segunda-feira, 26 de novembro de 2018
O dogma de “Mais Europa” arrisca-se a produzir “Mais Europa” com menos
europeus - e de certa forma já está a produzir, com a saída do Reino
Unido. Texto do professor João Carlos Espada para o Observador:
O Conselho Europeu aprovou ontem por unanimidade o acordo de saída do
Reino Unido da UE, bem como uma declaração política sobre o futuro da
relação entre ambos. Trata-se de uma boa notícia, ainda que, como
sublinharam Angela Merkel e Donald Tusk, seja uma boa notícia sobre um
acontecimento lamentável — a saída do Reino Unido da União Europeia.
Este paradoxo deveria sugerir uma reflexão mais alargada sobre o futuro
da União Europeia.
No centro dessa reflexão creio que deveria estar a questão da
legitimidade do sentimento nacional. Foi em nome do sentimento nacional e
da ancestral soberania do seu Parlamento nacional que 17,4 milhões de
britânicos votaram a favor da saída da União Europeia (tendo 16,1
milhões votado para permanecer). Não se trata de saber se votaram bem ou
se votaram mal. Trata-se de reconhecer que esse foi o resultado de um
referendo democrático, convocado pelo Parlamento e depois reconhecido
por ampla maioria nesse mesmo Parlamento (ainda que a maioria dos
deputados que aprovaram o resultado não fosse a favor da saída da UE).
Isto mesmo acaba de ser reconhecido pelo Conselho Europeu de ontem,
que aprovou por unanimidade o acordo de saída do Reino Unido da UE. Mas
deve ser observado que o sentimento nacional não desencadeou apenas a
saída do Reino Unido. É em nome do sentimento nacional que uma profunda
perturbação está a ter lugar nos sistemas políticos de inúmeros países
europeus.
Diferentemente do Reino Unido, onde a estrutura dos partidos centrais
se mantém, novos partidos radicais vêm emergindo em quase todos os
estados-membros da UE. Em vários deles, partidos radicais até há pouco
desconhecidos ou marginais estão hoje no governo.
Esses partidos têm sido justificadamente classificados de
‘populistas’. Mas a grande questão consiste em saber por que motivo esse
populismo está a ganhar significativo apoio popular em tantos países.
Estará o eleitorado a ficar radical e populista? Em caso afirmativo,
porquê?
Uma conjectura que venho apresentando há vários anos é que o
eleitorado não está necessariamente a ficar mais radical. Uma hipótese
bastante plausível é que os partidos centrais europeus deixaram aos
partidos radicais o monopólio de um tema que aqueles partidos centrais
abandonaram: o tema da descentralização de poderes para o nível local
(isto é, na UE, o nível nacional) e da devolução de poderes para os
Parlamentos nacionais. Este tema tem-se tornado mais apelativo devido às
vagas migratórias que chegam à Europa e à necessidade sentida pelos
eleitorados e pelos Parlamentos nacionais de definirem as suas próprias
políticas de imigração.
Por outras palavras, ao abandonarem o tema da descentralização e da
devolução de poderes para os Parlamentos nacionais, os partidos centrais
abriram um mercado eleitoral para os partidos radicais: o mercado do
sentimento nacional. E o resultado tem sido que esses partidos radicais
demagogicamente exploram o mercado eleitoral do sentimento nacional com
uma linguagem populista, radical, por vezes mesmo racista e xenófoba.
Isto está a acontecer porque os partidos centrais erroneamente
subscrevem o dogma de que ser europeísta significa necessariamente ser a
favor de sempre maior integração supra-nacional — a chamada “Mais
Europa” ou “ever-closer Union”. Este é um erro crasso que se arrisca a
produzir “Mais Europa” com menos europeus (de certa forma já está a
produzir, com a saída do Reino Unido).
A questão crucial reside em tornar possível a defesa de menos poderes
para Bruxelas e de mais poderes para os Parlamentos nacionais sem que
isso implique necessariamente a saída da União Europeia. Mas isto só
será possível se for abandonado o dogma de que ser europeísta
necessariamente significa ser a favor de sempre maior integração
supra-nacional. Por sua vez, isso implica reconhecer a legitimidade do
sentimento nacional e a sua compatibilidade com o ideal europeísta.DO O.TAMBOSI
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