segunda-feira, 26 de março de 2012

Caso Panamericano demonstra fadiga do “jornalismo investigativo” brasileiro

Mais interessada em crimes imaginários ou romantizados, cujas evidências são muitas vezes inacessíveis ou de qualificação duvidosa (“crimes da ditadura”, “agressões a minorias”, “perseguição a ciclistas”, “manifestações polêmicas de pensamento”, “intolerância da igreja”), motivada por ideologia ou testemunhos pessoais, a imprensa falha cada vez mais em investigar e informar aos brasileiros os abusos praticados rotineiramente por políticos e agregados ao poder – como no caso envolvendo o resgate do banco de Silvio Santos.
Os jornalistas brasileiros estão muito ocupados. Boa parte do tempo, distraem a si próprios – e a seus pobres leitores – com jornadas ilusórias em nome da “verdade” e da “justiça”. É comum perceber como o jornalismo investigativo nacional gasta quase toda a sua energia indo atrás de, basicamente, três tipos de “suspeitas” ou “denúncias”:
- aquelas de crimes arqueológicos, cuja averiguação é praticamente impossível e, quando levada a cabo, totalmente dependente da inclinação ideológica de quem investiga e de juízos de valor que pouco têm a ver com o conceito de justiça baseado na letra rigorosa da lei (o que realmente importa). São “crimes” praticados não raro há décadas atrás, cuja única evidência baseia-se em testemunhos das próprias alegadas vítimas.
- aquelas de crimes imaginários, que em circunstâncias normais não se caracterizariam como tais, sendo possível apenas a sua “tipificação” na cabeça e no teclado dos próprios “formadores de opinião” (jornalistas encabeçando a lista). São as habituais denúncias escandalizadas tendo por alvo quaisquer expressões de pensamento contrárias ao manual politicamente correto, perseguições imaginárias a grupos, militância ou minoria, discussões teológicas, etc.
- aquelas de crimes caricaturais que pululam no noticiário e que, num contexto social mais amadurecido, teriam menor importância: desvios de verbas em municípios minúsculos do interior do Brasil, sumiços de peruas escolares, superfaturamento de copinhos descartáveis, grampeadores licitados que não funcionam, e toda sorte de desvios e formas de corrupção mambembe que se alastram pelo país, mas que em termos quantitativos são infinitamente menos significativas do que outro tipo de desvio ou corrupção observado em altos escalões, cuja autoria, entretanto, possa envolver lideranças ilustres com as quais é melhor não mexer.
Em menor ou maior grau de envolvimento e culpabilidade, os alvos de tal jornalismo investigativo repetem-se tediosamente: são militares da reserva com idade acima dos 90 anos, pastores evangélicos, funcionários de sexto escalão de repartições públicas esquecidas, comediantes de stand up, “ricos” desavisados, blogueiros não alinhados, etc.
Ao reservar tanto tempo e tanta energia para esse tipo de “investigação”, é óbvio que sobra pouco espaço para investigações mais relevantes, com maior peso social e que, via de regra, referem-se a ilegalidades ou imoralidades que trazem inevitavelmente maior prejuízo (financeiro e moral) para a sociedade brasileira.
A disposição prévia da imprensa brasileira em relação a o que é ou não “ilegal”, o que é ou não “imoral”, e o que merece ou não ser investigado, resultou na atual fadiga observada no chamado “jornalismo investigativo”. Um bom exemplo do fenômeno é o episódio envolvendo o resgate do Banco Panamericano, empreendimento original do comunicador e empresário Silvio Santos e levado à ruína financeira por má gestão e, ao que consta, fraude contábil generalizada.
Veja o que o M@M publicava em 22 de setembro de 2010:
Como sempre aparentemente alheio ao tempo e ao espaço, o comunicador e empresário Silvio Santos resolveu dar mais 15 minutinhos de fama a Lula, o presidente que simplesmente não sai da mídia desde que assumiu o cargo - ora jurando a oposição, ora atacando alguma instituição, ora simplesmente fazendo campanha eleitoral mesmo. Santos disse que foi pedir "doação de Lula" ao Teleton. Mas precisava esse programa de auditório todo só para isso, justo agora? Em qual país vive o Señor Abravanel?
