Como vocês viram abaixo, ninguém se apresentou para construir o trem-bala. Se há uma idéia que conta com uma quase unanimidade é esta: trata-se de um delírio megalômano, que consumiria uma fábula de recursos — não sairia por menos do que o dobro, do estimado pelo governo. Por que vocês acham que as empreiteiras não se dispõem a entrar nesse “negocião”, que seria a maior obra pública do país? Por medo de ganhar dinheiro? Ora…
O governo se dispõe a financiar praticamente sozinho essa estupidez, ficando uma pequena parte — perto de 20% — para a iniciativa privada. Mesmo assim, as empresas se recusam a entrar na aventura. Por quê? Porque sabem que, mesmo nessa perspectiva absurda de o governo arcar com 80% do projeto, os quase R$ 6 bilhões que lhes caberiam seriam, no mínimo, R$ 14 bilhões. Não há um só especialista sério que consiga atestar a viabilidade econômica do trem-bala. Num país em que a infraestrutura é capenga, chega a ser uma piada que a presidente da República se dedique com afinco ao trem-bala.
Há mais: eis uma obra que seria para gerações, governos… Se Dilma conseguir fazer a sua idéia sair da estação, estará encalacrando administrações futuras. Mas ela insiste, e o jogo começa a ficar truculento. Guido Mantega agora deu para ligar para os empreiteiros para reclamar, acusando-os, imaginem vocês!, de sabotar os interesses nacionais — ou bobagem do gênero.
Em novembro do ano passado, VEJA publicou uma reportagem demonstrando que o governo omite dados de um estudo que ele próprio encomendou e que deixava claro: o trem-bala custaria quase R$ 64 bilhões!!! Segue trecho:
Faltam estradas asfaltadas e bem sinalizadas, ferrovias para transportar cargas e passageiros, redes de metrô, portos eficientes, aeroportos decentes (e profissionais decentes para operá-los) e por aí vai. O governo do PT, no entanto, encasquetou que o principal investimento em transporte a ser feito pelo país tem de ser uma obra bilionária e de necessidade duvidosa: um trem de alta velocidade que ligará Campinas ao Rio de Janeiro, passando por São Paulo. O custo deixou de ser uma fábula para se tornar uma piada. A estimativa inicial, que era de 19 bilhões, já passou oficialmente para 33,1 bilhões de reais. A licitação para a construção desse portento da engenharia está marcada para o próximo dia 29. Curiosamente, até agora há apenas um grupo interessado no negócio, liderado por estatais da Coréia do Sul. Empresários nacionais e outras companhias estrangeiras não parecem animados a participar. Para evitar o vexame que será produzido se a licitação contar com apenas um participante, o governo tenta convencer alguns empresários, especialmente chineses, a formar ao menos mais um consórcio para entrar na disputa.O leitor deve estar se perguntando por que não surgem pencas de interessados em participar do leilão, já que o trem do PT deverá ser a obra mais cara realizada no Brasil desde a construção da Hidrelétrica de Itaipu. A resposta é a seguinte: apesar de os 33,1 bilhões de reais representarem uma soma estratosférica, nenhum empresário acredita que será possível levar a cabo o projeto proposto pelo governo por esse valor. Os trens-bala estão entre as estruturas mais caras que o engenho humano já foi capaz de imaginar. Os custos com engenharia civil, tecnologia e desapropriações são monumentais. O governo afirma que as empresas exageram no medo. Para provar o que diz, acena com um estudo realizado por duas consultorias, a brasileira Sinergia e a inglesa Halcrow. O material, que custou 5.5 milhões de dólares, foi apresentado em setembro de 2009 e está disponível na internet. Ele conclui que é possível, sim, fazer o trem caber no orçamento de 33,1 bilhões de reais.
Na semana passada, porém, VEJA teve acesso a uma informação que põe em xeque a credibilidade do estudo. Em abril de 2009 (cinco meses antes, portanto), a Sinergia e a Halcrow apresentaram ao governo um primeiro relatório econômico em que afirmavam que a obra custaria muito mais: 63,4 bilhões de reais, quase o dobro do que está sendo anunciado. É normal que, depois de entregar uma estimativa de custos, uma consultoria decida fazer um ou outro ajuste em seus números para aumentar o seu grau de precisão, mas são mudanças pontuais. Não há justificativa no universo da engenharia que faca uma obra orçada em 63,4 bilhões de reais sair, de repente, pela metade de preço. Mas, ao menos politicamente, a mudança veio a calhar: quanto mais baixo for o orçamento apresentado, mais fácil será para o governo convencer a opinião pública a aceitar a obra.
REV VEJA
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