sábado, 5 de agosto de 2017

Temer: denúncia é pífia! Então, por que o medo?

Josias de Souza

Michel Temer qualificou de “pífia” a denúncia em que é acusado de corrupção. Levando-se em conta que o presidente se considera um jurisconsulto de mostruário, a plateia fica autorizada a indagar: se a acusação é tão reles, por que Temer investiu R$ 13 bilhões do erário na compra dos 263 votos que empurraram para dentro do freezer a peça do procurador-geral da República Rodrigo Janot? Deveria ter guerreado pela continuidade do processo. O Supremo Tribunal Federal decerto não hesitaria em arquivar a acusação “inepta”.
Em entrevista ao Estadão, Temer disse que fica “muito desagradado com os aspectos morais” das flechadas de Janot. “O que me prende ao cargo é muito mais a defesa da minha reputação moral”, disse ele a certa altura. “A denúncia é pífia, inepta. Se vier uma nova, vamos enfrentá-la.” Ai, ai, ai…
Ao congelar a denúncia, a Câmara transformou Temer num presidente cuja “reputação moral” está sub judici. Só ao final do mandato, quando o processo puder ser retomado, o brasileiro conhecerá o veredicto. Se quisesse mesmo defender sua biografia, Temer exigiria um pronunciamento imediato do plenário do Supremo. Todos ganhariam. Confirmando-se o arquivamento, o presidente permaneceria no cargo. E a plateia não teria de conviver com a suspeita de estar sendo presidida por um corrupto.
Na entrevista, Temer comentou um detalhe da votação que resultou no sobrestamento da denúncia: “Alguns deputados, quando votaram, disseram: ‘O presidente será investigado’. Sabe qual é a suposição? Que o relator do STF vai ouvir testemunhas, chamar pessoas, pegar matérias. A investigação é algo que antecede a denúncia. O que se quer é o seguinte: como não se fez investigação durante o inquérito, vão [fazer] agora, depois da denúncia. Isso é de um ridículo jurídico que envergonha qualquer aluno do segundo ano da Faculdade de Direito.”
Nesse ponto, Temer ofendeu a inteligência alheia e o trabalho da Polícia Federal. Acionada pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, a PF investigou, sim, a encrenca em que se meteu o presidente. Para refrescar a memória de Temer, vale a pena recordar o seguinte:
1. Em relatório enviado à Suprema Corte, a PF anotou ter encontrado evidências que indicam “com vigor” a existência de corrupção praticada por Temer. Chegou a essa conclusão depois de periciar o áudio da conversa vadia que o presidente manteve com o empresário Joesley Batista, em 7 de março, nos porões do Jaburu. Interrogou suspeitos. Cotejou seus achados com as provas apresentadas à Procuradoria pelos delatores da JBS.
2. O relatório com as conclusões do inquérito realça que Rodrigo Rocha Loures, ex-deputado e ex-assessor de Temer, era o canal de comunicação do presidente para atender aos interesses do conglomerado de Joesley Batista. Como ex-assessor de Temer, Loures agiu para atender a pedido de uma das empresas do grupo J&F no Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Buscava-se solução para que a empresa obtivesse gás da Petrobras.
3. Segundo a Polícia Federal, Loures conversou com Gilvandro de Araújo, conselheiro e presidente interino do Cade. Acionou o viva voz do celular, para que Joesley Batista pudesse ouvir a conversa. O preposto de Temer, à época no exercício do mandato de deputado federal, soou claro ao declarar a Gilvandro que encaminhava uma “pendência afeta à Presidência da República e não às funções de parlamentar.”
4. A pendência seria resolvida na Petrobras. E a movimentação de Loures resultou no pagamento de propina. Indicado por Temer a Joesley como seu preposto, Loures foi pilhado numa ação controlada da PF. Filmaram-no recebendo uma mala com R$ 500 mil no estacionamento de uma pizzaria, em São Paulo.
5. Para a PF, estabeleceu-se uma relação do tipo “credor-devedor” entre Loures e Joesley. Em sua denúncia, o procurador Janot sustentou que a propina entregue ao intermediário destinava-se a Temer.
6. O relatório da PF contém descrição de como Loures discutia os detalhes para a operacionalização dos pagamentos de propinas. Nas conversas, seus interlocutores citavam a palavra “presidente” sem que o ex-assessor de Temer esboçasse qualquer estranheza.
7. Num dos diálogos gravados pelos delatores, Loures trocou ideias com Ricardo Saud, executivo da J&F. O preposto de Temer sugere que a propina seja entregue a Ricardo Conrado Mesquita, ligado à empresa Rodrimar. “E o presidente confia nele a esse ponto? Sério?'', indagou Saud. Para a PF, a gravação reforça a “hipótese de que Michel Temer estivesse vinculado àquela operação.”
8. Em sua delação premiada, Saud afirmou: “Com as minhas palavras, eu tenho certeza absoluta que nós tratamos propina com o Temer, nós nunca tratamos propina com o Rodrigo. O Rodrigo foi um mensageiro que Michel Temer mandou para conversar com a gente, para resolver os nossos problemas e para receber o dinheiro dele.”
9. Temer teve a oportunidade de se defender. A PF encaminhou-lhe por escrito 82 perguntas. Mas o presidente preferiu não responder. E a PF, em seu relatório ao Supremo: “Diante do silêncio do mandatário maior da nação e de seu ex-assessor especial, resultam incólumes as evidências que emanam do conjunto informativo formado nestes autos, a indicar, com vigor, a pratica de corrupção passiva”.
10. A PF acrescentou: “Os elementos reunidos no inquérito permitiram que fossem elaboradas conclusões acerca do fato:  pagamento de vantagem indevida pelo grupo J&F a Rodrigo da Rocha Loures imediatamente. E a Michel Temer, presidente da República, remotamente, em razão da interferência ou de suposta interferência no andamento do processo administrativo em trâmite na Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).”
Como se vê, o caso foi investigado. Temer absteve-se de prestar contas à polícia. Podendo liquidar a encrenca no Supremo, preferiu mover mundos e, sobretudo, fundos para arrancar do plenário da Câmara a suspensão da denúncia. Se é verdade que a acusação é ''pífia'', o acusado deveria ter mais coragem na defesa de sua honra. Temer parece decidido a subverter o brocardo. Em defesa de sua virtude, o presidente nunca deixa para amanhã o que pode deixar hoje.

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