Sexta-feira, 31 de março de 2017
Texto de 2004, do saudoso Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra
No dia 31 de março próximo faz 40 anos que foi deposto o Presidente da República, João Goulart.
Uns chamam esse acontecimento de golpe militar, outros de tomada do poder, alguns outros de Revolução de 1964. Eu prefiro considerá-lo como a Contra-Revolução de 31 de março de 1964.
Vou lhes explicar o meu ponto de vista
ao longo deste artigo. Espero que ao final vocês tenham dados
suficientes para julgar se estou certo.
Vocês foram cansativamente informados por seus professores, jornais, rádios, TV e partidos políticos:
- que os militares tomaram o poder dos civis para impedir que reformas moralizantes fossem feitas;
- que para combater
os "generais que usurparam o poder" os jovens da época uniram-se e
lutaram contra a ditadura militar e que muitos deles morreram, foram
mutilados, presos e torturados na luta pela "redemocratização" do país;
- que os militares assim agiram a mando dos Estados Unidos, que temiam o comunismo instalado no Brasil;
- que jovens
estudantes, idealistas, embrenharam-se nas matas do Araguaia para lutar
contra a ditadura e pela redemocratização do país.
Com quantas inverdades fizeram a cabeça
de vocês! E por que essas mentiras são repetidas até hoje? Foi a maneira
que eles encontraram para tentar justificar a sua luta para implantar um regime do modelo soviético, cubano ou chinês no Brasil.
Por intermédio da mentira, eles
deturparam a História e conseguiram o seu intento. Vocês que não viveram
essa época acreditam piamente no que eles dizem e se revoltam contra os
militares.
Vamos aos fatos, pois eu vivi e participei dessa época.
Em março de 1964 eu era Capitão e
comandava uma bateria de canhões anti-aéreos do 1º Grupo de Artilharia
Anti-Aérea, em Deodoro, no Rio de Janeiro.
A maioria dos oficiais que servia no 1º
Grupo de Artilharia AAe, entre eles eu, teve uma atitude firme para
que o Grupo aderisse à Contra-Revolução.
Eu era um jovem com 31 anos.
O país vivia no caos. Greves políticas paralisavam tudo: transportes,
escolas, bancos, colégios. Filas eram feitas para as compras de
alimentos. A indisciplina nas Forças Armadas era incentivada pelo
governo. Revolta dos marinheiros no Rio; revolta dos sargentos em
Brasília. Na minha bateria de artilharia havia um sargento que se
ausentava do quartel para fazer propaganda do Partido Comunista, numa kombi, na Central do Brasil.
Isto tudo ocorria porque o governo João
Goulart queria implantar as suas reformas de base à revelia do Congresso
Nacional. Pensava, por meio de um ato de força, em fechar o Congresso
Nacional com o apoio dos militares "legalistas".
Vocês devem estar imaginando que estou
exagerando para lhes mostrar que a Contra-Revolução era imperativa
naqueles dias. Para não me alongar, vou citar o que dizem dois
conhecidos comunistas:
- depoimento de Pedro Lobo de Oliveira no livro "A esquerda Armada no Brasil" - "muito
antes de 1964 já participava na luta revolucionária no Brasil na medida
de minhas forças. Creio que desde 1957. Ou melhor, desde 1955". "Naquela altura o povo começava a contar com a orientação do Partido Comunista".
- Jacob Gorender - do PCBR, escreveu no seu livro "Combate nas Trevas": "Nos
primeiros meses de 1964, esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o
golpe direitista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter
contra-revolucionário preventivo. A classe dominante e o imperialismo
tinham sobradas razões para agir antes que o caldo entornasse".
Diariamente eu lia os jornais da época: O Dia, O Globo, Jornal do Brasil, Tribuna da Imprensa, Diário de Notícias, etc... Todos eram unânimes em condenar o governo João Goulart e pediam a sua saída, em nome da manutenção da democracia. Apelavam
para o bom senso dos militares e até imploravam a sua intervenção, para
que o Brasil não se tornasse mais uma nação comunista.
Eu assistia a tudo aquilo com apreensão.
Seria correto agirmos para a queda do governo? Comprei uma Constituição
do Brasil e a lia seguidamente. A minha conclusão foi de que os militares estavam certos ao se antecipar ao golpe de Jango.
Às Forças Armadas cabe zelar para a manutenção da lei, da ordem e evitar o caos. Nós não tínhamos que defender o governo; tínhamos que defender a nação.
O povo foi às ruas com as Marchas da Família com Deus pela Liberdade, no Rio, São Paulo e outras cidades do país. Todos pedindo o fim do governo João Goulart, antes que fosse tarde demais.
E, assim, aconteceu em 31/03/1964 a nossa Contra-Revolução.
Os jornais da época (Estado de São Paulo, O Globo, Jornal do Brasil; Tribuna da Imprensa e outros) publicaram, nos dias 31/03/64 e nos dias seguintes, editoriais e mais editoriais exaltando a atitude dos militares. Os mesmos jornais que hoje combatem a nossa Contra- Revolução.
Os comunistas que pleiteavam a tomada do
poder não desanimaram e passaram a insuflar os jovens, para que
entrassem numa luta fratricida, pensando que lutavam contra a ditadura. E
mentiram tão bem que muitos acreditam nisso até hoje. Na verdade,
tudo já estava se organizando. Em 1961,
em pleno governo Jânio Quadros, Jover Telles, Francisco Julião e
Clodomir dos Santos Morais estavam em Cuba acertando cursos de guerrilha
e o envio de armas para o Brasil. Logo depois, alguns jovens eram
indicados para cursos na China e em Cuba. Bem antes de 1964 a área do
Araguaia já estava escolhida pelo PCdoB para implantar a guerrilha
rural.
Em 1961 estávamos em plena democracia. Então para que eles estavam se organizando? Julião
já treinava as suas Ligas Camponesas nessa época, que eram muito
semelhantes ao MST de hoje. Só que sem a organização, o preparo, os
recursos, a formação de quadros e a violenta doutrinação marxista dos
atuais integrantes do MST.
E foi com essa propaganda mentirosa que eles iludiram muitos jovens e os cooptaram para as suas organizações terroristas.
Então, começou a luta armada.
Foram vários atos
terroristas: o atentado ao aeroporto de Guararapes, em Recife, em 1966;
a bomba no Quartel General do Exército em São Paulo, em 1968; o
atentado contra o consulado americano; o assassinato do industrial
Albert Boilesen e do capitão do Exército dos Estados Unidos Charles
Rodney Chandler; sequestros de embaixadores estrangeiros no Brasil .
A violência revolucionária se instalou. Assassinatos, ataques a quartéis e a policiais aconteciam com freqüência.
Nessa época, eles introduziram no Brasil
a maneira de roubar dinheiro com assaltos a bancos, a carros fortes e a
estabelecimentos comerciais. Foram eles os mestres que ensinaram tais táticas aos bandidos de hoje. Tudo treinado nos cursos de guerrilha em Cuba e na China.
As polícias civil e militar sofriam pesadas baixas e não conseguiam, sozinhas, impor a lei e a ordem.
Acuado, perdendo o controle da situação,
o governo decretou o AI-5, pelo qual várias liberdades individuais
foram suspensas. Foi um ato arbitrário mas necessário. A tênue
democracia que vivíamos não se podia deixar destruir.
Para combater o terrorismo, o governo
criou uma estrutura com a participação dos Centros de Informações da
Marinha (CENIMAR), do Exército (CIE) e da Aeronáutica (CISA). Todos
atuavam em conjunto, tanto na guerrilha rural quanto na urbana. O
Exército, em algumas capitais, criou o seu braço operacional, os
Destacamentos de Operações de Informações (DOI). Para trabalharem nos
diversos DOI do Brasil, o Exército selecionou do seu efetivo alguns majores, capitães e sargentos. Eram, no máximo, 350 militares, entre os 150 mil homens da Exército.
Eu era major, estagiário da Escola de
Estado Maior. Tinha na época 37 anos e servia no II Exército, em São
Paulo. Num determinado dia do ano de 1970, fui chamado ao gabinete do
Comandante do II Exército, General José Canavarro Pereira, que me deu a
seguinte ordem: "Major, o senhor foi designado para comandar o DOI/CODI/II Ex. Vá, assuma e comande com dignidade".
A partir desse dia minha vida mudou. O
DOI de São Paulo era o maior do país e era nesse Estado que as
organizações terroristas estavam mais atuantes. O seu efetivo em
pessoal era de 400 homens. Destes, 40
eram do Exército, sendo 10 oficiais, 25 sargentos e 5 cabos. No
restante, eram excelentes policiais civis e militares do Estado de São
Paulo. Esses foram dias terríveis! Nós recebíamos ameaças freqüentemente.
Minha mulher foi de uma coragem e de uma
abnegação total. Quando minha filha mais velha completou 3 anos de
idade, ela foi para o jardim da infância, sempre acompanhada de
seguranças. Minha mulher não tinha
coragem de permanecer em casa, enquanto nossa filha estudava. Ela ficava
dentro de um carro, na porta da escola, com um revólver na bolsa.
Não somente nós passamos por isso! Essa
foi a vida dos militares que foram designados para combater o
terrorismo e para que o restante do nosso Exército trabalhasse tranqüilo
e em paz.
Apreendemos em "aparelhos" os estatutos
de praticamente todas as organizações terroristas e em todos eles
estava escrito, de maneira bem clara, que o objetivo da luta armada
urbana e rural era a implantação de um regime comunista em nosso país.
Aos poucos o nosso trabalho foi se tornando eficaz e as organizações terroristas foram praticamente extintas, por volta de 1975.
Todos os terroristas
quando eram interrogados na Justiça alegavam que nada tinham feito e só
haviam confessado os seus crimes por terem sido torturados. Tal alegação
lhes valia a absolvição no Superior Tribunal Militar. Então, nós
passamos a ser os "torturadores".
Hoje, como participar de sequestros, de
assaltos e de atos de terrorismo passou a contar pontos positivos para
os seus currículos eles, posando de heróis, defensores da democracia,
admitem ter participado das ações. Quase
todos continuam dizendo que foram torturados e perseguidos
politicamente. Com isso recebem indenizações milionárias e ocupam
elevados cargos públicos. Nós continuamos a ser seus "torturadores" e
somos os verdadeiros perseguidos políticos. As vítimas do terrorismo até
hoje não foram indenizadas.
O Brasil com toda a sua população e com
todo seu tamanho teve, até agora, 120 mortos identificados, que foram
assassinados por terroristas, 43 eram civis que estavam em seus locais
de trabalho (estima-se que existam mais cerca de 80 que não foram
identificados); 34 policiais militares; 12 guardas de segurança; 8
militares do Exército; 3 agentes da Polícia Federal; 3 mateiros do
Araguaia; 2 militares da Marinha; 2 militares da Aeronáutica; 1 major do
Exército da Alemanha; 1 capitão do Exército dos Estados Unidos; 1
marinheiro da Marinha Real da Inglaterra.
A mídia fala sempre em "anos de chumbo",
luta sangrenta, noticiando inclusive que, só no cemitério de Perus, em
São Paulo, existiriam milhares de ossadas de desaparecidos políticos. No
entanto o Grupo Tortura Nunca Mais reclama um total de 284 mortos e desaparecidos que integravam as organizações terroristas. Portanto, o
Brasil, com sua população e com todo o seu tamanho, teve na luta
armada, que durou aproximadamente 10 anos, ao todo 404 mortos.
Na Argentina as mortes ultrapassaram
30.000 pessoas; no Chile foram mais de 4.000 e no Uruguai outras 3.000. A
Colômbia, que resolveu não endurecer o seu regime democrático, luta até
hoje contra o terrorismo. Ela já perdeu mais de 45.000 pessoas e tem
1/3 do seu território dominado pelas FARC.
