Não
tenho especial prazer em ser chulo — aliás, prazer nenhum, muito pelo
contrário! —, mas também não temo as palavras. Ao Supremo Tribunal
Federal caberá, sim, dizer se cadeia, no Brasil, continua a ser um
“privilégio” que só atende aos três “pês”: pobre, preto e puta. Eu
convido os ministros do Supremo, então, a democratizar a língua do “pê” e
a dizer se “político” e “petista” também podem gozar desse benefício, o
que significará acrescentar um outro “pê”, este sim fundamental:
“poderoso”. Então ficamos assim: os ministros do Supremo dirão se o país
que prende, com especial desenvoltura, “pobre, preto e puta” também tem
a coragem de prender “político, petista e poderoso”. Tem ou não? É o
que veremos.
Não,
senhores! Eu não tenho, como sabem, a menor disposição para a vendeta de
classes. Quem inventou a era de “Os ricos também choram” foi a Polícia
Federal de Márcio Thomaz Bastos! E quem é Bastos? Hoje, o
advogado-estrela do mensalão, apelidado de “Deus” — deve-se pronunciar o
Nome D’Ele em inglês: “God”. Ainda me lembro da estrepitosa prisão de
Eliana Tranchesi em 2005, por exemplo; em 2009, de novo. Nesse caso,
mobilizaram-se 40 agentes da Polícia Federal para pegar a mulher em
casa, de camisola. Imaginavam o quê? Que fosse reagir de arma na mão? Aí
o ministro da Justiça já era outro: Tarso Genro — aquele que deu um
jeito de manter no Brasil o assassino Cesare Battisti. Tranchesi, que
morreu de câncer em fevereiro deste ano, foi condenada a 94 anos de
prisão pela Justiça Federal! É claro que a sua prisão, nas duas vezes,
foi um espetáculo midiático, o que não quer dizer, necessariamente, que
não fosse merecida. Ocorre que a ideia, então, era menos fazer justiça
segundo os autos e mais fazer justiça de classe. Uma empresária foi
usada como a Geni do Brasil, enquanto, como é mesmo?, “a nossa pátria
mãe dormia tão distraída, sem saber que era subtraída em tenebrosas
transações”.
As
operações espetaculosas da Polícia Federal — que têm a marca Márcio
Thomaz Bastos, reitero — eram engendradas enquanto larápios se ocupavam
de tomar grana do Branco do Brasil, por exemplo, para financiar
operações políticas que eram do interesse do Palácio do Planalto e do
petismo. Atenção! R$ 70 milhões do BB foram parar nas agências de Marcos
Valério. Ao verificar os serviços prestados, encontrou-me menos de 1%
do prometido. Era tudo mentira. Tranchesi sonegou impostos, deixou de
arrecadar dinheiro para os cofres públicos. Tinha de ser punida, sim! —
não humilhada, que isso é coisa de estado totalitário. Já o Banco do
Brasil foi roubado, surrupiado. Esses são os nomes. Mas, claro!, a
exemplo dos presos do filme “Carandiru”, todos são “inocentes”.
Por que
escrevo esses parágrafos? Muitos ficaram chocados — “Oh, que exagero!” —
com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, quando ele pediu,
clara e abertamente, a prisão dos protagonistas
do mensalão. É mesmo, é? Por quê? Então estamos tão narcotizados por
essa quadrilha que não podemos nem cogitar a hipótese de que gente que
rouba um banco público para financiar larápios mereça mesmo é cana? Por
quê? Um sonegador deixa de arrecadar — e merece ser punido, sim! Mas um
ladrão subtrai. Um deixa de acrescentar o que deve; o outro tira o que
não lhe pertence.
Disse Roberto Gurgel:
“Confiante no juízo condenatório dessa Corte Suprema e tendo em vista a inadmissibilidade de qualquer recurso com efeito modificativo da decisão plenária, que deve ter pronta e máxima efetividade, a Procuradoria-Geral da República requer, desde já, a expedição dos mandados de prisão cabíveis imediatamente após a conclusão do julgamento (…). Espera-se a condenação de 36 dos réus e a expedição dos mandados de prisão cabíveis. Em princípio, é algo que se aplica a todos”.
“Confiante no juízo condenatório dessa Corte Suprema e tendo em vista a inadmissibilidade de qualquer recurso com efeito modificativo da decisão plenária, que deve ter pronta e máxima efetividade, a Procuradoria-Geral da República requer, desde já, a expedição dos mandados de prisão cabíveis imediatamente após a conclusão do julgamento (…). Espera-se a condenação de 36 dos réus e a expedição dos mandados de prisão cabíveis. Em princípio, é algo que se aplica a todos”.
