terça-feira, 17 de abril de 2018
"Enfim, se ainda sobra
alguma pena a ser cumprida por um rico criminoso de colarinho branco,
frequentemente ele adoece e também vai para casa. Esse é o ciclo da
impunidade visualizado na escultura de Galschiot". Artigo de Gil
Castello Branco, fundador do Contas Abertas, publicado pelo jornal O
Globo:
A escultura do
artista dinamarquês Jens Galschiot, denominada “A sobrevivência dos
opulentos”, parece refletir com precisão a Justiça brasileira. Uma
senhora pesada, com uma pequena balança desequilibrada em suas mãos,
sentada sobre os ombros de um cidadão magérrimo que simboliza o povo,
explorado por quem deveria lhe defender. É a Justiça dos privilégios, do
foro Supremo, dos recursos infinitos, das prescrições e da impunidade.
No Brasil, é difícil
descobrir a corrupção pois, quase sempre, não há extratos bancários,
recibos, notas fiscais ou registros em cartórios. Tudo acontece no
submundo, nos porões dos palácios, sítios e coberturas, nas malas, meias
e cuecas, nas saídas das pizzarias e nas simulações de empréstimos e
vendas de gado. As descobertas acontecem às vezes por acaso, tal como
aconteceu com a Lava-Jato, quando a investigação sobre um doleiro e uma
casa de câmbio, em um posto de gasolina de Brasília, deu no que deu.
Quando a corrupção é
descoberta, é difícil comprová-la. No início das investigações, todos
são inocentes: não sabiam, não conheciam, e as suas contas de campanha
foram aprovadas pelo TSE. Não custa lembrar que o TSE está analisando,
neste ano de 2018, as contas dos partidos políticos de 2012!!!
O dinheiro roubado
roda o mundo, movimentado em milhares de contas bancárias de empresas
fantasmas em paraísos fiscais. Só a Lava-Jato já fez aproximadamente 400
pedidos de cooperação dirigidos a cerca de 50 países. Internamente, o
Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários adquiriram maior poder
para punir em valores expressivos as condutas lesivas ao sistema
financeiro e ao mercado de capitais. Agora, está mais difícil esconder a
dinheirama e até apartamentos são alugados para hospedar o roubo.
Quando a corrupção é
comprovada, é difícil evitar que os processos não sejam anulados ou
interrompidos. Há advogados famosos e caríssimos justamente pela
capacidade de descobrir brechas nos inquéritos e nos processos com o
intuito de interrompê-los. As interrupções beneficiam também os
políticos, com a anuência do STF e do Legislativo. Como o STF lavou as
mãos, o corporativismo dos parlamentares impede cassações e a
continuidade das investigações. Para os afogados com foro privilegiado, o
STF é um colete salva-vidas e o Legislativo, uma boia.
Quando os processos
não são interrompidos, a Justiça brasileira é tão lenta que grande parte
deles prescreve. Segundo pesquisa do ministro do STJ Rogério Schiett,
em apenas dois anos, entre setembro de 2015 e agosto de 2017, nada menos
do que 830 ações penais prescreveram. Apenas com a tramitação de ações
contra réus “ilustres”, os brasileiros descobriram a quase infinita
possibilidade de recursos que levam à impunidade. Até embargos dos
embargos, o absurdo do absurdo...
Quando os processos
não prescrevem, as penas são baixas e os corruptos, soltos rapidamente. O
cidadão brasileiro que passou mais tempo sendo “punido” foi o goleiro
Barbosa, titular da Copa de 1950, que tomou um gol defensável de um
uruguaio, o que levou o Brasil a perder o título. Barbosa faleceu em
abril de 2000 e, como ele mesmo dizia, penou por 50 anos!
Os corruptos, com
bons advogados, cumprem um sexto da pena em regime fechado e “progridem”
para o semiaberto e para o aberto, quando não ficam em prisão
domiciliar nas casas milionárias que adquiriram com o dinheiro desviado.
Vão para casa porque têm idades elevadas e/ou para cuidar e dar “bons
exemplos” aos filhos. E sem tornozeleiras eletrônicas, que estão sempre
em falta. Os que ficam nos presídios saem nos indultos de Natal, quando
não são indultados definitivamente com a extinção de punibilidade. O
indulto é, não raro, um insulto.
Segundo Carlos
Fernando dos Santos Lima — um dos procuradores mais combativos da
Lava-Jato, juntamente com Deltan Dallagnol — semanalmente os advogados
tentam de tudo: “A soltura de réus presos, até mesmo do pai de afilhada
de casamento; a postergação do momento de prisão para o dia de São Nunca
ou um pedido de vistas para adiar a redução do foro privilegiado. A
novidade, recente, é a guerra de decisões dentro da própria Corte. Um
ministro determina a prisão do réu e, então, o seu advogado vai
protocolando sucessivos habeas corpus, que caem com um ministro depois
do outro, até cair com quem o solte. Parece uma aberração, e é.”
Enfim, se ainda sobra
alguma pena a ser cumprida por um rico criminoso de colarinho branco,
frequentemente ele adoece e também vai para casa. Esse é o ciclo da
impunidade visualizado na escultura de Galschiot. DO O.TAMBOSI
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