Num momento em que há uma guerra declarada de Lula e seus partidários contra os meios de comunicação, parece no mínimo despropositada a visita de Silvio Santos (ele mesmo um gigante da mídia), assumindo-se mais uma vez como uma espécie de Eduardo Suplicy da TV brasileira - uma figura tão inusitada, tão desprovida de sentido, tão atrapalhada, que acaba passando por eternamente inofensiva aos olhos da opinião pública. Ainda que pareça estar assumindo um lado, quando resolve dar mais Ibope para um presidente que (até onde se sabe) tem popularidade para dar e vender: http://gente.ig.com.br/materias/2010/09/22/silvio+santos+vai+ao+planalto+e+pede+dinheiro+a+lula++9597568.html.
O texto fazia referência à estranha visita de Santos a Lula, em plena corrida eleitoral. Pouco tempo depois, em 27 de outubro, o M@M publicava o seguinte:
O M@M foi o primeiro e provavelmente o único espaço na internet a enxergar estranheza no encontro entre Silvio Santos e Lula, ocorrido há cerca de um mês no Palácio do Planalto. De lá para cá, a emissora produziu a pegadinha da bolinha de papel (que caiu como uma luva na reta final da campanha de Dilma) e agora cancelou uma entrevista com José Serra. Obviamente, nada disso tem a ver com o referido encontro. Tanto Lula quanto Silvio Santos são cidadãos acima de qualquer suspeita.
Desta vez, o texto fazia menção aos acontecimentos que se desenrolavam na reta final da eleição que terminaria por eleger Dilma. Nas palavras da jornalista da Folha Renata Lo Prete:
O SBT-Nordeste procurou a campanha de José Serra para cancelar a entrevista que faria com o candidato tucano à Presidência da República nesta quarta-feira, às 12h20, em substituição ao debate inviabilizado pela recusa de Dilma Rousseff (PT) em participar. (...) O SBT-Nordeste, porém, alegou a assessores de Serra ter recebido pressão da cúpula nacional da emissora para não realizar a entrevista.
SBT? É aquela emissora que contribuiu para espalhar a farsa da “bolinha de papel”, que, a um só tempo, buscou tornar irrelevante uma agressão fascistóide, debochar da vítima e ainda inverter a lógica das culpas? É, sim!
O SBT Nordeste alega pressão vinda da cúpula da emissora, e a cúpula da emissora certamente recebe pressão da cúpula do governo. Trata-se de um escândalo, que escarnece da liberdade de imprensa. O que temos, então? A ser assim, é Dilma quem decide quando Serra fala ou não. Se ela decidir comparecer aos eventos, então ele fala também. Se ela se negar, então ele também silencia.
Reinaldo Azevedo faz referência a outro episódio lamentável envolvendo o SBT (a televisão de propriedade de Silvio Santos) e a campanha presidencial. Para rememorar (http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/hipotese-de-que-bolinha-de-papel-atingiu-serra-precisaria-ter-cumplicidade-na-farsa-de-varias-pessoas-inclusive-de-medico-serio-e-de-hospital-renomado/):
Circula na Web, e em certos veículos eletrônicos, a versão de que o presidenciável tucano José Serra não foi atingido na cabeça por objeto capaz de causar qualquer dano, durante caminhada no bairro de Campo Grande, no Rio, e sim por uma bolinha de papel.
A versão se baseia em trecho de um vídeo da rede de televisão SBT a respeito dos incidentes de ontem, ocorridos quando militantes do PT entraram em confronto com militantes do PSDB.
O SBT mostra que Serra não parece ter sentido nada de especial ao ser atingido pela bolinha de papel, e que só começou a mostrar sinais de que algo o havia eventualmente ferido depois de atender a uma ligação em seu celular. Ele, então, estaria simulando algo mais grave do que ocorreu para se fazer de vítima.