Que o
leitor entenda tudo direitinho. Não estou dizendo que Eliana Tranchesi
não deveria ter arcado com as consequências de seus atos, não! Deveria,
sim! Em 2005, ainda no site “Primeira Leitura”, escrevi um longo texto a
respeito (ver post nesta página). Eu só estou apontando agora, em 2012,
sete anos depois, a grande ironia: ninguém menos do que Márcio Thomaz
Bastos (aquele diante do qual se ajoelha, retoricamente ao menos, o
ministro Ricardo Lewandowski), então chefe da PF que prendeu Tranchesi
naquela megaoperação, é advogado de um dos acusados do mensalão e o
grande esteio da defesa dos réus. Os crimes, sem sombra de dúvida,
existiram. Os advogados tentarão, a partir de segunda-feira, demonstrar
que nunca houve criminosos!
Cadeia,
sim! Parabéns a Roberto Gurgel, procurador-geral da República, por ter
tido a coragem de chamar as coisas pelo nome que elas têm.
Chateados
Advogados que defendem os réus, alguns deles com muita penetração no que o petismo chama “mídia”, encarregaram-se de espalhar a falácia de que a denúncia de Gurgel é fraca e não traz evidências. Não é verdade! Ao contrário. Seu relatório foi muito mais consistente do que se imaginava. Os crimes estão perfeitamente caracterizados — são, na verdade, inegáveis —, e ele evidenciou, com clareza meridiana, as ocorrências segundo o que se chama em direito o “domínio dos fatos”.
Advogados que defendem os réus, alguns deles com muita penetração no que o petismo chama “mídia”, encarregaram-se de espalhar a falácia de que a denúncia de Gurgel é fraca e não traz evidências. Não é verdade! Ao contrário. Seu relatório foi muito mais consistente do que se imaginava. Os crimes estão perfeitamente caracterizados — são, na verdade, inegáveis —, e ele evidenciou, com clareza meridiana, as ocorrências segundo o que se chama em direito o “domínio dos fatos”.
Em alguns
casos, a prova grita. Fim de papo! O sujeito foi lá e sacou a grana do
esquema no banco. “Ah, mas era para pagar dívida de campanha…” Tanto
pior se fosse! Mas poderia ser para comprar leite para os gatinhos “em
situação de vulnerabilidade”, como diriam os esquerdopatas amorosos hoje
em dia. Em outros casos, a prova é menos escandalosa porque deriva da
ação mais sorrateira.
A defesa
ficou, na verdade, chateada. Muitos por ali estavam acostumados a
engravidar jornalistas pelo ouvido — “Ó, não há provas, tá?” —, que
saíam por aí a reproduzir a inverdade. Ainda persiste, por exemplo, a
falácia de que prova mesmo, de verdade, só com ato de ofício — um
documento assinado. Não é o que está no Código Penal nem na lógica, já
que o profissional da roubalheira, por óbvio, não assina papel.
Não caiam
nessa conversa! A verdade é que a acusação do procurador surpreendeu os
próprios advogados de defesa pela contundência. Do emaranhado gigantesco
de acontecimentos, Gurgel conseguiu chegar a uma narrativa coerente,
recheada de provas, a demonstrar que aquilo a que se chamou “mensalão”
foi o mais ousado esquema de corrupção montado no seio do estado
brasileiro.
Não por
acaso, ele abriu o seu texto citando “Os Donos do Poder”, de Raymundo
Faoro. O mensalão é nada menos que um aggiornamento do conhecido
patrimonialismo, agora temperado por seu oposto combinado: o
gangsterismo que se formou para supostamente lhe dar combate. O
filme-símbolo do período que vivemos é “On the Waterfront” — ou
“Sindicato de Ladrões”, como ficou conhecido no Brasil. Quem não viu
deve fazê-lo hoje mesmo. Está em todas as locadoras e deve ser achável
na Internet.
Os 11 do Supremo vão dizer se roubar o Banco do Brasil é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se roubar dinheiro público é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se conceder benefícios a um banco privado em troca de grana é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se comprar parlamentares e partidos com dinheiro sujo é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se agências de publicidade pagando parlamentares em nome de um partido é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se pagar em 2003 uma campanha eleitoral feita em 2002, em moeda estrangeira, no exterior, ao arrepio de qualquer controle, é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se roubar dinheiro público é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se conceder benefícios a um banco privado em troca de grana é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se comprar parlamentares e partidos com dinheiro sujo é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se agências de publicidade pagando parlamentares em nome de um partido é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se pagar em 2003 uma campanha eleitoral feita em 2002, em moeda estrangeira, no exterior, ao arrepio de qualquer controle, é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer, em suma, se a safadeza deve ser tomada como a medida da normalidade brasileira.
Para
tanto, eles têm inteira clareza do domínio dos fatos. Uma coisa é certa:
nenhum deles será esquecido. O poder petista, à diferença dos
diamantes, não é eterno. Mas a memória histórica é, sim! Enquanto houver
Brasil, haverá os 11 ministros que julgaram os réus do que se chamou
“mensalão”.
REV VEJA
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