Discutia-se uma ação direta de inconstitucionalidade sobre doações ocultas de campanha. Ao votar, Gilmar alfinetou vários colegas, criticando decisões e opiniões alheias ao processo que estava sendo julgado. Cutucou Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Tomado pela rispidez, Gilmar confrontou os colegas como se esgrimisse contra eles uma garrafa de cerveja que acabara de quebrar na quina de uma mesa de ferro metafórica do supremo boteco. Súbito, partiu para cima de Luís Roberto Barroso.
Sem mencionar-lhe o nome, Gilmar citou o julgamento de um caso relatado por Barroso na Primeira Turma do Supremo. Nele, ficou decidido que interrupção de gravidez até o terceiro mês de gestação não é crime. “Ah, agora vou dar uma de esperto e vou conseguir a decisão do aborto”, ralhou Gilmar. “De preferência na turma com três ministros, aí fazemos um dois a um.”
A escalada de ofensas de Gilmar chegou a tal ponto que o maior excesso que os alvejados poderiam cometer contra ele seria o da moderação. Não podendo mais tratar o colega com as mãos, Barroso tratou-o como se o enxergasse no chão, na base do pontapé.
“Me deixa de fora do seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mau com atraso e pitadas de psicopatia”, disse Barroso, transtornado. “Isso não tem nada a ver com o que está sendo julgado. É um absurdo, Vossa Excelência aqui fazer um comício, cheio de ofensas, grosserias. Vossa Excelência não consegue articular um argumento, fica procurando, já ofendeu a presidente, já ofendeu o ministro Fux, agora chegou a mim.”
Barroso prosseguiu: “A vida para Vossa Excelência é ofender as pessoas. Não tem nenhuma ideia. Nenhuma. Nenhuma. Só ofende as pessoas. É bílis, ódio, mau sentimento. É uma coisa horrível. Vossa Excelência nos envergonha. Vossa Excelência é uma desonra para o tribunal, uma desonra para todos nós. […] Vossa Excelência não tem ideia, não tem patriotismo, está sempre atrás de algum interesse, que não é o da Justiça, uma coisa horrorosa, uma vergonha.”
Cármen Lúcia viu-se compelida a suspender a sessão. Antes que o som dos microfones fosse cortado, Gilmar fez um derradeiro disparo: “Presidente, eu vou recomendar ao ministro Barroso que feche o seu escritório. Feche o seu escritório de advocacia.”
Como se vê, respirou-se no Supremo uma atmosfera muito parecida com a de um botequim de periferia. Com três diferenças: 1) Os contendores da birosca não são remunerados com dinheiro público. 2) Na mesa de bar, as brigas acabam na delegacia, no hospital ou no cemitério; 2) No boteco, o tratamento é menos hipócrita.
A cada novo quebra-pau exibido pelas câmeras da TV Justiça a plateia fica mais convencida de que certas palavras pederam completamente o sentido. Na boca dos ministros do Supremo, “Vossa Excelência” nem sempre é uma “excelência”. Não, não. Absolutamente. Muito ao contrário. No Supremo, “Vossa Excelência” pode significar um biltre. Ou um psicopata. Em nenhuma das hipóteses ''Vossa Excelência'' merece receber remuneração do contribuinte.
Josias de Souza
Nenhum comentário:
Postar um comentário