sábado, 31 de março de 2018
Fausto Macedo e Julia Affonso, O Estado de São Paulo
Texto atualizado às 23h30 desta sexta-feira, 30
Membros do Ministério Público e da magistratura de todo o País vão
entregar um super abaixo-assinado pela prisão em 2ª instância aos onze
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira, 2, na antevéspera do julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula, condenado a 12 anos e um mês no caso triplex. Na quarta-feira, 4, os ministros analisam o mérito do pedido do petista para aguardar em liberdade os recursos contra a condenação na Operação Lava Jato.
Até as 23h30 desta sexta-feira, 30, mais de mil promotores, procuradores
e juízes de todo o País já haviam assinado a nota técnica. Esta é a
maior ofensiva dos membros do Ministério Público e do Judiciário pela
prisão em 2ª instância.
Já subscreveram o manifesto o coordenador da força-tarefa da Operação
Lava Jato, no Paraná, procurador Deltan Dallagnol, as procuradoras da
Lava Jato, em São Paulo, Thaméa Danelon e Anamara Osorio, a procuradora
regional da República, Ana Paula Mantovani, o promotor de Justiça, em
Brasília, Renato Varalda, além dos procuradores-gerais de Justiça de
Goiás (Benedito Torres), do Alagoas (Alfredo Mendonça) e do Rio (Eduardo
Gussem) e, ainda, o procurador do Ministério Público do Tribunal de
Contas de União, Julio Cesar Marcelo de Oliveira.
“Nada justifica que o STF revise o que vem decidindo no sentido de que
juridicamente adequado à Constituição da República o início do
cumprimento da sanção penal a partir da decisão condenatória de 2ª
instância. A mudança da jurisprudência, nesse caso, implicará a
liberação de inúmeros condenados, seja por crimes de corrupção, seja por
delitos violentos, tais como estupro, roubo, homicídio etc”, afirma o
abaixo assinado.
Em 24 de janeiro, Lula foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro
pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Na segunda-feira,
26, a Corte de apelação da Lava Jato rejeitou o embargo de declaração do ex-presidente. Pelo entendimento firmado pelo Supremo em 2016, Lula poderia ser preso após a condenação em 2ª instância.
Contra o petista ainda não foi expedido um mandado de prisão, pois o Supremo concedeu-lhe um salvo-conduto até o julgamento final de seu habeas corpus.
VEJA A ÍNTEGRA DA NOTA TÉCNICA
NOTA TÉCNICA: constitucionalidade da prisão em 2ª instância e não violação da presunção de inocência
O princípio da presunção de inocência, ao longo dos tempos,
evidenciou-se de extremo valor para a liberdade individual e a sociedade
civilizada. Suas implicações, no entanto, jamais foram reputadas
absolutas.
Não se trata de cláusula meramente declaratória em benefício exclusivo
de um cidadão, mas sim de parâmetros para o exercício legítimo da
atividade de persecução criminal em favor da subsistência da sociedade.
Embora se firme o amplo significado da presunção de inocência, ora regra
de tratamento, ora regra de juízo, ora limitador da potestade
legislativa, ora condicionador das interpretações jurisprudenciais, o
referido princípio, enquanto tratamento dispensado ao suspeito ou
acusado antes de sentença condenatória definitiva, tem natureza
relativa.
A propósito, o termo ‘presunção de inocência’, se analisado
absolutamente, levaria ao paroxismo de proibir até mesmo investigações
de eventuais suspeitos, sem mencionar a vedação de medidas cautelares
constritivas no curso de apurações pré-processuais, ensejando,
consequentemente, a inconstitucionalidade de qualquer persecução
criminal. Contudo, normativamente, a presunção de inocência não
consubstancia regra, mas princípio, que não tem valor absoluto, pelo
que, deve ser balizado por outros valores, direitos, liberdades e
garantias constitucionais. Por tais razões, o princípio da presunção de
inocência deve ser ponderado, a fim de que não se exacerbe a proteção de
sujeitos à persecução criminal, em detrimento dos valores mais
relevantes para a sociedade.
A interpretação do princípio da presunção de inocência deve-se operar em
harmonia com os demais dispositivos constitucionais, em especial, os
que se relacionam à justiça repressiva. O caráter relativo do princípio
da presunção de inocência remete ao campo da prova e à sua capacidade de
afastar a permanência da presunção. Há, assim, distinção entre a
relativização da presunção de inocência, sem prova, que é
inconstitucional, e, com prova, constitucional, baseada em dedução de
fatos suportados ainda que por mínima atividade probatória.
