domingo, 6 de maio de 2018
Não parece obviamente ser a solução ideal para os males gravíssimos de mau funcionamento de uma democracia de baixíssima qualidade em que se transformou o Brasil aos 30 anos de sua mais recente (a oitava) Constituição, mas não se deve descartar como irrelevantes esses sentimentos de grande parte da população — e de amplos setores nas FFAA — que podem desembocar num governo de corte direitista autoritário que desconforta muita gente, mas que pode estar sendo visto como o último baluarte da “moralidade”, ou simplesmente de uma reação necessária ao quadro vergonhoso que nos é apresentado por essa classe política genéticamente corrupta, com seus aliados em cortes superiores.
ESperemos que essa evolução tortuosa para um novo experimento de “autoritarismo legal” não se consolide nos próximos meses, de aqui às eleições, mas eu não descarto totalmente a hipótese de um novo retrocesso institucional em nome da desesperança com a “democracia que falhou”.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 6 de maio de 2018
Há uma guerra contra o estado de direito neste país, comandada pelas
forças que não podem conviver com ele, adverte J. R. Guzzo em sua coluna
na revista Veja.
Este blog não aceita golpe - e que fique claro, nem de direita nem de
esquerda. Exageros ideológicos sempre dão em merda. O PT tentou por
todos os meios impor uma ditadura chavista no Brasil (a que a imprensa
jamais se referiu), mas também não acredito que militares - mais na
caserna que tatu na toca - possam oferecer algum perigo. Nada se resolve
fora da democracia, por pior que ela seja - como lembrava Churchill.
Mas Guzzo faz bem em ressaltar: o lulopetismo continua se negando a
reconhecer o Estado de Direito. Por sinal, sempre foi um partido
golpista, que não acredita na democracia e tudo fez - e tudo fará - para
melar o regime jurídico-constitucional que se negou a referendar em
1988. Se há golpe em construção, é, de fato, dessa ralé totalitária:
Responda com franqueza, por favor: se amanhã ou depois o ministro
Gilmar Mendes, por exemplo, fosse despejado do seu gabinete no Supremo
Tribunal Federal por um terceiro-sargento do Exército, enfiado num
camburão verde oliva e entregue na penitenciária da Papuda por ordem do
Alto Comando das Forças Armadas, quantas lágrimas você derramaria por
ele? Esqueça as lágrimas. Você, ao menos, diria alguma coisa, qualquer
coisa, contra a prisão do ministro? Ou, ao contrário, acharia muito bem
feito o que lhe aconteceu? Só mais uma coisa: entre Gilmar Mendes (ou
Toffoli, ou Lewandowski, ou Marco Aurélio, etc.) e o general que mandou
todos para o xadrez, depois de passar a chave no STF e evacuar o prédio,
você ficaria ao lado de quem? Para completar o exercício, basta somar
ao Supremo o Congresso Nacional inteirinho, com seus 513 deputados e 81
senadores, os 27 governadores de Estado e mais os milhares de reizinhos,
sem concurso público e sem competência, nomeados para mandar na máquina
pública ─ onde se dedicam a roubar o erário, para si e para os chefes, e
a infernizar a sua vida. Se as Forças Armadas assumissem o governo,
fechassem o Congresso e demitissem essa gente toda, de preferência
mandando a maioria para o xadrez, tente calcular quantos brasileiros
ficariam a favor deles e quantos ficariam a favor dos militares. Chegue
então às suas conclusões.
Intervenção militar, golpe militar, regime militar, ditadura militar ─
francamente, quem gosta de falar abertamente dessas coisas? É preciso
ficar contra, é claro ─ e ficar contra agora pode vir a ser um belo
problema depois, se a casa acabar caindo um dia. É verdade que o cidadão
que tem algum tipo de interesse em política já não sente maiores
incômodos em tocar no assunto, principalmente se não tem mais paciência
com o lixo que as mais altas autoridades da República produzem sem parar
e depositam todos os dias na sua porta. Não chega a ser uma surpresa
fenomenal, assim, que um número cada vez maior de cidadãos esteja
começando a achar que seria uma boa ideia se os militares assumissem de
novo o governo do Brasil para fazer uma limpeza em regra na estrebaria
que é hoje a vida pública do país. Mas entre os políticos, nos meios de
comunicação, nas classes intelectuais e em outros lugares onde as
pessoas supostamente “entendem” dessas coisas, é um assunto que se trata
como um porco-espinho ─ com extremo cuidado. É melhor não ficar
comentando em voz alta, dizem. Não é o momento, não é o caso, não “se
trabalha com esse cenário”. É como falar mal do defunto no velório, na
frente no caixão. Tudo bem. Mas não é assobiando que se faz a
assombração ir embora. Nem fazendo cara de preocupado em programas de
televisão ou escrevendo artigos para solicitar aos militares, por favor,
que respeitem rigorosamente a Constituição, as instituições e os
monstros que ambas criaram e hoje estão soltos por aí. É preciso muito
mais do que isso.