A edição realizada pelo SBT do vídeo da agressão sofrida pelo candidato contribuiu para disseminar a versão de “farsa”, ridicularizar o candidato e pode ter feito inestimável estrago na votação de Serra na reta final da campanha.
Em 10 de novembro de 2010, o M@M continuava dando atenção ao assunto, publicando o texto a seguir:
Os leitores do M@M foram os primeiros a serem alertados de que havia algo muito estranho na visita do empresário e animador de auditório Silvio Santos a Lula em pleno momento de campanha eleitoral, evento que obviamente foi tratado com desdém pelos habituais “jornalistas conceituados” dos grandes meios de comunicação.
Pois bem: depois da vergonhosa atuação do jornalismo do SBT nos episódios envolvendo José Serra, uma parte da verdade começou a vir à tona nesta 3ª feira, quando tornou-se público um rombo de 2,5 bilhões de reais no Banco Panamericano, cujos sócios são o próprio Silvio Santos (majoritário) e a Caixa Econômica Federal (estatal, minoritária).
O rombo é resultado de possível fraude contábil, como revela o artigo do Estado de São Paulo (http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,solucao-foi-negociada-com-caixa-e-bc,not_42674,0.htm). Causa estranheza o fato de que a inconsistência no balanço do banco não tenha sido percebida pela Caixa a tempo:
“Vale lembrar que a CaixaPar, braço de investimentos do banco estatal, fez uma longa e detalhada avaliação dos números do Panamericano antes de bater o martelo para a compra de 49% do capital do banco em dezembro de 2009. Na época, não havia sido encontrada nenhuma inconsistência nos balanços e relatórios.”
A situação foi contornada momentaneamente em um acordo entre o Banco Central e a própria Caixa. (...) Com a palavra, nossos “jornalistas investigativos”, sempre preocupados em encontrar conspirações envolvendo a CIA, a Opus Dei, a TFP e a Rede Globo, mas aparentemente incapazes de enxergar um gigantesco baú da felicidade na frente de seus narizes.
Passados quase dois anos do início dos acontecimentos, o assunto volta timidamente à tona, confirmando parcela significativa das suspeitas levantadas pelo M@M e pela meia dúzia de jornalistas sérios do país – mas, ainda hoje, causando no máximo bocejos entre os “jornalistas investigativos”, que em outras circunstâncias (ou tendo outros políticos e celebridades como “alvos”) estariam em polvorosa.
Em 11 de março de 2012, o ex-braço direito de Silvio Santos, o antigo presidente de seu grupo econômico, Luiz Sandoval, revelou à Folha de São Paulo:
1-Por que a CAIXA tornou-se sócia do Banco Panamericano, o que logo se revelaria um péssimo negócio:
LUIZ SANDOVAL - Muitos bancos menores tentaram ter a Caixa como sócia. Mas que banco tinha Silvio Santos como dono? Isso deixou a Caixa com olhos grandes. A Caixa também teria anúncios no SBT desfrutando dos mesmos descontos dados às empresas do grupo.
2-Que a CAIXA participava diretamente da administração do banco:
L.S. - Houve um episódio estranho durante as negociações. Em uma das várias reuniões, a Caixa pediu que fosse criada uma diretoria de risco no banco. Palladino foi contra.
FOLHA - A diretoria foi criada?
L.S. - Sim.
FOLHA - Então a Caixa estava de fato dentro do banco.
L.S. - A Caixa colocou dois diretores no PanAmericano desde que efetuou o primeiro pagamento, em dezembro de 2009. Mas eles só oficializaram a entrada após a anuência do BC [outubro de 2010].
3-Finalmente, que o encontro de Lula com Silvio Santos estava relacionado com o resgate do banco, e não com o Teleton, como jocosamente havia alegado o apresentador na época:
L.S. - Silvio pediu que eu procurasse novamente o Bradesco. O banco me aconselhou a não procurar nenhum outro banqueiro. Acho que para não espalhar a situação... Logo depois, o Silvio pediu para que eu procurasse o FGC [Fundo Garantidor de Créditos].
