quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O crime, organizado ou desorganizado, aprendeu a ter a imprensa como aliada

Em 2011, houve 4.194 homicídios no Estado de São Paulo, que tem 42 milhões de habitantes. Dividindo-se o número de ocorrências por 365, tem-se uma média de 11,65 mortes por dia. Imaginem se a imprensa fosse transformar em notícia, em tom de alarme, cada uma dessas mortes. Viver-se-ia a impressão, como se vive nestes dias, de que há uma guerra civil no estado. OCORRE, VEJAM VOCÊS, QUE ESSAS 4.194 OCORRÊNCIAS COLOCARAM O ESTADO EM ÚLTIMO LUGAR NO RANKING DOS HOMICÍDIOS POR 100 MIL HABITANTES ENTRE AS 27 UNIDADES DA FEDERAÇÃO: 10,1. Dito de outro modo: considerando-se o tamanho da população, São Paulo é o estado em que menos se mata.
É essa a sua impressão, leitor amigo? É essa a impressão dos seus amigos? É essa a impressão dos telespectadores? Essa informação nem mesmo vai parar na TV. O Jornal Nacional, por exemplo, ignorou solenemente esse dado ontem, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Também não se informou que, em 2011, o governo federal gastou R$ 1,5 bilhão a menos com segurança pública do que em 2010. Mas vimos lá o “serioso” ministro da Justiça a prometer empenho no combate à violência.
Escrevi alguns posts a respeito. O mais completo está aqui. Estou querendo negar o surto de violência que já matou 90 policiais neste ano? Não mesmo! Ao contrário: acho que ele requer que se apele à lei que temos para punir severamente os culpados (trato disso em outro post). Estou querendo que a imprensa omita as mortes? Também não! Mas esperem: o Brasil tem uma média de 50 mil homicídios por ano! Vale dizer: onde vivem os outros 148 milhões de brasileiros (190 milhões menos a população de São Paulo), ocorrem, então, 45.806 assassinatos (subtraí de 50 mil os números de 2011). Entenderam a matemática da coisa? Se, em São Paulo, há 10,1 mortes por 100 mil, no resto do país, há quase o triplo (na média). Há estados em que os números são mais escandalosos.
Quantos morreram ontem no Rio e onde? Quantos morreram ontem em Alagoas e onde? Quantos morreram ontem em Pernambuco e onde? Quantos morreram ontem na Bahia e onde? Se o estado em que se mata proporcionalmente menos merece essa cobertura quase caso a caso, por que não se usa o mesmo procedimento nos demais? É inegável que isso cria uma distorção que agride os fatos. Não é só isso, não! Há procedimentos ainda mais graves em curso. Vamos lá.
Eu não tenho dúvidas de que o PCC está por trás do assassinato de policiais — o que, entendo, é atitude que pode ser classificada de terrorista. Não havendo ainda uma lei para punir esse tipo de crime, há outra disponível (ler post a respeito). Mas também é evidente que bandidos não necessariamente ligados ao partido do crime pegam carona na onda alarmista. Tudo o que um marginal deseja é ver a sua obra assinada. Há, nesses casos, o chamado efeito imitação. A depender de como se noticia que um ônibus foi incendiado, é certo que outros ônibus serão incendiados.
Ontem, no Jornal Nacional, José Roberto Burnier viu um rapaz fechando um bar em Brasilândia. O rapaz afirmou que havia ameaças e tal. O repórter não teve dúvida: anunciou a existência de um suposto toque de recolher na região. O dono do estabelecimento disse que iria voltar para o Ceará porque era mais “tranquilo”. Segundo o “Anuário da Violência de 2012”, houve naquele estado, em 2011, 30,7 mortes por 100 mil — o triplo de São Paulo! O que certamente é mais “tranquilo” no Ceará é o noticiário… A Polícia não constatou toque de recolher nenhum. Para baixar a íntegra do anuário, clique aqui.
Querem outro dado interessante? Com 16 milhões de habitantes, houve 4.009 homicídios no Rio — quase o mesmo número absoluto de São Paulo, embora tenha uma população muito menor. Segundo o anuário, o estado teve no ano passado 24,9 mortes por 100 mil habitantes, mais do que o dobro do estado vizinho. São 10,98 assassinatos por dia. Houve uma queda? Houve, sim! Mas os números, se o caso é fazer alarme e alarde, são muito piores. Não obstante, o Rio é apresentado como referência do que se poderia fazer em São Paulo. Seria uma piada cretina se não se tratasse, lamento, de politicagem.
Hoje, infelizmente, o crime, organizado ou desorganizado, virou uma espécie de pauteiro de setores da imprensa de São Paulo. É como se eles preparassem o espetáculo na certeza de que terão audiência.

