quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Ministro dará alta a si mesmo na pasta da Saúde


O grande problema da equipe ministerial de Michel Temer é que a plateia é incapaz de reconhecer a competência da maioria dos ministros. E estes são incapazes de demonstrá-la. Ricardo Barros, por exemplo, titular da pasta da Saúde, anunciou que sairá do ministério. E o brasileiro se pergunta: Por que entrou?
A presença de Ricardo Barros na Esplanada teve uma única e escassa serventia. O ministro foi utilizado pelo colega Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, como matéria prima numa palestra para funcionários da Caixa Econômica Federal. Nela, Padilha explicou o funcionamento da engrenagem fisiológica do governo Temer. Foi gravado cladestinamente por um dos presentes. E suas palavras ganharam as manchetes em fevereiro de 2017.
Parceiro de Temer numa denúncia criminal, Padilha explicou na palestra que, para obter o apoio do PP, campeão no ranking de encrencados da Lava Jato, o presidente descartou a nomeação de “um médico famoso de São Paulo”. Em vez do profissional “notável”, preferiu acomodar na poltrona de ministro da Saúde o deputado Ricardo Barros, um engenheiro civil opaco.
Chama-se Raul Cutait o médico que Temer se absteve de nomear. Vem a ser um dos mais respeitados cirurgiões do país. Chegou a ser sondado para o ministério. Flertou com a ideia de aceitar o convite. Mas cometeu dois crimes. Primeiro, reivindicou que as nomeações da pasta passassem pela sua mesa. Depois, exigiu que o critério para a seleção dos auxiliares fosse técnico, não político.
As condições de Cutait afligiram o PP, dono da pasta da Saúde. Em timbre de galhoga, Padilha contou à turma da Caixa que a caciquia do partido mandou um recado a Temer: “Diz para o presidente que o nosso notável é o deputado Ricardo Barros.” O ministro aconselhou o presidente a ceder: “Nós não temos alternativa”, disse. O objetivo do governo era o de controlar 88% dos votos do Congresso.
Autorizado por Temer, Padilha reuniu-se com a direção do PP. “Vocês garantem todos os votos do partido em todas as votações?”, perguntou. Diante de uma resposta positiva, o preposto do presidente sacramentou a transação: “Então, o Ricardo será o notável.”
É nesse contexto, sem que tenha demonstrado nada digno de ser notado além de sua própria insignificância, que Ricardo Barros informa que irá sair. Mas ele não tem pressa. Decidiu que tentará reeleger-se deputado. E insinua que pode permanecer no Poder Executivo até a data limite fixada em lei: 7 de abril. Só sairá antes ''se o presidente Temer pedir.''
Temer não cogita afastar Ricardo Barros. O representante do PP dará alta a si mesmo, deixando o Ministério da Saúde quando bem entender. Em situação normal, a saída do ministro seria motivo para festa. Mas a pasta continuará no colo do mesmo partido. Que indicará para a vaga um outro “notável” indigno de nota.
O mais curioso é que o PP continuará mandando e, sobretudo, desmandando no ministério sem entregar no Legislativo a taxa de 100% dos seus votos, como prometera ao Planalto. Na reforma da Previdência, por exemplo, a fidelidade do PP ao governo tem a solidez de um pote de gelatina. Uma evidência de que a governabilidade, difícil de ser obtida em todos os países do mundo, tornou-se impossível no Brasil.
Josias de Souza

Nenhum comentário:

Postar um comentário