavoráveis —na internet e alhures. Se ainda houver uma réstia de bom senso no Brasil, Aureo talvez não consiga implantar a censura na web.
Aprovado o despautério, Aureo diz ter sido mal compreendido. Jamais tramou a censura. Deseja apenas combater o que chama de “guerrilha virtual”, vetando a livre circulação de notícias raivosas e falsas disseminadas na internet por perfis anônimos. Disse coisas definitivas sem definir muito bem as coisas. Tomada pelo conteúdo, a emenda que Aureo enganchou de madugada na proposta de “reforma política” é algo diferente do que o autor supõe. Trata-se de um pórtico escancarado para a censura.
Eis o teor do miolo da emenda: “A denúncia de discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa em desfavor de partido ou candidato, feita pelo usuário de aplicativo ou rede social na internet, por meio do provedor, implicará suspensão, em no máximo 24 horas, da publicação denunciada até que o provedor certifique-se da identificação pessoal do usuário que a publicou…”
Está claro que o deputado Aureo tem dificuldades para escrever o que supõe ter pensado. Mas esse nem é o seu principal problema. Seu drama maior é não saber ler as leis que o Congresso aprova. Se corresse os olhos pelo Marco Civil da Internet, o deputado perceberia que a lei condicionou a remoção de conteúdo na rede à obtenção de ordem judicial. Fez isso para “assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura.” Na prática, choveu no molhado, pois repisou princípios que já constam da Constituição.
Aliás, se não quisessem desperdiçar o seu tempo e a paciência alheia, o deputado Aureo e os colegas que aprovaram sua emenda poderiam deitar os olhos diretamente sobre o artigo 220 da Constituição. Está escrito: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição.”
Quem escorrega o olhar para o inciso 1º encontra o seguinte diamante: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social.” Esticando o olhar até o inciso 2º, lê-se: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”
Quer dizer: se Temer não tiver a clarividência do veto, o despautério cairá no Supremo Tribunal Federal. E o deputado Aureo poderá voltar à sua condição natural de parlamentar invisível. Antes da emenda da censura, o personagem transitava pelos corredores do Congresso de forma tão imperceptível que parecia protegido por um envelope de plástico fosco —desses que escondiam a pornografia nas bancas há três décadas.
A essa altura, Aureo já deve ter notado que, de madrugada, no plenário da Câmara, o melhor amigo do deputdo ocioso é a autocensura.

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