Somente em 2018, escreve
Fernando Gabeira, a sociedade brasileira poderá responder a tantos anos
de ultraje. "Mudar ou não mudar" - artigo publicado no Estadão:
Parei algumas vezes
esta semana para pensar 2018. Compreendo o pessimismo em que estamos
envolvidos no momento. Mas, olhando para trás, as eleições de 2018 podem
se livrar de alguns sérios problemas deste período democrático.
O primeiro
instrumento para isso é a Lei da Ficha Limpa. Independentemente até do
alcance que a interpretação do STF lhe der, é um filtro imposto pela
própria sociedade. Um segundo filtro potencial, que também depende do
STF, é acabar com o foro privilegiado. A Ficha Limpa exclui condenados, o
foro privilegiado é um refúgio para os que querem escapar da
condenação.
Se o Supremo escolher
esse caminho sensato, não estará fazendo bem apenas ao processo
político-eleitoral, mas a si próprio. Pode se livrar de centenas de
processos e, simultaneamente, livrar-se do Código Penal, cuidar mais da
Constituição.
Nas mãos do Supremo
está outro fator de mudança: a liberação de candidaturas independentes.
Reconheço que é contraditória com o princípio que levou à cláusula de
barreira, um mecanismo que exclui partidos pouco votados. A ideia, aqui,
era de combater a fragmentação, que torna o País ingovernável e o
predispõe ao toma lá, dá cá que marcou o colapso do chamado
presidencialismo de coalizão. Mas candidatos independentes estarão
propondo mudanças e tendem a ser mais monitorados por seus eleitores,
que, nesses casos, costumam ter papel decisivo na eleição. Aliás, se
houve um momento neste longo período democrático em que valia a pena
testar um novo caminho, esse momento é este.
A posição de
procuradora-geral Raquel Dodge foi favorável às candidaturas avulsas.
Não há nada que as proíba na Constituição e estão, segundo ela,
amparadas no Pacto de São José, que vem a ser a Convenção Interamericana
de Direitos Humanos.
Todos esses fatores
contribuem para um tipo de eleição melhor que no passado. No entanto,
quando penso em 2018 ainda não consigo equacionar alguns problemas das
eleições brasileiras que percebi agudamente em 2010. Naquelas eleições
descobri um pequeno exército de robôs trabalhando para Sérgio Cabral.
Juntamos o material para denunciar o uso de empresas no exterior para
produzir mensagens e interferir nas eleições. Mas naquela época era até
um pouco esotérico denunciar as trapaças eletrônicas de Cabral. Vejo em
pesquisas realizadas no exterior que os partidos brasileiros já utilizam
esse mecanismo em grande escala, após a virada da década. Exércitos
nacionais e estrangeiros de robôs entraram em cena nas redes sociais.
A eleição de Trump,
nos EUA, revelou como a atmosfera é favorável à massificação das fake
news. Existem suspeitas da participação dos russos no processo
americano. No momento em que o eixo das campanhas se desloca da
televisão para a internet, certamente os robôs terão impacto maior agora
do que em todas as outras. O único caminho, naturalmente, será
multiplicar o combate às fake news, o que já é feito pela imprensa. Num
processo eleitoral as coisas acontecem rapidamente, às vezes no apagar
das luzes, como os vazamentos contra Macron, na França.
Mesmo aqui, onde há
problemas, reside também uma novidade nas eleições de 2018. Mais do que
nunca, milhões de pessoas podem se informar sobre os fatos e
compartilhar as suas ideias.
Se aquelas expectativas razoáveis se confirmarem no Supremo, aumentam as possibilidades de boas eleições em 2018.
O fracasso do sistema
político-partidário é uma evidência para a sociedade. Candidaturas
avulsas, grupos renovadores que optem por entrar em partidos, enfim, vai
se criando uma base para mudar.
É uma ilusão pensar
que novos nomes sozinhos modificam isso. Terão de se apoiar em
parlamentares experientes que também querem mudar. Ainda assim, não
serão maioria. Mas se representam grande parte da sociedade, jogam com
12, jogam com a torcida.
Pode parecer
prematuro adiantar hipóteses para 2018 num país com tantas surpresas.
Mas os sinais são de que o ano acabará sem grandes novidades. A segunda
denúncia contra Temer caminha para ser rejeitada na Câmara. Não se
esperam surpresas por aí, as próprias crises do hamletiano PSDB se
parecem com as da primeira denúncia.
Segundo as pesquisas,
grande parte da população quer que ele fique até o fim do governo e, ao
mesmo tempo, seja investigado. Isso é impossível. Mas, pelo menos, dá
um alento a quem votar contra a denúncia. O famoso se ajeita comigo e dê
graças a Deus.
É nesse caminho que
entra 2018, um ano que vai exigir muito de nós. Será realmente a
primeira grande eleição sob impacto direto da Lava Jato. Ela contribuiu
para que políticos e empresários saibam que a corrupção é mais
arriscada. Ela pode ter filtros e também receber sangue novo.
Claro que todo o
quadro depende de novas crises. A do momento envolve Senado e STF. É
possível aplicar medidas cautelares contra deputados ou senadores? O
Supremo proibiu Eduardo Cunha de ir à Câmara e recolheu Aécio durante a
noite. Como resolver essa questão, a não ser pelo próprio Supremo? O
embate é um novo centro de resistência às investigações. Se não houvesse
foro privilegiado, o STF não teria desgastes pontuais, apenas definiria
se juízes podem ou não aplicar medidas cautelares contra acusados.
Se os Parlamentos
tivessem resposta adequada a cada caso de quebra de decoro, os juízes
não precisariam adotar medidas cautelares. Em alguns países o próprio
acusado se afasta, em outros é afastado pelo Conselho de Ética. A
mensagem que a resistência ao Supremo passa é a de que medidas devem ser
submetidas ao Congresso.
Com as decisões
punitivas restritas aos comitês de ética e excluindo o STF, os
parlamentares vão criar uma espécie de limbo onde tudo se dissolve.
Aliás, é nele que se dissolvem em discursos e troca de favores as
denúncias contra o presidente Temer.
Só mesmo em 2018 a sociedade poderá responder a tantos anos de ultraje. DO O.TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário