O jurista
Modesto Carvalhosa, jurista e estudioso da corrupção, critica duramente a
"facção criminosa" que promoveu uma das maiores afrontas ao povo
brasileira nesta semana ao aprovar o projeto de mordaça do Judiciário e
do Ministério Público. Conclama o jurista: "cabe
a todos nós tomar as ruas para apontar, um por um, os 313 membros do
Comando pró-Corrupção e repudiar suas ações criminosas no seio da
Câmara, adotadas na sinistra madrugada de quarta-feira". Amanhã, dia 04
de dezembro, haverá manifestações em todo o país:
Na
madrugada seguinte à da tragédia aérea que abalou o País, a Câmara dos
Deputados, por obra dos 313 parlamentares que compõem a facção criminosa
conhecida pela alcunha de Comando pró-Corrupção, promoveu uma das
maiores afrontas que o povo brasileiro já sofreu em sua história. Eles
massacraram, na calada da noite, os 103 deputados que integram a
combativa Frente Parlamentar Anticorrupção, presidida pelo deputado
Mendes Thame, e aprovaram uma pretensa lei que criminaliza os
magistrados e membros do Ministério Público (MP). Acontece que essa
medida demandaria um projeto de reforma constitucional (PEC) para ser
reconhecida no ordenamento jurídico.
Com tal
providência o Comando pró-Corrupção pretende impor a lei da mordaça ao
Judiciário e ao MP, contendo o famigerado diploma conceitos vagos e
subjetivos que permitem aos políticos corruptos condenar e afastar de
suas funções qualquer juiz ou promotor que, por exemplo, se manifeste
publicamente sobre um caso ou, simplesmente, falte com o “decoro”.
Embora não tenham nenhum decoro na relação com seus pares e as
empreiteiras, os parlamentares corruptos, com certeza, exigirão dos
juízes e dos promotores o mais alto nível de discrição no exercício de
suas funções, de modo a não ferir os sentimentos dessa casta criminosa,
sob pena de esta – pasmem – os condenar ao impeachment! Dá para
acreditar?
Criminaliza-se
toda a atividade de julgamento e de investigação. Qualquer político
pertencente à facção criminosa da Câmara, investigado ou condenado,
poderá alegar que houve abuso do promotor e do julgador, de modo a
afastá-los de suas funções e buscar a anulação do processo ab initio.
Trata-se do escabroso “crime de hermenêutica” adotado na Alemanha
nazista contra os juízes. Nem Berlusconi poderia imaginar solução tão
perfeita para legalizar o crime de corrupção.
Os
parlamentares corruptos, que formam a maioria esmagadora da nossa “Casa
de Leis”, conseguiram desvirtuar completamente o projeto defendido pelos
deputados Joaquim Passarinho e Onyx Lorenzoni, e subscrito por 2,5
milhões de brasileiros, ignorando totalmente o que previam as “10
Medidas” exigidas pela população nas ruas. O projeto que visava a punir a
corrupção de políticos se transformou em projeto de punição de juízes e
membros do MP. Acontece que a ação legislativa criminosa esbarra na
Constituição da República.
A
propósito, cabem alguns esclarecimentos sobre crime de responsabilidade.
Trata-se de matéria regida pelos artigos 29-A, 50, 52, 85, 100 e 102 da
Constituição federal. Estão incursos nesse crime apenas o presidente da
República, ministros de Estado, prefeitos, vereadores, ministros do
STF, procurador-geral da República e os presidentes de Tribunais de
Justiça, estes apenas quando retardarem ou frustrarem a liquidação de
precatórios.
Ainda
que a Lei 1.079/50, sobre crimes de responsabilidade, seja mais
extensiva, sua recepção pela Constituição está restrita exaustivamente
aos agentes públicos previstos na própria Carta Magna. Não pode agora a
hegemônica facção criminosa da Câmara estender esse tipo de delito aos
juízes e aos promotores. A não ser que, no seu caviloso intento de
legalizar a corrupção, consigam aprovar uma PEC que estenda a estes o
impeachment em razão do mérito de seus julgados ou suas investigações.
O crime
de responsabilidade estabelecido na Constituição define-se como uma
conduta ilícita praticada pelos agentes político-administrativos ali
apontados e cujos julgamento e sanção são também políticos, o que não se
coaduna com a atuação dos juízes e do MP. Por se tratar de infrações
político-administrativas, elas são, em regra, processadas e julgadas no
âmbito do Poder Legislativo. O julgamento é político e a sanção não tem
natureza criminal, apesar da denominação “crime de responsabilidade”.
Esse
tipo de crime jamais pode ser cometido por pessoas enquanto exercem
atividades jurisdicionais ou investigativas. A submissão de juízes e
membros do MP a esse crime esvaziaria completamente as funções precípuas
e cotidianas dessas instituições.
O que se
busca é punir um agente político que impeça o correto funcionamento dos
Poderes do Estado. Isso nada tem que ver com a função de julgamento,
promovida pelos juízes, ou de investigação e proteção do interesse
coletivo, exercida pelos promotores.
Juízes e
integrantes do MP não são agentes políticos, sua atuação está limitada
ao cumprimento das funções judicantes e de defesa da sociedade
atribuídas pela Constituição.
O
Judiciário e o MP, já saturados de trabalho, teriam, se aprovado o
sórdido projeto, de se consagrar primordialmente a responder por crime
de responsabilidade ajuizados pelos réus e pelos investigados que
desejarem opor obstáculos ao processo ou à investigação, ou simplesmente
retaliar politicamente o Judiciário ou o MP. Em consequência, haveria
uma enxurrada de processos de impeachment por crimes de responsabilidade
que deveriam ser julgados pelos parlamentares, desviando-os da sua
função precípua de legislar (?!).
Essa
medida espúria teria como efeito a completa “politização da Justiça” e o
desequilíbrio entre os Poderes, banalizando função extremamente
excepcional, atribuída ao Legislativo, de julgar os membros dos demais
Poderes por práticas político-administrativas ilícitas, exaustivamente
previstas na Constituição. Os investigados passariam a julgar os
investigadores e os réus passariam a julgar os julgadores.
Cabe a
todos nós tomar as ruas para apontar, um por um, os 313 membros do
Comando pró-Corrupção e repudiar suas ações criminosas no seio da
Câmara, adotadas na sinistra madrugada de quarta-feira. Trata-se de
medida “legislativa” que afronta a Constituição federal não só por ferir
os princípios da moralidade e da impessoalidade, mas por desvirtuar a
natureza restrita e especialíssima do crime de responsabilidade.
(Estadão). DO O.TAMBOSI
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