quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Renan teve surto de Cunha e emboscou Temer



Alguma coisa subiu à cabeça de Renan Calheiros na noite passada. O presidente do Senado tentou, sem sucesso, enfiar goela abaixo do plenário o pacote de medidas anticorrupção que a Câmara convertera em pantomima horas antes. O circo armado pelos deputados provocara reações ácidas da chefia do Supremo Tribunal Federal e dos procuradores da Lava Jato. E Renan, em vez de munir-se de um extintor, convidou os senadores a tocarem fogo na lona, aprovando às pressas medidas que reintroduziram a batida das panelas na trilha sonora da crise.
Houve pânico do Palácio do Planalto. Ao saber que Renan colocaria em votação um pedido para que o pacote desfigurado fosse votado com urgência, um auxiliar do presidente disse ao blog: “Isso parece coisa do Eduardo Cunha, personagem dado a rompantes, não do Renan, um político sempre muito calculista.” Líder de Temer no Senado, o tucano Aloysio Nunes Ferreira (SP) endereçou um apelo aos colegas:
“Estou me dirigindo ao plenário desta Casa”, disse Aloysio, achegando-se ao microfone. “Não nos coloquemos hoje na contramão da opinião pública brasileira. Vamos verificar que existe vida lá fora. E falo também em nome do governo, porque eu não quero que essa matéria chegue na mesa do presidente da República, para sancionar ou vetar.” Mais cedo, Aloysio escalara a tribuna do Senado para tachar de “cretinice parlamentar” a desfiguração do pacote anticorrupção.
Renan não se deu por achado. Informou que recebera um pedido de urgência subscrito pelos líderes de quatro partidos: PSD, PTC, PMDB e PP. E não lhe restava senão submeter a questão à deliberação do plenário. Lorota. “Foi tudo um grande escárnio. O regimento do Senado foi rasgado”, diria ao blog, mais tarde, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES). “É o avesso, do avesso do avesso”, completou, evocando a célebre canção.
Em privado, Renan disse a senadores que lhe são próximos que os signatários do pedido de urgência não eram os únicos partidários da pressa. Outros colegas teriam endossado a ideia de votar ainda na noite de quarta-feira o pacote tóxico. Citou os nomes de Roberto Requião (PMDB-RP), Jorge Viana (PT-AC), Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) e até Aécio Neves (PSDB-MG). Levado a voto, o pedido de urgência foi rejeitado por 44 votos a 14. Curiosamente, apenas dois dos nomes citados Renan estavam na lista dos 14 que votaram a favor: Roberto Requião e Fernando Bezerra.
De duas, uma: ou Renan vendia uma mercadoria de que não dispunha ou foi traído. A matéria desceu à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, onde terá, para sossego momentâneo de Michel Temer, uma tramitação lenta e convencional. Os temores evocados por Aloysio Nunes foram pintados com cores ainda mais fortes pelo senador Cristovam Buarque (PPS-DF).
“Quero falar para os meus pares”, disse Cristovam em intervenção feita antes da proclamação do resultado que frustrou Renan. “Se nós votarmos e aprovarmos isso, não acredito que o presidente Temer tenha a coragem de sancionar. Ele estará caminhando para o fim do mandato dele. Um fim antecipado pela desmoralização completa que ele vai sofrer.”
Organiza-se na internet a volta às ruas de brasileiros insatisfeitos. O protesto está agendado para este domingo (4). As panelas da noite passada soaram como prenúncio do que pode vir pela frente. E o grande receio do Planalto é o de que o slogan ‘Fora Temer’ apareça ao lado de ‘Fora Renan’ nas faixas que antes eram compartilhadas pelo 'Fora Dilma' e pelo ‘Fora Cunha’.



O Supremo Tribunal Federal julga nesta quinta-feira uma denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Renan Calheiros. Nela, o presidente do Senado é acusado de receber propinas da construtora Mendes Júnior para pagar a pensão de uma filha que teve fora do casamento. O escândalo estourou em 2007. Após a formalização da denúncia, o processo aguarda por uma deliberação do Supremo há cerca de 4 anos. E o Palácio do Planalto sonha com um pedido de vista que produza um adiamento a perder de vista.
O processo contra Renan é o primeiro da pauta. Se aceitar a denúncia da Procuradoria, o Supremo abrirá uma ação penal, enviando o senador para o banco dos réus. E o governo de Michel Temer receia que a mudança de status de denunciado para réu transforme Renan num aliado de dois gumes, dividido entre as prioridades legislativas do governo e a agenda litigiosa que mantém o senador em pé de guerra com juízes e procuradores.
O problema é que a realização do sonho de Temer e seus operadores mergulharia o Supremo num pesadelo. Os magistrados recorrem ao pedido de vista quando avaliam que precisam de mais tempo para analisar os autos. Como explicar à plateia que um processo que está na fila de julgamento há quase quatro anos ainda não foi digerido por Suas Excelências?
Há um mês, o ministro Dias Toffoli acudiu Renan. Estava sobre a mesa uma ação que questiona a presença de réus em cargos situados na linha de sucessão da Presidência da República. Num instante em que a maioria dos ministros do Supremo já havia decidido que réus não podem ocupar funções como a de presidente do Senado, Toffoli pediu vista do processo, empurrando com a barriga a formalização do veredicto. Um novo adiamento agora deixaria a Suprema Corte mal com a opinião pública. DO J.DESOUZA

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