Os comunistas brasileiros são tão capazes quanto os seus irmãos latinos. Por que essa disparidade?
Porque no Brasil dotamos o país de leis
que permitiram atuar contra o terrorismo e também porque centralizamos
nas Forças Armadas o combate à luta armada. Fomos
eficientes e isso tem que ser reconhecido. Com a nossa ação impedimos
que milhares de pessoas morressem e que esta luta se prorrogasse como no
Peru e na Colômbia.
No entanto, algumas pessoas
que jamais viram um terrorista, mesmo de longe, ou preso, que jamais
arriscaram as suas vidas, nem as de suas famílias, criticam nosso
trabalho. O mesmo grupo que só conheceu a luta armada por
documentos lidos em salas atapetadas e climatizadas afirma que a maneira
como trabalhamos foi um erro, pois a vitória poderia ser alcançada
de outras formas.
Já se declarou, inclusive, que: "a ação
militar naquele período não foi institucional. Alguns militares
participaram, não as Forças Armadas. Foi uma ação paralela".
Alguns também nos condenam afirmando
que, como os chefes daquela época não estavam acostumados com esse tipo
de guerra irregular, não possuíam nenhuma experiência. Assim, nossos
chefes, no lugar de nos darem ordens, estavam aprendendo conosco, que
estávamos envolvidos no combate. Segundo eles, nós nos aproveitávamos
dessa situação para conduzir as ações do nosso modo e que, no afã da
vitória, exorbitávamos .
Mas as coisas não se passavam assim. Nós
que fomos mandados para a frente de combate nos DOI, assim como os
generais que nos chefiavam, também não tínhamos experiência nenhuma.
Tudo o que os DOI faziam ou deixavam de fazer era do conhecimento dos
seus chefes. Os erros existiram, devido à nossa inexperiência, mas os nossos chefes eram tão responsáveis como nós.
Acontece que o nosso Exército há muito tempo não era empregado em ação. Estava desacostumado com a conduta
do combate, onde as pessoas em operações têm que tomar decisões, e
decisões rápidas, porque a vida de seus subordinados ou a vida de algum
cidadão pode estar em perigo.
Sempre procurei comandar liderando os
meus subordinados. Comandei com firmeza e com humanidade, não deixando
que excessos fossem cometidos. Procurei respeitar os direitos humanos,
mas sempre respeitando, em primeiro lugar, os direitos humanos das
vítimas e, depois, os dos bandidos. Como escrevi em meu livro "Rompendo o Silêncio", terrorismo não se combate com flores.
A nossa maneira de agir mostrou que estávamos certos, porque evitou o
sacrifício de milhares de vítimas, como aconteceu com os nossos
vizinhos. Só quem estava lá, frente a frente com o terroristas, dia e
noite, de arma na mão, pode nos julgar.
Finalmente, quero lhes afirmar que a
nossa luta foi para preservar a democracia. Se o regime implantado pela
Contra -Revolução durou mais tempo do que se esperava, deve-se,
principalmente, aos atos insanos dos terroristas. Creio que, em parte,
esse longo período de exceção deveu-se ao fato de que era preciso manter
a ordem no país.
Se não tivéssemos vencido a luta armada,
hoje estaríamos vivendo sob o tacão de um ditador vitalício como Fidel
Castro e milhares de brasileiros teriam sido fuzilados no "paredón" (em Miami em fevereiro, foi inaugurado por exilados cubanos, um Memorial para 30.000 vítimas da ditadura de Fidel Castro).
Hoje temos no poder
muitas pessoas que combatemos e que lá chegaram pelo voto popular e
esperamos que eles esqueçam os seus propósitos de 40 anos passados e
preservem a democracia pela qual tanto lutamos. DO MUJAHDIN CUCARACHA
O autor (1932-2015), Coronel do Exército, foi
Comandante do DOI/CODI/ II Ex;
Instrutor Chefe do Curso de Operações da Escola Nacional de Informações
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