sábado, 14 de julho de 2012

Dilma, a caminho de 9144 metros de profundidade: “Um abraço no coração”

CELSO ARNALDO ARAÚJO
Nem transformada em abóbora Dilma Rousseff consegue acertar uma frase ─ mesmo feita. A frase feita — o chavão, o clichê, o lugar comum – é o prêt-à-porter do mundo das palavras. Um figurino pronto e acabado, no qual é impossível mexer, seja para melhorar, seja para deformar, porque tal sucessão de palavras já se cristalizou no tempo e nos costumes, se tornou una, indivisível, imutável.
Na frase feita, cada palavra sabe onde tem de estar ─ e por automatismo psíquico as pessoas a assimilam, repetindo-a ipsis literis sempre que um pensamento a reclama, das expressões populares a versículos bíblicos. Assim também nascem e se consagram os bordões. Até pessoas sem educação formal, ignaras, analfabetas mesmo, têm a capacidade de repetir um bordão sem hesitação, tartamudeio ou mau enunciado ─ ok, esta semana, o prefeito de Palmas, na CPI do Cachoeira, queixou-se de ser um “boi expiatório”. Mas estava sem dúvida sob o terrível stress de se sentir acuado por uma CPI que não acua ninguém.
Em Maragojipe, na Bahia, o momento não era de stress, mas de festa: o batismo da Plataforma P-59. Em meio a uma miríade de plataformas imaginárias – as seis mil creches, os três milhões de casas, a Ferrovia Norte-Sul e múltiplos etc ─ a P59, felizmente, já tem vida própria, ou quase: ainda falta ser levada ao poço Peroá Profundo, no litoral do Espírito Santo, para perfurar a até 9.144 metros de profundidade.
Antes de comemorar, é bom lembrar do petroleiro João Cândido, lançado ao mar por Lula e recolhido no mesmo dia — sob risco de cruzar com a P59 no caminho vertical — para reparos básicos de 300 milhões de dólares. Os construtores do fiasco devem ter levado a sério o coro então puxado por Lula no estouro da garrafa de espumante contra o casco:
– É pique, é pique. É pique, é pique, é pique…
De volta ao raso. Dilma, exultante, trocando juras de amor com os operários logo no começo do vídeo ─ desconfio que o macacãozinho abóbora que lhe arrumaram venha a ser o destaque absoluto da sexta-feira 13 no Diário de Dilma de julho, mas essa é outra história.
Nossa história, aqui, tem início aos 3:56 deste vídeo – após penosos minutos satanizando “eles”, ou seja, o resto do mundo, que cisma de estar em crise, “cortando 30% dos salários dos vereadores”.
Dilma quer repercutir mais uma redução de meio ponto na taxa Selic. Para colorir o feito, ocorre-lhe valer-se do mais surrado bordão criado por seu mentor e padrinho, “nunca antes na história deste país”. Os peixinhos de um aquário doméstico colocado diante da TV nos últimos oito anos saberão repetir as seis palavras exatamente nesta ordem – inclusive o “deste”, que Lula aprendeu a muito custo.
Não Dilma:
“Os juros nesse país estão num nível que nunca antes, como diria Lula, na história desse país eles atingiram”.
Não, nem Lula diria isso. Seria o caso de perguntar à presidente: que país é esse, se não é este?
É capaz de feitos históricos, como o anunciado no final deste vídeo. Afinal, presidente, como será o Brasil do futuro, o Brasil de Dilma, imune à crise?
“Em primeiro lugar, vai olhá pro seu povo, pra suas, pra suas, pra sua população, pro seus brasileiros e pra suas brasileiras. Um abraço no coração. E um beijo também”.
Nunca antes na história deste país uma presidente falou desse jeito.

POR AUGUSTO NUNES
REV VEJA

Nenhum comentário:

Postar um comentário