Está complicado, em primeiro lugar, porque muita gente nem acha que
essa assombração é mesmo uma assombração ─ ao contrário, acha que é a
equipe de resgate chegando para salvar os feridos. Quantos brasileiros,
hoje, seriam a favor de uma intervenção militar? É pouco provável que os
institutos de pesquisa façam a pergunta, porque têm medo de ouvir a
resposta ─ mas eis aí, justamente, um indicador muito interessante. Dá
para se deduzir, por ele, que uma grande parte da população receberia
com uma salva de palmas as imagens de tanques rolando nas ruas e
políticos, ministros supremos e empreiteiros de obras se atropelando uns
aos outros para fugir pela porta dos fundos. Em segundo lugar, está
complicado porque democracias só ficam de pé se elas forem vistas como
um bem importante e compreensível pela maioria da população ─ e se
houver um número suficiente de cidadãos dispostos, de verdade, a brigar
por sua manutenção. Muito bem: quantos brasileiros acham que estão sendo
realmente beneficiados, em suas vidas cotidianas, por essa democracia
que veem desfilar à sua frente no noticiário de cada dia? E quantos
topariam sair à rua para defender, por exemplo, os mandatos dos
senadores Romero Jucá, Renan Calheiros ou Jarbas Barbalho?
O fato, que não vai embora por mais que se queira fazer de conta que
“as instituições estão funcionando”, é que praticamente ninguém, no
mundo político, merece o mínimo respeito do cidadão hoje em dia.
Honestamente: alguém seria capaz de dizer o contrário? Se os
encarregados de manter o regime democrático em funcionamento se
desmoralizam todos os dias, e desprezam abertamente as regras da
democracia com a sua conduta criminosa, fica difícil supor que está tudo
bem. Nossas autoridades “constituídas” acham que está. Como a
Constituição diz que é proibido fechar o Supremo, o Congresso, etc.,
imaginam que podem continuar fazendo qualquer barbaridade que lhes
passar na cabeça. Imaginam que os militares, informados de que existe
uma “cláusula pétrea” mandando o Brasil ser uma democracia, se veriam
obrigados, por isso, a continuar assistindo em silêncio a anarquia
promovida diante de seus olhos por magistrados do STF, ministros de
Estado, líderes parlamentares e os demais peixes graúdos que têm a
obrigação de sustentar o cumprimento das leis ─ mas vivem em pleno
colapso moral e não conseguem mais segurar no chão nem uma barraca de
praia.
É cansativo ouvir, mais uma vez, que a democracia é uma coisa e as
pessoas que ocupam os cargos de governo são outra. Não se deve confundir
as duas, reza a doutrina, pois nesse caso um regime democrático só
poderia existir numa sociedade de homens justos, racionais e bondosos;
se as pessoas que mandam estão mandando mal, a solução é substituí-las
por outras através de eleições, processos na Justiça e demais mecanismos
previstos na lei. Mas o Brasil está fazendo mais ou menos isso desde
1985, e até agora não deu certo. Alguém tem alguma previsão sobre quanto
tempo ainda será preciso esperar? A democracia brasileira faliu; é
possível que nunca tenha tido chances reais de existir, por
insuficiência de gente realmente disposta a praticá-la, mas o fato é que
estão tentando fazer o motor pegar há mais de 30 anos, e ele não pega.
Talvez ainda desse para ir tocando adiante por mais tempo, com um
remendo aqui e outro ali. Acontece que neste momento, justamente, há
muito menos esforço para escorar o que está bambo do que para tacar fogo
na casa inteira.