Disso decorre que não é necessária a reunião de uma determinada
quantidade de provas para mitigar os efeitos da presunção de inocência
frente aos bens jurídicos superiores da sociedade, a fim de persuadir o
julgador acerca de decreto de medidas cautelares, por exemplo; bastando,
nesse caso, somente indícios, pois o direito à presunção de inocência
não permite calibrar a maior ou menor abundância das provas.
Ademais, o princípio da livre convicção motivada remete à livre
ponderação dos elementos de prova pelo Judiciário, de um ponto de vista
objetivo e racional, a quem corresponde apreciar o seu significado e
transcendência, a fim de descaracterizar a inocência, de caráter iuris
tantum, ante a culpabilidade. Para se poder afirmar que determinado
sujeito praticou um delito, é preciso que se tenha obtido uma prova; que
essa obtenção tenha cumprido as formalidades legais e que o julgador
haja valorado corretamente a prova.
Nem mesmo a Declaração de Direitos pretendeu que a presunção de
inocência tivesse valor absoluto, a ponto de inviabilizar qualquer
constrangimento à liberdade do indivíduo antes do trânsito em julgado da
sentença penal condenatória, conforme dispõe, em seu artigo 9º,
contrariamente à aplicação de qualquer medida restritiva de liberdade,
salvo arbitrárias (Art. 9º – “Ninguém pode ser arbitrariamente preso,
detido ou exilado”). Certo é que a instituição do princípio da presunção
de inocência deu-se para atenuar a violação do status libertatis do
sujeito, seja como investigado, seja como réu, que, antes, abria margens
a formas degradantes de colheita de prova, permitindo-se até mesmo
tortura.
Se o direito constitucional e processual, ao perseguir determinados
fins, admite constrições entre os princípios (a verdade material é
restringida pela proibição de prova ilícita), se há elasticidade na
própria dignidade humana (como exemplos: mãe, doente terminal que doa
seu órgão vital para salvar seu filho; o condenado à morte que renúncia
pleitear o indulto; o militar, por razões humanitárias, dispõe-se a
realizar missão fatal para salvar a vida de milhares de pessoas), não é
menos admissível a restrição do princípio da presunção de inocência,
cuja aplicação absoluta inviabilizaria até mesmo o princípio da
investigação e da própria segurança pública.
Evidencia-se, destarte, a necessária revisão dos “tradicionais conceitos
dogmáticos de culpa, culpabilidade e pena, reescrevendo um panorama
teórico mais realista e factível, intimamente relacionado às modernas
demandas sociais” e o combate à macrocriminalidade organizada.
Hoje, as relações econômicas tendem a ser impessoais, anônimas e
automáticas, possibilitando, por conseguinte, uma criminalidade
organizada pautada em aparatos tecnológicos, caracterizada pelo
racionalismo, astúcia, diluição de seus efeitos e, assim, a garantia da
permanência da organização está na execução de procedimentos de
inteligência que minem os operadores do sistema para a persecução e
sanção penal. Nesse contexto, as organizações criminosas absorvem
agentes públicos, corrompendo ações do Estado.
Tratando-se, pois, de crime organizado, a sociedade é duplamente
agredida, isto é, verifica-se prejuízo social nefasto oriundo das ações
criminosas e prejuízo oriundo das ações artificiais do Estado que,
impotente para evitar e prevenir o grave delito, ilude a sociedade com a
imagem de eficiência funcional da investigação criminal. Mais grave é a
deterioração da própria democracia, porquanto, ao adquirir poder de
controle econômico e político, o crime organizado passa a ocupar
posições de “autoridades democráticas”.
Torna-se, assim, imprescindível recuperar a capacidade de executar
adequadamente as penas, porque a ineficácia da persecução penal estatal
não se situa na dosagem das penas, mas na incapacidade de aplicá-las. “A
regulamentação legal dos fenômenos humanos deve ter em vista a
implementação da lei, ou seja, como se dará, concretamente, sua
aplicação, circunstância que não tem sido objeto de preocupação
frequente de nossos legisladores”.
Desse modo, a condenação em segundo grau deve viabilizar o cumprimento
das sanções penais, inclusive as privativas de liberdade, ainda que haja
recurso extraordinário ou especial ao Supremo Tribunal Federal ou ao
Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, tendo, inclusive, essa
última Corte já pacificado o entendimento na Súmula 267: “A interposição
de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não
obsta a expedição de mandado de prisão”.