FOLHA - O encontro de Silvio Santos com Lula tinha a ver com isso?
L.S. - A conversa de que o Silvio tinha ido até lá para pedir uma participação dele no Teleton foi um discurso para a imprensa. Ele foi lá pedir a ajuda do presidente.
FOLHA - Funcionou?
L.S. - Quando cheguei lá [no FGC], tive a sensação de que o acordo já estava pronto. Só negociei as condições.
Este seria o momento quando o chamado “jornalismo investigativo” iria até Lula e até Silvio Santos, confrontando a declaração de Sandoval; e até a direção de jornalismo da emissora, questionando a relação direta entre a ordem de cancelar a entrevista de Serra, a edição da agressão a ele e o encontro entre o dono da emissora e o presidente.
Questões factuais seriam propostas, tais como: Santos ordenou o “teor” da edição do episódio da agressão contra Serra? Santos ordenou que o SBT cancelasse a entrevista com Serra? Santos e Lula conversaram a respeito de qualquer uma dessas situações da cobertura da campanha eleitoral no encontro?
Outras questões, de ordem diversa, seriam também levantadas: quais as implicações legais e morais estão envolvidas no encontro entre Lula e Santos, que salva o banco (Panamericano) deste, enquanto sua empresa de comunicação (SBT) leva adiante uma cobertura, na melhor das hipóteses, altamente discutível da corrida eleitoral – onde uma das candidatas, intrinsecamente ligada a Lula, acabaria saindo beneficiada e vitoriosa?
O interesse em relação ao tema, contudo, parece insignificante. Nossos bravos jornalistas investigativos estão muito ocupados com crimes “ocorridos” há 50 anos atrás, durante o regime militar, e procurando esqueletos nos armários de Hogwarts. Estão exercendo rigorosa patrulha quanto ao que dizem pastores e padres no exercício de sua liberdade de culto. Ou então estão pedindo cadeia para fraudadores de licitação de fraldas descartáveis (o que não deixa de ser importante, mas na atual escala de nossos descalabros é o mesmo que preocupar-se com o pigarro na garganta enquanto um tsunami se aproxima).
Para que o assunto não morresse de solidão (mas sim de fome), a própria Folha retomou o tema palidamente através de seu colunista Elio Gaspari, alguns dias depois. Escreveu ele, com o título sugestivo “A doação de Lula ao Panamericano”:
A maratona do Teleton arrecadaria R$ 24 milhões, mas o encontro de Silvio Santos com Lula resultou em outra doação, de R$ 2,5 bilhões, da banca que sustenta o Fundo Garantidor de Crédito com o dinheiro que coleta na sua clientela. (...)
A empulhação convencional dos hierarcas do Planalto, do Banco Central e da direção do FGC sustentaram que os R$ 2,5 bilhões foram injetados no PanAmericano a partir de critérios técnicos. Lorota.
O rombo, chamado inicialmente de "inconsistências contábeis", não era de R$ 2,5 bilhões, mas de R$ 4,3 bilhões. Ao final, custou R$ 3,8 bilhões ao FGC. O PanAmericano foi passado ao BTG Pactual em condições companheiras. Seu presidente, Rafael Palladino, e sete diretores estão indiciados em inquérito da Polícia Federal. Todos acumularam fortunas pessoais. Nenhum hierarca do Ministério da Fazenda, da Caixa ou do Banco Central reconheceu ter participado de uma negociação ruinosa.
Resta esperar para que se saiba como o FGC entrou na roda. As chances de que isso apareça por iniciativa da oposição são nulas. Na contabilidade do PanAmericano a Polícia Federal descobriu consultorias de grão-petistas e R$ 300 mil em doações legais para o partido. Dinheiro ilegal para políticos, só R$ 954 mil para o tucanato alagoano.
Fim da linha.

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