A questão central, curiosamente, é a manutenção da lei. Nove em dez
golpes, ou nove e meio, são dados por quem tem a força armada e quer
mandar a lei para o espaço. Aqui parece estar se montando o contrário.
Os militares dizem, como deu a entender semanas atrás o general Eduardo
Villas Bôas, comandante do Exército, que exigem o cumprimento da
Constituição e das leis penais para continuar nos quartéis. Quem está
querendo abolir a aplicação da lei são os que não têm as armas, mas
chegaram à conclusão que não conseguem sobreviver se forem mantidas as
regras atuais da democracia brasileira. Está mais do que claro de quem
se trata. Trata-se, em primeiro lugar, do ex-presidente Lula, do PT e
dos seus partidos auxiliares. Em segundo lugar vem o populoso cardume de
políticos, de qualquer partido, que estão fugindo da Justiça penal por
prática de corrupção e outros crimes ─ são centenas de indivíduos,
literalmente. Em terceiro lugar, fechando a trindade, estão as
empreiteiras de obras públicas, fornecedores do governo e o restante das
gangues que vivem de roubar o Tesouro Nacional. Todos estes precisam
desesperadamente de uma virada de mesa que solte Lula da prisão, salve
da linha de tiro os ladrões ameaçados pela lei e devolva condições
normais de operação para o negócio da ladroagem de dinheiro público em
geral.
O último esforço em seu favor foi essa grosseira ofensiva dos
ministros Toffoli, Lewandowski e Gilmar para tirar Lula da prisão,
suprimir provas dos processos criminais que ele tem pela frente, anular
sua condenação, impedir o trabalho do juiz Sérgio Moro ─ em suma,
fraudar a Justiça penal brasileira numa trapaça de escala realmente
monumental, com o vago objetivo de “zerar tudo”. É o sonho de Lula e
seus advogados milionários de Brasília, do Complexo PT-PSOL-PCdoB etc., e
de dez entre dez ladrões sob ameaça de punição: declarar a Operação
Lava Jato ilegal, sumir com tudo o que ela já fez, está fazendo ou vai
fazer e demitir o juiz Moro a bem do serviço público, junto com todos os
magistrados que combatem a corrupção no Brasil. Eles não dizem isso, é
claro: sua conversa é que estão aplicando o embargo dos embargos de
agravo teratológico com efeito suspensório, diante da combinação
hermenêutica de mutatis mutandisinterlocutórios com ora pro nobis
infringentes. Não perca o seu tempo com o vodu jurídico do STF sobre
“direito de defesa” que a mídia repassa a você com casca e tudo: é pura
tapeação para ver se soltam Lula da cadeia e ajudam a ladroagem ─
primeiro para que ela escape da penitenciária e, em seguida, para
permitir que continue roubando em paz.
É disso que se trata. Há, simplesmente, uma guerra contra o estado de
direito neste país, comandada pelas forças que não podem conviver com
ele. Lula e o seu sistema de apoio não querem a democracia. Recusam-se,
abertamente, a cumprir a lei e a aceitar decisões legítimas da Justiça;
sabem que não têm futuro num regime democrático, com poderes
independentes, Lava Jato, imprensa livre e o restante do pacote. Estar
no governo, para essa gente, não é a mesma coisa que seria para você.
Eles precisam estar no governo. Não só para ter empregos, fazer negócios
e ganhar dinheiro da Odebrecht, mas porque enfiar-se no poder é a
diferença entre estar dentro ou fora da cadeia. É por isso que os
senadores petistas Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann, entre outros, se
agitam tanto. Se as leis continuarem a ser normalmente aplicadas, podem
ter diante de si, em breve, ações penais duríssimas. É por isso que o
deputado Wadih Damous, também do PT, disse outro dia que “é preciso
fechar o Supremo Tribunal Federal” ─ depois de reconhecer que o ministro
Gilmar é um “aliado” do partido. (O deputado não esclareceu o que
pretende fazer com ele, mais os Toffolis, Lewandowiskis e similares,
depois de fechar o STF.)
O mundo político e a elite, caídos de quatro no chão, olham em
silêncio para tudo isso, aterrorizados por Lula e assustados com a voz
da tropa. Quando quiserem reclamar, podem se ver reclamando tarde demais
e em muito pouca companhia.
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