Lei de Segurança Nacional neles, sim!, já que o PT não permite que se vote uma lei contra o terrorismo

Já tratei do assunto aqui algumas vezes: o PT e as esquerdas se recusam a votar uma lei que puna crimes de terrorismo. A razão é conhecida: boa parte dos atos do MST e da tal Via Campesina mereceria essa caracterização. A ausência de uma punição específica para esse crime já fez com que o Brasil libertasse um libanês comprovadamente ligado à rede terrorista Al Qaeda. Aquela comissão criada por José Sarney para reformar o Código Penal resolveu punir o terror, mas tomou o cuidado de estabelecer uma exceção: a menos que seja praticado por grupos que lutam por… justiça social! Ah, bom! Se for “pelo social”, então pode! Uma nojeira! Mas por que volto agora a essa questão?
O delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Marcos Carneiro Lima, chegou a defender que certos crimes praticados recentemente em São Paulo sejam enquadrados na Lei de Segurança Nacional, a 7.170, de novembro de 1983. Na Folha, noticiou-se que ele queria empregar uma “lei do Regime Militar”. Bem, a ser assim, deve-se jogar fora boa parte do Código Penal, votada durante o Estado Novo — ou aquilo não era uma ditadura?
A Lei 7.170 está em plena vigência. E é o único texto que temos para enquadrar devidamente alguns atos praticados pelo crime organizado. Quem, de caso pensado, mata um policial porque policial, com características de execução, está obviamente cometendo um crime contra o estado e contra a ordem democrática. É subversão. É diferente do bandido que eventualmente mata um soldado numa troca de tiros, durante uma perseguição ou algo assim. O que se busca é levar o terror a uma corporação, tentando intimidá-la, para que não faça o seu trabalho.
Entendo que o crime está previsto — com o estabelecimento da devida pena — no Artigo 20 da lei, a saber:
Art. 20 – Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
Parágrafo único – Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.
O PCC é uma organização clandestina de caráter obviamente subversivo. A subversão não é caracterizada apenas por uma agenda política, de caráter ideológico, nem precisa estar estruturada para tomar na marra o poder legal. Basta que tente promover o caos social.
Não é o único caso em que a lei pode ser evocada. Leiam o que dispõe o Artigo 15:
“Art. 15 – Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
§ 1º – Se do fato resulta:
a) lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade;
b) dano, destruição ou neutralização de meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou parcial, de atividade ou serviços públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a economia do País, a pena aumenta-se até o dobro;
c) morte, a pena aumenta-se até o triplo.
Vagabundo que sai por incendiando ônibus para depois ver a sua obra nas reportagens de TV — o que deve lhe proporcionar grande satisfação pessoal, além de estimular outros a também produzir “notícia” — responderia por crime mais grave, com risco maior de pena; poderia chegar a 30 anos no caso de haver morte.
A Lei de Segurança Nacional foi aprovada durante o regime militar, mas não é  “do” regime militar. Deixou de sê-lo quando, na ordem democrática, foi mantida sem se chocar com a Constituição e com os demais códigos vigentes. Se ela pode contribuir para punir com a devida gravidade os crimes cometidos pela bandidagem, que seja acionada em defesa da sociedade, ora essa! Ou um país deve agora se envergonhar de recorrer a seu estoque legal para manter a paz social e enquadrar os agressores?
Marcos Carneiro Lima, o delegado-geral, está, entendo, certo na defesa que faz. Não dá para ficar à espera do Congresso ou das medidas miraculosas propostas pelo governo federal. A seriedade da turma no combate à violência se revela num corte, em 2011, de R$ 1,5 bilhão no dinheiro destinado à segurança pública.
Se bandido comum recorre ao terrorismo, tem de ser tratado como terrorista.
Por Reinaldo Azevedo
 

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