Ademais, no plano internacional, a prisão após a condenação em 2ª
instância é admitida nos Estados Unidos da América e países da Europa
(França, Alemanha e Portugal). A título de esclarecimento, em Portugal, o
entendimento do Supremo Tribunal de Justiça é de que o arguido preso em
situação de prisão preventiva, no momento em que vê a sua situação
criminal definida por acórdão condenatório do Supremo, deixa de estar em
situação de prisão preventiva para estar em situação análoga à de
cumprimento de pena, mesmo que do acórdão condenatório tenha sido
interposto recurso, que impeça o trânsito em julgado da decisão
condenatória, para o Tribunal Constitucional. Segundo o Supremo Tribunal
de Justiça, o recurso de constitucionalidade não tem a natureza de
recurso ordinário nem respeita diretamente à decisão que, conhecendo do
mérito da causa, ordenou e manteve a prisão, pois é um recurso restrito à
matéria de constitucionalidade, não se traduzindo numa declaração de
nulidade do acórdão recorrido e, uma vez interposto tal recurso, não há a
necessidade da análise de expiração dos prazos da prisão cautelar na
data da decisão.
Na perspetiva histórica das Cortes brasileiras, a admissibilidade da
execução provisória, na verdade, está em consonância com entendimentos
anteriores sobre a recepção do artigo 594 do Código de Processo Penal
(CPP), que tratava da necessidade do réu ser recolhido à prisão para
poder apelar, a não ser que fosse primário e de bons antecedentes. A
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justiça posicionou-se, num primeiro momento, pela recepção do artigo 594
do CPP pela Constituição brasileira de 1988, passando a exigir
posteriormente alguns requisitos subsidiários à exigência da prisão para
apelar.
A edição da Súmula 9 do Superior Tribunal de Justiça brasileiro (“A
exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia
constitucional da presunção de inocência.”) demonstrou claramente o
posicionamento jurisprudencial firme quanto à ausência de contradição
entre o artigo 594 do CPP e o princípio da presunção de inocência, que
podem ser observadas nas decisões abaixo transcritas:
RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. NECESSIDADE DE PRÉVIO RECOLHIMENTO A
PRISÃO (ART. 594 DO CPP). ALEGAÇÃO DE INCOMPATIBILIDADE DESSA EXIGÊNCIA
COM O PRECEITO DO ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO.
Improcedência dessa alegação já que a prisão provisória processual, como
providência ou medida cautelar, está expressamente prevista e permitida
pela Constituição em outro inciso do mesmo artigo 5º (inciso LXI). No
caso, a prisão decorre de mandado judicial (art. 393, I, do CPP).
Primariedade e bons antecedentes são dois requisitos que não se
confundem, podendo verificar-se o primeiro e estar ausente o segundo.
Recurso de ‘Habeas Corpus’ a que se nega provimento. (STJ, RHC 270/SP –
1989/0010264-8, Min. ASSIS TOLEDO, 5ª T., v.u., j. 25.10.1989)
PRISÃO DECORRENTE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRÍVEL. EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL.
I – A prisão decorrente de sentença condenatória recorrível (CPP, Art. 393, I), tanto quanto a prisão do condenado para poder apelar (CPP, Art. 594), é de natureza processual, compatibilizando-se, por isso, com o princípio inscrito no art. 5º, LVII, da Constituição de 1988, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da decisão condenatória
II – O efeito meramente devolutivo dos recursos extraordinário ou especial, pela mesma razão, também não se choca com o princípio constitucional mencionado.
III – Pedido indeferido. (STJ, HC 84/SP – 1989/0009250-2, Min. CARLOS THIBAU, 6ª T., v.u., J. 31.10.1989)
I – A prisão decorrente de sentença condenatória recorrível (CPP, Art. 393, I), tanto quanto a prisão do condenado para poder apelar (CPP, Art. 594), é de natureza processual, compatibilizando-se, por isso, com o princípio inscrito no art. 5º, LVII, da Constituição de 1988, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da decisão condenatória
II – O efeito meramente devolutivo dos recursos extraordinário ou especial, pela mesma razão, também não se choca com o princípio constitucional mencionado.
III – Pedido indeferido. (STJ, HC 84/SP – 1989/0009250-2, Min. CARLOS THIBAU, 6ª T., v.u., J. 31.10.1989)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA.
PRETENSÃO DE AGUARDAR JULGAMENTO DE APELAÇÃO EM LIBERDADE. ART. 594, DO
C.P.P.
I – O artigo 594, do Código de Processo Penal, que tem o escopo de abrandar o princípio da necessidade do recolhimento à prisão para apelar, só alcança quem, ao tempo da decisão condenatória, esteja em liberdade. Não beneficia aqueles que já se encontram presos provisoriamente, pois, um dos efeitos da sentença condenatória é ser o condenado conservado na prisão (Art. 393, inciso I, C.P.P.).
II – Recurso improvido. (STJ, RHC 2995/ES – 1993/0023100-6, Min. PEDRO ACIOLI, 6ª T., v.u., J. 21.9.1993)
I – O artigo 594, do Código de Processo Penal, que tem o escopo de abrandar o princípio da necessidade do recolhimento à prisão para apelar, só alcança quem, ao tempo da decisão condenatória, esteja em liberdade. Não beneficia aqueles que já se encontram presos provisoriamente, pois, um dos efeitos da sentença condenatória é ser o condenado conservado na prisão (Art. 393, inciso I, C.P.P.).
II – Recurso improvido. (STJ, RHC 2995/ES – 1993/0023100-6, Min. PEDRO ACIOLI, 6ª T., v.u., J. 21.9.1993)
Os julgados sustentam a não revogação da norma processual acima referida
diante à presunção de inocência, resguardando a manutenção do status
quo estabelecido pelo Código Processual Penal de 1941. Declarou-se assim
a compatibilidade entre os princípios consagrados nos incisos LXI e
LXVI, ambos do artigo 5º e o artigo 594 do CPP. Vale dizer que a prisão
cautelar poderá ser efetuada por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária, quando ausente permissão legal para a liberdade
provisória.
Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal declarou válido o artigo 594
do CPP frente a Constituição brasileira de 1988, inclusive, frente à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Pacto de San José da Costa
Rica”), exigindo, assim, a prisão como requisito indispensável ao
recurso de apelação.
PENAL. PROCESSUAL PENAL. “HABEAS CORPUS”. RÉU CONDENADO PELO TRIBUNAL DO
JÚRI. DECISÃO CONFIRMADA PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DETERMINAÇÃO NO
SENTIDO DA EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO CONTRA O RÉU. PRESUNÇÃO DE NÃO
CULPABILIDADE. C.F., ART. 5., LVII. C.P.P., ART. 594.
I. – O direito de recorrer em liberdade refere-se apenas a apelação criminal, não abrangendo os recursos extraordinário e especial, que não tem efeito suspensivo.
II. – A presunção de não culpabilidade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória – C.F., art. 5º, LVII – não revogou o artigo 594 do C.P.P. III. – Precedentes do STF. IV. – H.C. indeferido. (HC 72741/RS, Min. CARLOS VELLOSO, 2ª T., v.u., J. 1.9.1995)
I. – O direito de recorrer em liberdade refere-se apenas a apelação criminal, não abrangendo os recursos extraordinário e especial, que não tem efeito suspensivo.
II. – A presunção de não culpabilidade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória – C.F., art. 5º, LVII – não revogou o artigo 594 do C.P.P. III. – Precedentes do STF. IV. – H.C. indeferido. (HC 72741/RS, Min. CARLOS VELLOSO, 2ª T., v.u., J. 1.9.1995)
EMENTA: HABEAS-CORPUS. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. INDEFERIMENTO.
DECISÃO FUNDAMENTADA. ARTIGO 594 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRECEITO
NÃO REVOGADO PELO ARTIGO 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1 – Recurso de apelação interposto pelo Ministério Público. Provimento para submeter o paciente a novo julgamento, pelo Júri, sem o direito de recorrer em liberdade. Questão superada pelo advento da sentença condenatória que vedou esse direito em decisão fundamentada.
2 – É pacífico, nesta Corte, o entendimento de que o artigo 594 do Código de Processo Penal não foi revogado pelo artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, que instituiu o princípio da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. Habeas-Corpus prejudicado. (HC 80548/PE, Min. MAURÍCIO CORREA, 2ª T., v.u., J. 20.2.2001)
No entanto, o reconhecimento do caráter instrumental da prisão decorrente da sentença condenatória recorrível sofreu novamente malabarismos da doutrina e da jurisprudência brasileira para reconhecê-la como forma excepcional de execução provisória da pena imposta em sentença condenatória, com recurso exclusivo da defesa, para o fim de beneficiar o condenado-preso dos direitos consagrados na Lei de Execução Penal (progressão ou cumprimento inicial em regime aberto ou semi-aberto, livramento condicional, remição da pena pelo trabalho etc.), na “…consideração de que o princípio da presunção de inocência foi, constitucionalmente, articulado para favorecer e, não, para prejudicar o acusado.” Denota-se, neste caso, uma hipótese de antecipação dos efeitos da condenação transitada em julgado, cuja restrição do princípio da presunção de inocência é justificada pelo princípio constitucional do favor rei.
1 – Recurso de apelação interposto pelo Ministério Público. Provimento para submeter o paciente a novo julgamento, pelo Júri, sem o direito de recorrer em liberdade. Questão superada pelo advento da sentença condenatória que vedou esse direito em decisão fundamentada.
2 – É pacífico, nesta Corte, o entendimento de que o artigo 594 do Código de Processo Penal não foi revogado pelo artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, que instituiu o princípio da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. Habeas-Corpus prejudicado. (HC 80548/PE, Min. MAURÍCIO CORREA, 2ª T., v.u., J. 20.2.2001)
No entanto, o reconhecimento do caráter instrumental da prisão decorrente da sentença condenatória recorrível sofreu novamente malabarismos da doutrina e da jurisprudência brasileira para reconhecê-la como forma excepcional de execução provisória da pena imposta em sentença condenatória, com recurso exclusivo da defesa, para o fim de beneficiar o condenado-preso dos direitos consagrados na Lei de Execução Penal (progressão ou cumprimento inicial em regime aberto ou semi-aberto, livramento condicional, remição da pena pelo trabalho etc.), na “…consideração de que o princípio da presunção de inocência foi, constitucionalmente, articulado para favorecer e, não, para prejudicar o acusado.” Denota-se, neste caso, uma hipótese de antecipação dos efeitos da condenação transitada em julgado, cuja restrição do princípio da presunção de inocência é justificada pelo princípio constitucional do favor rei.
O preceito foi trabalhado flexivelmente pelo Supremo Tribunal Federal
brasileiro para favorecer o acusado, conforme se verifica a Súmula 716,
que possibilita a progressão de regime de cumprimento de pena ou a
aplicação imediata de regime prisional menos severo nela determinada,
antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Destaque-se, por fim, que a prisão em 2ª instância também está em
consonância com a jurisprudência do próprio STF, com base em outro
precedente julgado em 2005 (HC 86.125/SP, Ellen Gracie, DJ: 2/09/05). A
partir dessa decisão, pacificou-se no STF o entendimento, no sentido de
que com o esgotamento da instância ordinária, que ocorre no Tribunal de
segundo grau (tribunais de justiça, TRFs e STM) não corre prescrição da
pretensão punitiva, mas inaugura a contagem do prazo de prescrição da
pretensão executória da pena. Ressalte-se: só corre o prazo de
prescrição executória à medida que é possível executá-la, isto é, a
partir da decisão condenatória da 2ª instância.
Nessa direção, mais recentemente, vale destacar que o STF, em sede de
repercussão geral, ratificou, a adequação da prisão após condenação em
2ª instância:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL
DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). ACÓRDÃO PENAL
CONDENATÓRIO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDA. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA. 1. Em regime de repercussão
geral, fica reafirmada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no
sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório
proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou
extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção
de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição
Federal. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com o
reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da
jurisprudência sobre a matéria. (ARE 964246 RG, Relator(a): Min. TEORI
ZAVASCKI, julgado em 10/11/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL –
MÉRITO DJe-251 DIVULG 24-11-2016 PUBLIC 25-11-2016 ).
Ademais, coerentemente com o afastamento do princípio da presunção de
inocência e pelo início da execução da sanção penal depois do julgamento
condenatório de 2ª instância, o próprio STF, ao julgar o RE 696533/SC,
em 6 de fevereiro de 2018, Relator o Min. Luiz Fux e Redator do acórdão,
o Min. Luiz Barroso, determinou que o prazo prescricional da prescrição
da pretensão executória conta-se não da data do trânsito em julgado
para a acusação (artigo 112, I do Código Penal) , mas sim levando em
consideração o esgotamento da instância ordinária, a partir da qual só
cabem os recursos extraordinário e especial que não possuem efeito
suspensivo.
Por todos esses argumentos, nada justifica que o STF revise o que vem
decidindo no sentido de que juridicamente adequado à Constituição da
República o início do cumprimento da sanção penal a partir da decisão
condenatória de 2ª instância. A mudança da jurisprudência, nesse caso,
implicará a liberação de inúmeros condenados, seja por crimes de
corrupção, seja por delitos violentos, tais como estupro, roubo,
homicídio etc.
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